Arte política

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CORRECTION Argentina Obit Alfonsin

José Sarney, Raul Alfonsín e Julio María Sanguinetti

Somente neste fim de semana tive acesso à íntegra do discurso proferido pelo presidente José Sarney no último dia 19, em Montevidéu, na cerimônia comemorativa dos 25 anos de restauração da Democracia no Uruguai.

Uma peça, sem dúvida, densa no conteúdo humanístico e de filosofia política e primorosa na forma literária.

Depois de evocar fatos marcantes da História do Uruguai e os nomes das figuras que a ilustram, Sarney destacou a inestimável contribuição uruguaia no domínio das letras e das artes. Citou Horacio Quiroga, Mario Benedetti, Juan Carlos Onetti, Torres Garcia, Figari, entre os tantos poetas, escritores e artísticas plásticos que singularizaram as criações do espírito uruguaio.

Vários deles, das gerações mais recentes, se engajaram na luta contra o regime militar, Sarney sublinhou, ao abordar o tema central de seu pronunciamento: o ciclo de redemocratização que se deslanchou na América do Sul nos anos 80, exigindo dos condutores do processo toda uma bagagem de sabedoria política.

 

 II

“Como conciliar democracia e governabilidade em paises com instituições frágeis, estruturas débeis e às voltas com o atraso econômico? Como consolidar a democracia em países pobres?” – eram as questões que Sarney se colocava ao assumir a presidência do Brasil.  Formulada na cerimônia de Montevidéu, sua reflexão sobre os percalços e atribulações que amargou ao conduzir a transição no País é rica de ensinamentos:

– a transição é a mais difícil de todas as etapas políticas para administrar-se. É obra de grande sabedoria e complexidade. Exige uma postura de renúncia total e de humildade. Exige experiência. Tem um alto preço político (…).

 

 III

– Sarney prosseguiu:

– A transição tem sido o túmulo de grandes estadistas. Transforma heróis em vilões, santos em demônios e, às vezes, democratas em ditadores.

– Dela é quase impossível sair ileso e íntegro. Nesse jogo a paciência é tudo e o resto é quase nada.

– A primeira lei da transição é sobreviver. Conduzir representa sempre um grande risco (…) mas o sentimento da missão que a História nos confiou era maior do que os óbices.

Resistir às resistências. Fazer um pacto aberto para todos, começando pela sociedade civil em todos os seus segmentos. É mais difícil cicatrizar feridas e trabalhar para unir o país pela anistia, lutar por esta, cuja realização está ligada ao mais exigente ensinamento cristão: perdoar os inimigos.

  – O êxito da transição brasileira se deve ao fato de que foi realizada sem revanchismos.

 

Lula, o símbolo

Ao sublinhar que o Brasil é, hoje, uma das grandes democracias do mundo, o presidente Sarney observou que nossa evolução política passou pelos governos das elites agrárias, das elites industriais, da classe média e dos militares.

E acrescentou: “Hoje, o Brasil é governado por um político que nasceu do proletariado e neste prosperou. Estamos orgulhosos pelo desempenho do presidente Lula, expressão extraordinária de liderança e de capacidade política. Temos não somente instituições sólidas como também uma sociedade verdadeiramente democrática – e o presidente Lula é seu símbolo.

 

Ovacionado

Ao término de seu pronunciamento, Sarney foi demoradamente ovacionado pelos presentes, entre os quais o presidente uruguaio José Mujica e demais representantes das classes dirigentes do Uruguai e do representante da Argentina, deputado Ricardo Alfonsín (filho do ex-presidente e saudoso Raul Alfonsín).

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Soraia Fialho Silva e a cozinha molecular

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MARÇO Le Meurice 3

Não faz muito tempo, uma espécie de “grande conselho” da cozinha mundial, formado por mais de quinhentos cozinheiros e críticos culinários, assegurou que a nova moda no mundo é a chamada “cozinha molecular”, proclamando os melhores restaurantes do planeta em que a prática pode ser encontrada.

A cozinha molecular é uma prática em que se combinam ingredientes cuja composição molecular é compatível, mas não se sabe se, para determinar essa compatibilidade, é preciso instalar nas cozinhas um microscópio eletrônico, mas se isto acontecer também não causaria estranheza.

Até pouco tempo atrás, a melhor ou pior combinação de dois ou mais elementos em um prato era dada, antes de tudo, pela compatibilidade, fosse complementar ou antagônica (como contraste), de seus sabores, aromas e texturas. Tudo isso, naturalmente, destinado ao que deveria ser o fim de toda obra culinária: o prazer do cliente.

Hoje, poucas pessoas falam em prazer. Quando se lêem as descrições dos pratos destes cozinheiros, se encontram expressões como ”absoluto domínio da técnica”, ”alarde de conhecimentos”, ”provocação” e, às vezes, ”emoção”.

