Em Nova York com Sarney e Diana Ross
1
De volta a São Luís, quero escrever direto e pouco como um gesto. Quero escrever sem subterfúgios como quem prepara o livro do dever e do haver. Quero escrever direto como o riso do homem velho que vi na esquina, braços em ascensão, aquele louco varrido com a vassoura da alucinação.
Quero apreender o estilo do temporal que caiu sobre mim na Sexta Avenida, em Nova York.
Lá, galos não cantam nos quintais da vizinhança. Meu vizinho é este ar umedecido decorado por nuvens alongadas como os vasos lécitos gregos em que eram guardados perfumes.
Quero escrever direto como quem decide a hora de ir para a cama ou quem apanha um livro na estante. Tudo são gestos.
Emily Dickinson escrevia em linha reta. A beleza não se faz, ela é.
Aprendi a síntese. Foi longo o aprendizado. Quero ser direto como o sim e o não.
2
Nessa volta à mais efervescente megalópole do mundo reencontrei uma Nova York sempre em movimento. Ora eram os néons que nunca apagam, as ruas que nunca (ou quase nunca) estão vazias, ou até mesmo gente que simplesmente vagueia por elas.
Nova York é uma tela pintada de táxis amarelos e néons multicolores em cada esquina, uma mescla de cores, que nunca um pintor teve a ousadia de criar. A cidade é uma pintura, cujos traços mostram uma agressividade celestial, de algo que o Homem sonhou, e Deus o ajudou a criar!.
Houve uma noite de Manhattan em que falamos sobre o destino gravado em nossas mãos de veludo púrpura. São Luís estava tão longe quanto um padre rezando missa na igreja do Desterro. Antes, o pecado morava ao lado.
De pássaros, caixas, anéis, olhos, flores, flechas disparadas, estrelas e sortilégios são feitos os sonhos púrpura de nossas mãos. Como a noite gasta que ficou nos olhos cegos de Jorge Luís Borges, São Luís era, naquele instante em que meus olhos se abriam para a paisagem única do Central Park, essa visão exaurida que persistia apenas fraturada.
3
No apartamento de Salwa Aboud Smith, histórias de vida foram passadas a limpo. Champagne transbordava nas flutes. Salmão, caviar e blinis enfeitavam as bandejas. Requintes de quem mora em Boston e mantém um refúgio na Big Aple só para receber os amigos.
Mistura de memória e desejo aviva raízes agônicas. No mesmo espaço, brasileiros, americanos, noruegueses. Delírios de conversas no salão e uma grande colisão de palavras. Confusão de Torre de Babel. Relembranças da São Luís dos anos 60.
Nada existe sem uma razão, dizia Leibniz. Por alguns instantes fiquei debruçado sobre Virginia Woolf, que fala sobre personalidades triviais decompondo-se na eternidade da impressão dos jornais.
4
O som do saxofone de Paul Desmond inundou a minha manhã em Nova York. O sol, ali, era tão flamejante como na praia do Calhau, em São Luís. Olhei atentamente os cogumelos servidos no restaurante Le Cirque. Cogumelos e ervas suscitam pensamentos – disse-me Fides, olhando para o marido Erick Ostbye. Quanto mais velhos somos mais vulneráveis ficamos às emoções da volta ao passado – arrematou o artista plástico Erick Vittorino.
Quem passa por Nova York, mesmo por uma semana, sente na pele a carga da energia pipocante que move a cidade em cada minuto do dia.
Ali, multidões de turistas misturados aos mais exóticos exemplares de cada parte do planeta, infinidade de sinais, vitrines, portas abertas para milhares de opções em todas as áreas da curiosidade humana, fachadas, concreto, vidro, muito aço, buzinas e sirenes.
Na saída do Le Cirque (agora na Rua 58) o reencontro com a mineira Alessandra e seu marido Michael Bush. Falamos de viagens. Para eles o dilema: Atenas ou Paris? Qualquer lugar na Europa sempre vale a pena.
Despeço-me pensando com Robert Louis Stevenson: “De minha parte, viajo não para ir para qualquer lugar, mas para ir. Viajo pelo interesse da viagem. A grande coisa é ir.”
