O Carnaval é folia que recria o mundo
Porque não fica o que pode permanecer, nem remanesce aquilo que é transitório, o Carnaval encerrou na última terça-feira mais um de seus ciclos de alegria e agitação.
O velho Machado de Assis não gostava de Carnaval. Mas admitia não haver melhor remédio contra o tédio, o fastio, o desgosto:
– Conheci defuntos que ressuscitaram só por conta dessa celebração.
Numa crônica de fevereiro de 1864, o “fundador” das boas letras brasileiras escreveu, a propósito do tríduo:
– O Carnaval é um hiato na vida comezinha. Paixões, interesses, mazelas, tristezas, tudo “se retira” e vai viver em outra parte…
O Carnaval recria o mundo. Em que outra época do ano se poderia abraçar a moça de umbigo de fora, pular com ela horas a fio, a mão boba sobre o quadril nu, ao som do velho e interminável Jamelão?
Com direito a um “breque” no samba:
– Eu agora sou feliz / Ai eu sou feliz / Eu agora vivo em paz…
O Carnaval é permissivo, ao ponto de dispensar o ritual da cantada.
O pretendente se acercava do salão, no Lítero ou no Jaguarema, a pista de dança transformada em vitrine. Já embalado por meia-dúzia de “cubas”, cada franguinho imberbe sentia-se um conquistador vacinado contra as desilusões. A rejeição também não era incomum, mas virava “brincadeira”. As meninas se organizavam em pencas, de mãos dadas, ou num “trenzinho”, o salão arrumado em “carrossel”. A rapaziada nas beiradas, tarrafeando sorrisos, espionando as favoritas, exercendo o charme e a pescaria.
Até que o frangote ganhasse coragem e, lá pela vigésima volta – zás! Pegava na mão. Se não fosse repelido, o felizardo incorporava-se ao carrossel, com direito a enlaçar os ombros e as ancas da eleita. Uma glória!
O velho sobrado da sede social do Lítero, ancorado à boca da Praça João Lisboa, tremia nos anos 1960. Os sambas, marchas-rancho e marchinhas que animavam o salão, nutriam-se dos sucessos chegados do Rio de Janeiro e dos seus concursos carnavalescos. Tão “ricos” e talentosos que, em 1939, por exemplo, classificaram futuras obras-primas como Aquarela do Brasil.
Os anos 1960 ressoam “agora” em meus ouvidos, com Madureira chorou, Quem sabe, sabe, Vai ver que é e Eu chorarei amanhã – sons que se regeneram em minha orquestra mental, feita de trumpetes, trombones de vara e muita percussão. Notas que se alojam em minha cabeça, como um piolho, ao ponto de nela encontrar um velho confete.
No fundo, era disso que se tratava. Pegar na mão. Para os franguinhos “debutantes”, ainda não era o tempo – e as rejeições machucavam. Para os marmanjos, a vida era mais fácil. O salão era uma quase alcova: olho no olho, mão na mão, e se possível, mão em mais algum lugar.
A festa girava em torno da Praça João Lisboa, passarela natural dos blocos de sujos e das escolas de samba da cidade.
Do Casino Maranhense, velho galeão iluminado da Avenida Beira-mar, ecoava o refrão:
– Eu chorarei amanhã / Hoje eu quero é sambar… – enquanto a “strela matutina” tingia de ouro a baía de São Marcos e o sol de fevereiro iluminava a Praça, a Matriz, a Beira-mar…
Agora, resta esperar 2011 para mais uma celebração à alegria, ao amor, à vida.