As pessoas “normais” entendem a cozinha molecular como sendo aquela em que o que chega ao cliente no prato é exatamente isso: algumas moléculas (poucas) de comida, muito bem colocadas, e em cujo enunciado se especifica a temperatura (baixa) em que foram cozidas e, qualquer dia, até a pressão a que foram submetidas no processo de cozimento.

Uma cozinha cujos autores investem nos espaços gastronômicos dos principais meios de informação, o que gera um interesse geral para ir aos restaurantes.

Minha experiência com a cozinha molecular – ou ciência que estuda os fenômenos físico-químicos que ocorre em uma cozinha de forma metódica e científica – começou no “El Bulli”, na Espanha, onde o chef catalão Ferran Adriá começou a revolucionar a gastronomia.

Depois, fiz incursões no Pierre Gagnaire, em Paris, e – mais recentemente – no Per Se, em Nova York.

Criada por Hervé This, um cientista francês que percebeu que embora se conheça a temperatura no interior de uma estrela longínqua não se conhece o que se passa no interior de um ovo que está sendo frito, a cozinha molecular resultou de um estudo das receitas e truques culinários, que passam de geração em geração sem que ninguém tenha se preocupado em saber porque funcionam assim, com os instrumentos da química e da física atuais.

E nasceu assim, a gastronomia molecular que deu origem à cozinha molecular.

Sempre antenada com as novidades mais sofisticadas da gastronomia, a maranhense Soraia Fialho Silva andou por São Paulo realizando cursos sobre a gastronomia molecular, ministrados pelo Chef Laurent Suaudeau e Armando Pucci.

E esta semana decidiu promover na loja Caves Du Vin, uma degustação de suas primeiras descobertas.

Os quitutes da cozinha molecular foram harmonizados com a degustação dos vinhos e espumantes da Premium Winery do Brasil, apresentados pelo enólogo da Casa Valduga, Alexandre Mondadori.

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Só gênios na disputa de um título

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JUNHO_flamenco

1

Domingo, acordei musical. Mas com algumas perguntas que não queriam calar. Ficar com quem no final da Copa do Mundo? Qual das laranjas iria predominar? A original ou a derivada?
A laranja holandesa era cultivada na Espanha, onde o clima é mais propício, sem tanto frio. Mas laranja é cor derivada do vermelho sanguíneo, a cor de Felipe de Espanha. Ao qual se juntou o amarelo das auroras equatoriais, das quais se tornaram afeiçoados os navegadores da Companhia das Índias Ocidentais – os holandeses da Casa de Orange, entre eles, o “laranjão” Maurício de Nassau.
É claro que eu não queria entrar na história – a oficial ou a delirante – para não produzir, aqui, um laranjal de sambas espremidos diretamente do liquidificador de Stanislaw Ponte Preta – autor daquele hilariante Samba do Crioulo Doido.

2

A pergunta, direta como uma lâmina de punhal, veio do meu mordomo: “Vamos ficar com quem neste domingo?”.
Em questão de segundos, comecei a fazer perguntas para os meus botões.
Vamos ficar com as cores vivas dos girassóis de Van Gogh? Ou com luminescências em meio à escuridão, como retratam as obras-primas de Diego Velazquez?
Será que a Holanda vai atacar com a volúpia ensandecida de Van Gogh, recusando-se ser vice-campeã do mundo pela terceira vez? Entrará em campo com o espírito de ganhar a Jabulani ou sacrificar a outra orelha? Aplicará, em seus “cruzamentos”, as fases oranges de Van Gogh, mescladas aos focos de luz de Rembrandt, dando lume à Lição de Anatomia?
E os espanhóis? Vestirão os cornos de um touro miúra? Vestirão a “persona” dos seus gênios da literatura, como Cervantes – pilar da grande literatura ocidental? Ostentarão o destemor de García Lorca, o poeta que desafiou a ditadura do general Francisco Franco?
Aliás, qual dos dois moinhos sobreviverá? O moinho atacado com furor por Dom Quixote de La Mancha nas pradarias de Espanha ou o moinho da antiga província do Norte, cercado de tulipas claras, primas-irmãs dos girassóis vangoghianos?

3

Os galegos da Laranja Mecânica já haviam chegado a duas finais de Copa, em 1974 e 1978 – e em ambas mereciam ter arrebatado o caneco. Revolucionaram o futebol com aquele inesquecível “futebol onipresente” – 11 laranjas brotando de todos os lugares do campo.
E, em 1978, foram vítimas da pior ditadura de uma época sinistra – nada a ver com Dom Dieguito Maradona, que, aliás, por excesso de talento e juventude, nem foi convocado pelos borzeguins do general Jorge Rafael Videla.

