Sem Medo de Morrer

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Não sei o que é medo desde que fui confrontado com o maior dos medos que eu poderia ter em toda minha vida. O medo de estar sozinho, de ter que enfrentar as batalhas da vida sem um guia, um líder, o medo de ter sido abandonado. Desde o dia em que meu pai morreu perdi todos os medos que sempre acalentei em minha existência, até então um tanto infantil.

Digo isso para justificar que não senti nenhum medo quando no último dia 8 de julho, fui até a Assembleia Legislativa do Maranhão para conversar com alguns amigos e passei mal, tive uma súbita elevação de pressão, senti náuseas, e tontura, mas fui logo medicado pela doutora Jane, médica responsável pelo atendimento do plenário do Legislativo maranhense, que prosaicamente neste caso, leva o nome de meu pai.

Apoiado no deputado Alexandre Almeida e acompanhado do deputado Antonio Pereira e pela doutora fui levado à emergência do Hospital UDI onde fui atendido no setor cardiológico.

Durante todo aquele tempo, medo por mim, por minha vida foi a coisa que menos eu senti. Durante todo aquele tempo eu só imaginava no que deveria ter pensado meu pai quando foi confrontado com a fatídica morte.

Imaginei que ele tivesse voltado seu pensamento para as pessoas que mais amava, em como iriam ficar sua mulher Clarice, seus filhos Joaquim, Nagib e sua netinha Laila, as pessoas que conviveram com ele durante toda a vida, Teté, Loló, Lucia, Jorge, Celso, Santana… Deve ter lembrado de seus irmãos, de como eles ficariam sem ele que era o timoneiro do barco Haickel. Deve ter pensado como ficariam seus empregados na ausência dele, em como eu e Nagib iríamos organizar os seus negócios, quase sempre tão intrincados e confusos. Como ficaria a política de nosso Estado com o falecimento do presidente do Legislativo, que servia de ponto de equilíbrio naquele momento. Por um instante pensei as mesmas coisas, só que tendo a minha vida como ponto de partida. E a sensação foi a coisa mais parecida com medo que eu já senti nos últimos 22 anos, desde que não sei mais o que é realmente sentir medo.

Em meio a todo aquele transtorno do mal-estar e da minha ida para o hospital, para completar o vaticínio de meus pensamentos, eis que surge em minha frente, quando adentrava as quatro linhas do hospital, o velho amigo de meu pai, pessoa a quem Nagibão tinha como uma espécie de filho, o ex-deputado Marcony Farias, que estava ali com seu filho adoentado. O mais curioso nisso tudo é que meu pai morrera nos braços de Marcony e ao me lembrar disso gritei pra ele: “Não sai daqui, porque de duas uma, ou tu vai encomendar outra alma Haickel ou vamos ficar aqui batendo papo até me liberarem”. Naquele momento sabia que nada de mais grave me aconteceria.

Liberei Toinzinho e Marcony porque meus braços e minhas pernas haviam chegado. Meu motorista Marcelo ligara para meu irmão Nagib que largou tudo e em minutos estava no hospital. Só então pedi que ele ligasse para minha mulher, Jacira, para avisá-la, mas que nada dissesse para minhas mães e para Laila. Minutos depois Jacira estava agarrada na minha mão.

Ainda não cheguei ao cerne de meu assunto de hoje, vou tentar iniciá-lo agora.

Fui levado a uma salinha que continha duas macas e colocado na mais à esquerda, pois estava chegando uma paciente bem mais grave, que ficaria na outra. Não vi a paciente até me levantar para ir fazer as tomografias requisitadas pelas médicas que me atenderam.

Quando vi a senhora que foi trazida para a outra maca, naquele momento tive medo. Na verdade tive pavor de ficar daquele jeito, inutilizado para uma vida digna. A filha dela, que a acompanhava e cuidava dela com um zelo e um carinho dignos de mãe para com filha e não de filha para com mãe, diminuiu o meu choque, mas não o suficiente para impedir que eu voltasse a pensar em meu pai e agora também em minha mãe.

Tenho certeza absoluta que meu velho pai, que morreu antes de completar 60 anos, preferiria ter morrido como morreu, mais cedo, que vivido inutilizado por pelo menos um mísero dia. Esse também é o destino egoísta que eu desejo para minha mãe. Prefiro que ela se vá calma e tranquila, que nós fiquemos com a lembrança de sua alma leve e generosa, que ela não sofra um bilionésimo do que aquela senhora, ali do meu lado, estava sofrendo.

Fechei os olhos e voltei aos meus pensamentos. Enquanto percorria os corredores do hospital em cadeira de rodas, no caminho da CT e mesmo dentro daquela máquina, comecei a relacionar tudo que preciso fazer nos próximos meses, e quem sabe até anos, para deixar arrumadinhas as coisas e as vidas das pessoas que continuarão depois de mim.

Na lista que chamei de GE, pois eram as letras que eu via toda vez que abria os olhos dentro daquela geringonça circular em que estava, constam itens como solucionar todas as pendências relacionadas às minhas empresas, às sociedades em que participo, de preferência sair das que não sejam somente com meu irmão, relacionar os nomes de todos os meus credores e aquelas pessoas a quem devo alguma coisa, para que meus sucessores possam quitar alguma dívida que eu não tenha conseguido honrar até o inexorável momento, ou possam receber se for o caso, depois de mim…

Não penso em morrer. Deus me livre e guarde! Mas, entre viver inutilizado, sem dignidade e ir à grande viagem, prefiro o turismo incidental, aquele que não se sabe o destino da jornada.

 

PS: Agradeço a todas as pessoas que me prestaram solidariedade naquele momento e outras que ligam a todo instante para saber como estou. Agradeço principalmente ao meu compadre Gafanhoto, que não saiu do hospital até o momento de minha liberação e ao meu querido amigo-irmão dr. Luiz Cesar, que é o médico-anjo-da-guarda de toda minha família.

 

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