5
Nova York é a cidade que dita as modas nas finanças e na cultura dos Estados Unidos. Não há metrópole tão influente no mundo. Só Londres, na era vitoriana, ou Paris, na belle époque, usufruíram tanto prestígio.
Há mais de três anos radicado em Nova York, o empresário maranhense Antonio Cordeiro Filho vive um tórrido romance com a brasileira, quase novaiorquina, Diana Engel. Na Madison Avenue, o casal me amarra com um cinto da Hermès. É um regalo pelo aniversário, que comemoramos antes, com um vinho de honra no Bar Bouloud, do lendário Daniel Boulud.
Nova York está sempre em movimento. Ora são os néons que nunca se apagam, as ruas que nunca (ou quase nunca) estão vazias, ou até mesmo gente que vagueia pelas ruas da cidade.
“Viver em Nova York é viver a experiência fantástica de conhecer uma cidade de que toda a gente fala. É estar num lugar que se ama ou se odeia”, arremata Cordeiro, a caminho de sua casa, no condado do Bronx.
A magnitude da cidade passa principalmente pela luz, cor e energia que é, no final de contas, o cartão de visita para quem gosta da confusão normal de uma grande metrópole.
6
Quarta-feira, 19 de maio de 2010. Passaram-se 9 anos e novamente estou em Nova York. Canto com Frank Sinatra “Come fly Away”. “Eu estou planando em um céu bonito,/ um dia incrivelmente claro/ Continue/ Nas suas doces canções de ninar/ Venha e voe comigo”.
Cercado de amigos, no restaurante Le Bernardin, se me perguntassem sobre o que é mudar de idade eu saberia o que era, mas não saberia dizer, porque existem coisas que a palavra não dá conta. Apenas diria “Venha e voe comigo”.
Nova idade é tempo vivido. E tempo, esse senhor tão bonito, não cabe em nenhuma das três palavras que inventamos para tentarmos falar dele: o passado, o presente, o futuro, a não ser como taxonomia de coisas que acreditamos descrever, no máximo.
O tempo que vivemos pode ser a imagem móvel da eternidade imóvel, de que nos fala Platão. Mas, para o poeta Cazuza, o tempo não pára.
E foi para celebrar esse tempo novo que estava se inaugurando em minha vida que me reuni com amigos na mais poderosa cidade do mundo.
No Le Bernardin, o Chef Eric Ripert (foto) continua a definir padrões inigualáveis com seu paraíso piscatório, uma parceira perfeita para uma confraternização de amigos.
Atravesso o asfalto, inoculado de pequenos cristais que brilham ao sol das três horas da tarde, como uma pessoa que retira do centro da mesa uma posta de peixe prateado.
7
Como tâmaras, recordo a queda do Império Romano depois de mais de mil anos de devaneios de que tudo é para sempre, como os diamantes, e ignoro tramas. Toda trama, esse sombrio poço, perde-se com a distância do Brasil.
Folheio esquecimentos e entrevejo o brilho furta-cor do besouro (suas asas anteriores são córneas) que anda, antenas ligadas entre os olhos e a fronte, pela calçada lateral do Central Park.
No Radio City Music Hall um encontro com a voz de Diana Ross. A mulher não parece ter envelhecido. É toda energia. Sua voz continua a mesma e ouvir milhares de pessoas cantando as músicas dela em uníssono é um sentimento que não pode ser descrito, mas se pudesse uma palavra que vem à mente é “incrível!”
Depois de 13 álbuns top 10 e de cinco décadas de música pop – a sua música tornou-se o som da América jovem nos anos 60 –, Ross ainda sorri com hits como The Supremes, sua voz quase inalterada e o rosto com um ar escovado.
Nomeada tutora dos filhos de Michael Jackson, Ross se rendeu à memória dele, cuja imagem gigante surgiu no telão, e cantou “You Are Not Alone”. “Se você precisar de mim, me ligue”, ela aconselhou a platéia, antes de deixar o palco para a mudança de seu vestido final, cor de prata.
Mas o que ficou marcado na minha memória foi a voz eterna de uma verdadeira lenda da música cantando a trilha sonora de nossas vidas.