“Nunca tome uma decisão entre o Natal e o Ano Novo” aconselha psicanalista

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Entre festas, compromissos e viagens, olhar para os últimos 12 meses e planejar o próximo ano não deve ser uma tarefa fácil. É preciso dedicação e autoconhecimento, como avalia o psicanalista Christian Dunker. Autor de Mal-Estar, Sofrimento e Sintoma, o professor titular do Instituto de Psicologia da USP critica a forma prêt-à-porter de fazer um balanço sobre o ano que passou, apenas contabilizando bens materiais e produtividade, e propõe a desdemonização do consumo nesta época.

Veja a entrevista:

O que leva a essa angústia de final de ano? Seria a avaliação de que os últimos 12 meses não saíram como esperado?
Não sou favorável a balanços e a avaliações, pois isso exige um alto nível de elaboração e dedicação que, em geral, não estamos dispostos a empenhar. O balanço é uma prática do mundo corporativo. As empresas fazem um inventário anual que inspira a “contabilidade” do que foi a nossa vida. Mas há um erro em olhar para as nossas vidas como se fôssemos apenas máquinas produtivas, nos resumindo ao que ganhamos ou produzimos, como se nossa aplicação aos estudos fosse um “investimento”, como se nossos sonhos fossem “metas” e nossos avanços no casamento fossem medidas por “construções”. Um balanço de uma empresa nos leva a conectar comparação com competição: eu consegui X, e isso vale mais ou menos se meu vizinho conseguiu Y. E aquele que conseguiu mais é quem vai postar no Facebook, levando a um sentimento terrível de infelicidade geral. As pessoas não se contentam, daí a compulsão avaliativa que acompanha muitos durante o ano todo termina na inveja improdutiva que acompanha o sentimento depressivo de solidão. Isso tudo vem quando se olha para a própria vida como um contador. Uma vida que pode ser medida desse jeito é uma muito pobre.

Como fazer um balanço bem feito do ano que passou?
Se você não quer levar a sério, não faça. Se quiser, vai dar trabalho e não vai acontecer na mesa de jantar no dia 25. Tem gente que precisa, que está no momento para isso, que está querendo pensar para tomar decisões. Mas o balanço mal feito serve apenas para ver quanto o ego mede.

Como você avalia a tradição de criar metas para o ano seguinte?
Como parar de fumar ou emagrecer, metas são formas de objetivar os desejos, expressar o que queremos em termos tangíveis. Cada um deveria ter condições de imaginar que seus próprios desejos não se resumem apenas a metas e objetivos, eles são apenas pontos na direção disso. Quando identificamos desejos com metas, empobrecemos, como se reduzíssemos nosso sonhar ao tamanho delas. Descobrir desejos envolve um exercício maior da nossa atividade de memória e imaginação. O desejo é muito mais que querer fazer uma viagem ou alcançar um título. Mas como, em geral, não queremos um balanço que dê muito trabalho, não nos propiciamos a uma grande investigação sobre o que queremos.

Como descobrir nossos desejos?
Os desejos não nascem do nada. A pessoa que perdeu seus desejos, que não lembra ou não quer lembrar sua história, como aqueles que odeiam o próprio aniversário, em geral terá dificuldade para tecer o fio do desejo que liga quem somos ao que fomos, inventando o que seremos. Para isso, seria necessário examinar a intensidade e a qualidade do que está realmente vinculado a certas coisas que chamamos de desejo. Esse tipo de apreciação é muito importante, mas muito difícil. É por isso que muitos casais se separam nesta época do ano. Tipicamente isso não acontece porque os últimos tempos foram penosos ou porque o presente é sentido como um deserto de sacrifícios, mas porque não se consegue imaginar um futuro juntos. O problema para a nossa criação de desejos é que eles são compartilhados, sua gênese é coletiva, desejamos o desejo do outro. Por outro lado, estamos em um momento em que somos obrigados a vivê-los de uma forma estritamente individualizada. Um exemplo: o desejo de uma transformação política ou de um mundo sustentável é tido como uma coisa fraca, não um desejo real. Como se desejos reais fossem apenas de você com você mesmo.

E o consumismo nesta época?
Eu prefiro desdemonizar o consumo. No fundo, a gente sabe que vai comprar e que quer comprar. Há uma baixíssima reflexão sobre o assunto. Ficamos naquela conversa mole, de atacar o consumo ou endossá-lo como circulação de signos de amor. A arte de presentear, fazer, escolher, entregar os presentes, isso tudo envolve uma elaboração maior do que passar em uma loja e sair com um caminhão de coisas ou, como certas famílias fazem, que é dar uma quantia de dinheiro. Isso não é presentear. O objeto tem uma estrutura de palavra, é um jeito e uma forma de dizer alguma coisa como “isso pontua nossa relação de modo x ou y”. Tudo isso é consumo, mas temos de pensar se vamos nos engajar em um consumo de alta ou de baixa qualidade.

Qual seria a dica para enfrentar a época dos finais de ano?
Tome suas decisões em janeiro. Nunca tome uma decisão entre o Natal e o Ano-Novo. Neste tempo entre o fim de um ciclo familiar (Natal) e a renovação individual de nosso desejo (Ano-Novo), esteja preparado para revisitar uma síntese condensada do pior e do melhor de sua própria loucura.

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