Vinte anos sem Nagibão

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Vinte anos atrás, no dia sete de setembro de 1993, morria na cidade de Coroatá, depois de participar das comemorações do dia da Independência do Brasil, o então presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, deputado Nagib Haickel, meu pai.

Em meio à comoção em torno de seu falecimento, lembro que respondendo à pergunta de um repórter, disse que a sensação que tinha naqueles dias era a de que ele havia saído em uma grande viagem, pois sua presença era tão marcante que a morte parecia não apagar.

Hoje, passados vinte anos, essa sensação sobre a suposta viagem que ele estaria fazendo continua presente. Vez em quando sonho que ele telefonou, mandou telegrama, cartão postal ou escreveu uma carta, quase sempre falando sobre o assunto do momento pelo qual passamos. Outro dia sonhei que ele estava em Paris e mandou-me dois postais, um da Torre Eiffel onde dizia, “Só quem tem coragem de sonhar constrói torres…” e outro da Ponte Alexander III, onde terminava a frase: “… e pontes. Que nunca lhe falte coragem de sonhar, pois se seus sonhos forem justos e verdadeiros, eles se realizarão”.

As pessoas continuam falando sobre ele com a mesma desenvoltura, e olhe, não estou me referindo às pessoas da nossa família. Onde quer que eu chegue e alguém fale sobre ele é sempre num tempo verbal que não deixa lá muito claro que está falando de um personagem já falecido há vinte anos.

Os fatos em torno dele são tão curiosos e saborosos! Guardam o frescor das frutas que ele tanto apreciava e fazia questão de servir em seu gabinete na ALM, aquele mesmo gabinete que ele mandou retirar as portas, como já havia feito antes em sua loja a Meruoca, na intenção de dizer aos amigos, fregueses e usuários que ele estava sempre de portas abertas para receber a todos, sem distinção de sexo, raça, religião, classe social ou preferência política e ideológica.

Para quem não sabe, Nagib Haickel era filho de imigrantes libaneses e nasceu na cidade de Pindaré-Mirim em dezembro de 1933. Foi comerciante e político e em suas duas atividades sobressaiu-se por sua imensa criatividade e pela maneira sempre alegre e extrovertida de ser.

Costumava brincar dizendo que só cursara até o primeiro ano do curso médio de contabilidade, mas que se formara na universidade da vida, tendo estudado com alguns dos professores mais gabaritados de seu tempo.

Em sua escola de comércio teve como mestres Wadi, Eduardo e César Aboud. Além deles teve seus pais Elias e Maria, o primeiro, mestre na matéria correção e seriedade nos negócios e a segunda, catedrática na arte de conquistar o freguês e vender suas mercadorias. Na escola dos Aboud se vangloriava de seus colegas de turma, Alberto Aboud e William Nagem, enquanto na escola dos Haickel se mirava nas primas Loury e Celeste.

Na política, atividade posterior ao comércio, pela qual se apaixonou de igual modo e com a mesma intensidade, ele deve ter tido mais dificuldade de aprendizado, pois entrou nela por uma porta lateral, levado pelas mãos de seu irmão Zé Antonio, um ano mais velho que ele, que resolveu em 1965 se candidatar a prefeito de sua cidade, na tentativa de fazer chegar até lá o então Novo Maranhão que apregoava o deputado e candidato a governador, José Sarney. Pindaré passou a ser um dos melhores municípios da região.

Na política também aprendeu tudo pelo ensinamento prático. Teve poucos mestres entre os quais se destacam o próprio Sarney, Alexandre Costa e Clodomir Milet.

Ele foi contaminado pelos micróbios concernentes às atividades que desenvolveu de forma total e definitiva. Era e é impossível imitar ou até mesmo tentar acompanhar o ritmo do comerciante ou do político Nagib Haickel.  Eu que o diga, pois foi exigido de mim que eu tentasse igualá-lo, mas tenho certeza que ele, no fundo, sabia que eu não conseguiria. Acredito que ele tinha sensibilidade suficiente para saber que eu não deveria tentar imitá-lo ou mesmo acompanhá-lo. O que ele queria no fundo era dividir comigo um pouco de sua arte e de seu conhecimento, para que ao meu modo, do meu jeito pudesse utilizar seus ensinamentos, o que pode parecer pouco, mas não é.