4

Sim, embora eu tivesse acordado musical no domingo, estava com o coração dividido. Perguntei a Ernest Hemingway. Ele preferiu assistir à final como se estivesse numa Plaza de Toros, à espera dos clarins e do golpe derradeiro, a espada furando a laranja bem no meio dos olhos.
Papa foi cem por cento Espanha, claro.
Perguntei a Cees Nooteboon, talvez o escritor holandês mais conhecido (Paraíso Perdido) no mundo e ao bem-humorado autor de Amsterdam Blues, Arnon Grunberg.
Ora, os dois holandeses são “laranjas” desde criancinhas, é claro, e apostaram tudo na redenção de suas cores.

5

Três e meia da tarde. Entra no gramado do Soccer City quase um século de democracia. É Nelson Mandela e a multidão delira. O jogo vai começar. Lembro os versos de um poema de Leila Diniz musicado por Milton Nascimento, “Um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco”, que tem muito a ver com esta conversa: “Brigam Espanha e Holanda/ Pelos direitos do mar/ O mar é das gaivotas/ Que nele sabem voar/ Brigam Espanha e Holanda/ Pelos direitos do mar/ Por que não sabem que o mar/ É de quem sabe amar”.

6

De uma coisa eu tinha certeza: a Rainha Jabulani estaria bem servida com uns ou outros gênios. Mas, sem querer substituir os atributos do polvo Paul, o grande oráculo desta Copa, cheguei a suspeitar que os espanhóis continuariam na fila…
Lá de cima, o mestre Armando Nogueira tentava soprar nos meus ouvidos o nome do novo campeão do mundo, mas as vuvuzelas tocavam tão alto que eu não conseguia escutar.

7

Começou o jogo. A expectativa pela final era grande. Principalmente, porque o mundo entardeceu para amanhecer nesta segunda-feira mais  vermelho, mais “furioso”, com o futebol acrescido de uma nova escola em seu templo.
Passeio pela Holanda e avisto os vultos dos mestres da pintura Rembrandt, Vincent van Gogh e Mondrian. As tulipas, os tamancos de madeira, o queijo (especialmente Edam e Gouda) e a cerâmica de Delft. Os moinhos de vento drenando as águas para evitar que elas invadam parte das terras que ficam abaixo do nível do mar.
Na Espanha, trafego entre Cervantes e os mestres revolucionários da pintura moderna, Salvador Dali, Joan Miró e Pablo Picasso, ao lado de clássicos como Goya, El Grecco e Velázquez. Ou gênios do cinema, como Luis Buñuel, Carlos Saura e Pedro Almodóvar. Mais as touradas, a dança flamenca, o violão virtuoso de Andrés Segóvia ou de Pacco de Lucia. E a voz de José Carreras e Plácido Domingo.
Meu coração continua dividido.

8

Cinco horas da tarde. Nenhum gol. O “touro” espanhol afia os chifres para o golpe fatal. No gramado, nenhum um sinal de vitória. Apenas os vultos de uma seleção formada por Goya; Segovia, Casals e Buñuel; Miró e Gaudi; De Falla, Picasso, Plácido Domingo, Cervantes (o camisa 10) e Velázquez. Quando o olhar alcança o banco de reservas, estão lá Narciso Yepes, Dali e El Greco, Carlos Saura e Almodóvar.
Pelo Soccer City ecoa a voz rouca de Garcia Lorca declamando “La Cogida y la Muerte”: “Às cinco horas da tarde./ Eram as cinco em ponto da tarde./ Um menino trouxe o lençol branco/ às cinco horas da tarde./ Uma ceira de cal já preparada/ às cinco horas da tarde./ Tudo o mais era morte, apenas morte/ às cinco horas da tarde”.
O jogo segue num compasso de dança flamenca. Na arena, os “touros” holandeses equilibram-se em seus tamancos de madeira.

9

Seis horas da tarde. Hora do Ângelus, momento de devoção popular descrito com tons tocantes pelo poeta A. Manzoni: “Quando surge e quando cai o dia/ E quando o sol a meio caminho o parte/ Saúda-te o bronze, que as turbas piedosas/ Convida a louvar-te”.
A clássica Ave-Maria de Gounod ecoa das torres de igrejas católicas da Espanha. Na África do Sul, os espanhóis vivem uma experiência inédita. Conquistam um lugar para poucos e sentem o gostinho que só brasileiros, argentinos, uruguaios, alemães, italianos, franceses e ingleses já haviam sentido.

10

A Espanha é o novo membro do clube, com méritos. Que siga fazendo história, já que, taticamente consolidou uma lição europeia ao mundo: três atacantes, ocupação de espaços, multiplicação de funções, disciplina e objetividade.
É o novo futebol, menos bonito, mais eficiente.

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