Com a palavra… Bruno Duailibe

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Nosso cronista convidado está de volta com seus textos fluidos e instigantes; desta vez, refletindo sobre o consumismo elevado ao qual chegamos atualmente, sem deixar de contemplar a preocupação ambiental tão em pauta nos dias atuais. Sem mais delongas, convido o leitor para saborear o artigo…

Ilustração reproduzida da Internet.
Ilustração reproduzida da Internet.

 Da necessidade

Recapitulando o último mês, não consigo me lembrar de um único dia em que não tenha atendido todas as minhas necessidades, desejos e vontades. Quase sempre, basta recorrer às facilidades da vida moderna, pois se quero o queijo que está faltando para acompanhar o vinho, vou à loja gourmet; passo no shopping se preciso de uma gravata nova para um compromisso importante; acesso a internet se quero um livro que ainda não está à venda aqui em São Luís. Está tudo ali, ao meu alcance.

Essas comodidades me fazem pensar que já não existe uma diferença real entre minhas carências, aspirações e caprichos, porque, de um modo geral, na maioria das vezes podem estar ao meu dispor de imediato. Talvez, por isso, eu jamais tenha pensado como seria viver duas semanas sem comprar absolutamente nada até que, por esses dias, me deparei com a notícia de que a jornalista alemã Greta Taubert se propôs a viver esse desafio por um ano.

Logo, mudou-se para a Espanha, aprendeu a cultivar legumes e abater carnes, tendo recorrido ao escambo para repor mobília e roupas. Chegou até mesmo a produzir sabões e xampu para a sua higiene pessoal. Explicando a motivação para tal alteração de vida, disse a jornalista que a ideia surgiu depois de questionar a infalibilidade desse sistema que apregoa consumo incessante, mesmo sabendo que os recursos eram finitos e que seus pais, avós e bisavós tinham passado por vicissitudes dos anos de guerra e pós-guerra.

Essa história, como não poderia deixar de ser, acabou rendendo um livro com o sugestivo título “Apocalipse now”, vinte quilos a menos e uma lição que passa pelas vantagens de uma maior integração comunitária.

Enquanto isso, meus aprendizados de cultivo nunca foram além daquele exercício do feijão plantado no algodão. Por isso, digo, desde logo, que não consigo me ver repetindo algo semelhante, de modo que minhas especulações a respeito da proposta são reflexões pequeninas e despretensiosas que aqui compartilho.

Primeiro, tenho que tirar o chapéu porque a mencionada jornalista fez algo que muita gente que critica o sistema não faz. Mas, tenho para mim que o maior mérito dessa experiência é instigar os que nunca pensaram em alternativas ao consumo desenfreado. Eu, pelo menos, confesso que mudava de raciocínio toda vez que um lampejo surgia em minha cabeça sobre o assunto. Assim, foi estimulado pelo ano sabático de Taubert que tive de me reconhecer um hiperconsumista e de pensar sobre os exageros que volta e meia faço somente porque há uma enorme variedade de bens e serviços ao meu dispor.

Para que você, também, sinta-se incitado, pense nas vezes em que foi impulsionado a atender os desejos repentinos de sua criança interior e nas ocasiões em que teve vontade de possuir um objeto movido pela breve percepção de que já não pode viver sem ele, para dois dias depois sequer se lembrar que ele era seu bem mais cobiçado. E qual foi o último “presentinho” que você ofereceu a si mesmo, num impulso, porque estava muito triste ou alegre? Enfim, são tantos bens supérfluos que nós consumimos e trazemos para dentro da vida!

Todas essas bugigangas ocupam espaço, tempo e energia que poderiam muito bem ser supridas com o essencial. E, acredite ou não, elas endividam. De acordo com o cruzamento dos dados de pesquisas realizadas pelo SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), 44,82% da renda das famílias são comprometidos com dívidas.

Não se trata de renunciar a desejos ou de sublimar vontades. Eu sei bem que não estou predisposto a deixar de satisfazer os meus e daqueles que amo. Quero dizer que a experiência da senhora Taubert me fez enxergar que a nossa primeira alternativa para fugir aos exageros do consumo é ter prudência para perceber se o produto nos é imprescindível ou não.

Além dessas elucubrações que variam do endividamento à metafísica, a experiência abre espaço para que pensemos também sobre a necessidade de um consumo consciente. Não quero descrever um cenário apocalíptico, mas a verdade é que os recursos são escassos. E para aqueles que só acreditam com base em dados concretos, devo dizer que de acordo com as informações divulgadas pelo Ministério do Meio Ambiente brasileiro, para manter nosso ritmo atual de consumo e produção nos próximos cinquenta anos, precisaríamos de dois outros planetas. Saber utilizar os recursos naturais de forma racional é importante para mim, para você e para as próximas gerações, sob pena de nada mais existir.

A diferença nesse impacto pode ser feita de maneira voluntária e solidária através de escolhas de consumo que tenham mais efeitos positivos na economia, nas relações sociais e na natureza. Tem a ver, igualmente, com o descarte e medidas que evitem o desperdício.

Embora pareça pouco, se nos mantivermos conscientes do ciclo de hiperconsumismo a que podemos ser subjugados, através de pequenas mudanças promovidas no dia a dia, será possível tornar não só o mundo necessário para nós, mas nós mesmos necessários para o mundo.

Bruno A. Duailibe Pinheiro
Advogado. Graduado pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil no ICAT-UNIDF

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