Meu pai teve muitos apelidos. Em casa, pelo irmão e irmãs era chamado de “seu Ziba”; Na beira do rio Pindaré, pelos amigos, era conhecido por “Tijibú”, alusão a um touro bravo; Na Chames Aboud e na Fábrica Santa Isabel, pelo jeito irrequieto e brincalhão, “Nagib Doido”; Nas ruas alguns o chamavam de “Carcamano”, por sua ascendência libanesa; Na política, pelo fato de distribuir toneladas de bombons para as crianças, “Nagib Bom-Bom”; Depois de algum tempo, todos que o conheciam ou até quem nunca o tinha visto, o chamava simplesmente de “Nagibão”.

Aqui, nesse restrito espaço de jornal é impossível tentar desenvolver um texto que possa resumir a história de vida de uma pessoa, ainda mais sendo de uma tão controversa e polêmica quanto Nagib Haickel.

Só para você ter uma ideia, comecei a fazer um filme sobre ele, para apresentar agora. O filme que teria vinte e seis minutos passou para cinquenta e dois e agora eu e meus colaboradores chegamos à conclusão de que o filme não poderá ser realizado se não em quatro episódios de vinte e seis minutos, pois são tantos e tão bons depoimentos sobre os fatos de sua vida que não podemos deixar de mostrá-los.

Há uma coisa que já disse antes e que gostaria de repetir agora, pois acredito ser o fato mais importante da vida de meu pai.

Dentre tudo que ele legou a mim e a meu irmão, três são os patrimônios mais valiosos: a oportunidade de termos nascido em uma família amiga e carinhosa; A escolha de uma mulher maravilhosa para ser nossa mãe, bem maior que nós temos; e uma legião de amigos verdadeiros e sinceros, cultivados com lealdade e dedicação.

Meu pai tinha duas frases que usava como roteiro de sua vida. Uma simbolizava seu trabalho e sua dedicação: “O fácil já fizeram; o difícil se faz logo; o impossível demora um pouco mais”. A outra representava seu compromisso, sua coragem, sua honra e sua lealdade: “Dou um boi para não entrar numa briga, mas uma boiada para não sair dela”.

Reconhecido como um homem extremamente generoso, ele foi vitima do órgão que o representava mais fielmente, o coração. Seu coração metaforicamente grande cresceu fisicamente e tirou-lhe a vida três meses antes dele completar sessenta anos.

Se você me perguntasse agora quem foi meu pai, eu poderia responder-lhe simplesmente como ele faria: “Caboclo do Vale do Pindaré, acostumado a comer Tapiáca e Mandubé”, mas ficaria faltando muito para desenhá-lo com mais precisão, então eu lhe digo, leia seu livro de cabeceira, “Como Influenciar as Pessoas e Fazer Amigos” de Dale Carnegie, quem sabe assim você possa descobrir quem foi Nagib Haickel. 

 

3 comentários para "Vinte anos sem Nagibão"


  1. Blog do Jorge Aragão | Uma justa e merecida homenagem…

    […] Por Joaquim Haickel […]

  2. Silvio Eduardo

    Caro Joaquim, Não nos conhecemos mas já li algumas coisas sobre seu pai e pelos post’s que você escreve sobre a sua família, como por exemplo, um que você relatou sobre um casal de senhores que moraram com vocês (não lembro os nomes). Politicamente falando, sentimos falta de pessoas no meio político como foi o seu pai. O Maranhão sente falta do Nagibão!!

  3. Rosane Campelo.

    Muito bom!!!
    Ler este texto é reviver também um tempo da minha vida. Estive ontem na curva do noventa, de carro não faz diferença, mas a pé tem tudo a ver. Lembro-me da participação da AL em uma campanha para arrecadar mantimentos. Tentava atravessar e não conseguia. Logo lembrei de Nagibão parando os carros, pedindo a participação das pessoas com mantimentos para a campanha. Muitos iam em casa e voltavam com alguma doação.
    Bons tempos! Saudades!!!!!

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