Vinte e cinco de abril de 1964

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Nos anos 60, do confronto entre as forças populares e de vanguarda, que lutavam pela implantação das reformas de base no país, e os segmentos conservadores e reacionários, que resistiam a essas mudanças, irrompeu o movimento militar que, a pretexto de combater o comunismo e a corrupção, golpeou a democracia, derrubou o presidente da República, João Goulart, e instalou um regime de exceção e autoritário.

No Maranhão, de pronto, o governo do Estado e os setores militares colocaram em ação medidas repressivas, com o objetivo de impor a nova ordem política instaurada no país inteiro, com base nos Atos Institucionais decretados pelo regime revolucionário.

Enquanto o Poder Executivo, através da Secretaria de Segurança, prendia as lideranças sindicais e populares, fechava as entidades representativas dos trabalhadores, intervinha em órgãos públicos e censurava jornais e emissoras de rádio, o Poder Legislativo, que estava em recesso, era convocado extraordinariamente para funcionar e emprestar solidariedade ao governo militar e acompanhar a situação política vigente.

Com a cassação de mandatos de deputados federais e senadores, respaldado no Ato Institucional-1, a Assembléia Legislativa do Maranhão, querendo mostrar serviços aos novos detentores do poder, avocou a incumbência ilegal e ilegítima de cassar mandatos eletivos.

Por iniciativa da bancada majoritária, as lideranças do PSD, no dia 16 de abril de 1964, resolveram apresentar um insólito e impertinente Projeto de Resolução, regulando a
cassação de mandatos de prefeitos municipais e membros dos corpos legislativos estaduais e municipais, estabelecendo ainda outros procedimentos atentatórios à
Constituição, que não fora derrogada e ao próprio Regimento Interno do Poder Legislativo.

Com o extravagante Projeto de Resolução à mão, os deputados partiram para a execução de um maquiavélico plano de retirar da cena política os parlamentares não alinhados ao esquema governista.

Em ação paralela, do Palácio dos Leões foi expedido um cabograma, assinado pelo presidente da Assembléia Legislativa, deputado Frederico Leda, ao general Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército, solicitando nomes de deputados e suplentes incluídos na relação de comunistas e incursos no Ato Institucional.

Enquanto se aguardava a resposta do comandante do IV Exército, notava-se um desejo de vingança e de represália e de que alguma coisa estava sendo articulada com o propósito de tomar os mandatos de alguns parlamentares que não rezavam na cartilha governista.

Depois de dias de expectativa, em 24 de abril, o general Justino Alves Bastos encaminha um radiograma ao comandante do 24º Batalhão de Caçadores, o qual, mediatamente, convoca o presidente da Assembléia e os líderes da maioria e da minoria para tomarem ciência da resposta do IV Exército, que mandava cassar os mandatos dos “deputados comunistas Sálvio Dino, Benedito Buzar, e dos agitadores Joaquim Mochel e Vera Cruz Marques, e se for o caso, Ricardo Bogéa”.

O comandante da Guarnição federal, por sua vez, ordenou que fossem também cassados os suplentes de deputados Bandeira Tribuzi, William Moreira Lima e José Bento Neves, presos no 24º BC. O documento militar, em seguida, foi encaminhado à Comissão de Justiça da Assembléia para se pronunciar a respeito da matéria.

Na sessão de 24 de abril, a toque de caixa e com base no parecer favorável da CJ, foi votado o Projeto de Resolução nº 17 declarando a perda dos mandatos dos deputados apontados como comunistas pelo IV Exército e dos indicados como agitadores pela Guarnição federal.  A Comissão de Justiça, numa atitude até certo ponto surpreendente, poupou o mandato do deputado Ricardo Bogeá.

Realizados os procedimentos regimentais, a Assembléia convocou uma sessão extraordinária na manhã do dia 25 de abril, com o fim de banir da vida pública este escriba e seus companheiros de luta política.

Antes de o projeto ser submetido à votação, vários deputados usaram a palavra, alguns, hipocritamente, para lamentar o fato, outros, sabujamente, para louvar a iniciativa dos militares.

Eu e Sálvio Dino também discursamos, quando apresentamos as nossas despedidas e relatamos os compromissos políticos assumidos com o povo maranhense, não deixando também de lamentar que a Assembléia tivesse se envolvido numa questão que não era de sua alçada e competência e, ademais, violado o direito líquido e certo de ter o processo de perda de mandato adstrito ás normas jurídicas que disciplinam a matéria e consubstanciadas em falhas gritantes.

Depois dos discursos, com as galerias lotadas e revoltadas, procedeu-se à votação, sendo o Projeto aprovado por 27 deputados. Em seguida, alguns parlamentares depositaram nos ombros dos cassados copiosas lágrimas, para expiar culpas e responsabilidades que, por pusilanimidade, procuravam transferir às pressões militares.

Com a perda de nossos mandatos, impetramos mandado de segurança contra o ato ilegal e arbitrário da Assembléia Legislativa. Através de peça jurídica notável e lúcida da autoria do professor Antenor Bogéa, provamos  ao Tribunal de Justiça as transgressões praticadas contra expressos dispositivos da Constituição do Estado e demonstramos, com abundância de argumentos  extraídos do direito positivo, que fomos vítimas de aberrante iniqüidade.

De nada adiantou o petitório encaminhado ao Poder Judiciário, que com as suas prerrogativas constitucionais suprimidas pelos Atos Institucionais, julgou-se incompetente para apreciar o nosso pleito, sendo então arquivado nos armários do TJ.

Quarenta e oito anos daquela  sessão de triste memória, que aviltou de modo irreversível a história e o desempenho da Assembléia Legislativa do Maranhão, faço o registro do nefasto episódio sem ódio ou mágoa, pois no meu coração não há lugar para guardar ressentimentos, rancores ou revanchismos.

Lembrar daquele insano e repugnante ato serve apenas para mostrar às novas gerações de maranhenses que, infelizmente, passamos por tempos tenebrosos e vergonhosos, mas que esperamos não mais voltar para a felicidade do povo brasileiro.

 

1 comentário para "Vinte e cinco de abril de 1964"


  1. Paulo

    Meu caro Buzar, sou militar do 24º BC e lá ainda tem dois militares “superiores” que são o próprio comandante da Unidade Ten Cel Peregrino e o Maj Médico Hermógenes, esses dois realizam ações macabras lá dentro que só se presenciava no período de exceção, um fato do qual pode ser destacado é de que eles nçao cumprem ordem judicial, tratam os praças como escravos, coagem, ameaçam é preciso que alguém denunciem esses dois crápulas.

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