DISCURSO HISTÓRICO

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A partir da década de 1960, quando conheci mais de perto o político e o intelectual José Sarney, perdi a conta dos discursos que dele ouvi e proferidos em diversas tribunas, diferentes ocasiões e por numerosos motivos.

Ao longo de sua trajetória de homem público ou dedicado às letras, seus pronunciamentos, de improviso ou escritos, sempre tiveram a marca do talento nato e da privilegiada inteligência e cultura.

As peças oratórias por ele produzidas em praças públicas, tribunas legislativas e executivas, simpósios, seminários, convenções, dentro e fora do país, pela forma e conteúdo, jamais deixaram de ser ouvidas atentamente e aplaudidas pelo mais exigente auditório.

Desde que assumiu o seu primeiro mandato de deputado federal, passando depois pelo governo do Maranhão, Senado Federal e Presidência da República, totalizando quase 60 anos de vida pública, acompanho, com desusada admiração, a maneira elegante de Sarney falar e de se comunicar.

É o tipo do orador que dá prazer ouvir. Sabe dosar as palavras e ser entendido pelo intelectualizado e pelo homem simples do meio rural ou urbano. Os que lhe fazem oposição, podem não gostar de sua atuação ou de seu desempenho político, mas não economizam elogios quanto à qualidade de tribuno.

Nos áureos tempos da militância política no Maranhão, quando os comícios ainda eram permitidos pela lei eleitoral, sua fala garantia a presença da multidão em praça pública.

Depois de ouvir tantos discursos de Sarney, se me perguntarem qual o melhor que ouvi, respondo sem hesitação: foram tantos e tão extraordinários que tenho dificuldade de apontar o mais brilhante de sua lavra.

Isso, contudo, não me impede dizer que um de seus mais importantes e oportunos pronunciamentos foi o da semana passada, no Senado da República, ao se despedir da tribuna, que por muitos anos usou para defender os princípios, idéias e propostas que abraçara.

Com o brilhantismo que lhe é peculiar, abstraindo a parte improvisada, que algumas vezes o levou a perder-se, Sarney fez um discurso escrito primoroso, bom do começo ao fim, e à altura dos grandes oradores que o Congresso Nacional se ressente e do nível intelectual de Adauto Lúcio Cardoso, Bilac Pinto, Sérgio Magalhães, Afonso Arinos, Carlos Lacerda, Pedro Aleixo, Vieira de Melo, Rui Ramos, Paulo Brossard e tantos outros.

Ao longo da oração, não omitiu ou deixou de falar das questões relevantes que marcaram a sua atuação na vida pública, começada no Maranhão e acabada, por força de circunstâncias políticas, no Amapá, tempo em que exerceu os mais elevados cargos legislativos e executivos.

O discurso, pela dimensão intelectual e pelo enfoque político, serviu para se tomar conhecimento ou relembrar dos numerosos projetos e propostas por ele apresentadas no Congresso Nacional, alguns transformados em lei, beneficiando milhares de pessoas, outros não, mas que ainda poderão ser aproveitados, aprovados e úteis ao país.

Um dos pontos mais altos do pronunciamento foi o da confissão pública do erro e do arrependimento de continuar na vida pública após o exercício do cargo de presidente da República.

Pela primeira vez, Sarney revelou ao país um sentimento que há anos guardava no recôndito da alma. Por muito tempo conservou esse segredo dentro de si e à espera de uma oportunidade para dizer em alto e bom som o deslize praticado de concorrer a um posto político, que pouca coisa acrescentou à sua biografia e lhe custou um preço altíssimo.

Por conta do impensado gesto, tornou-se alvo de uma miríade de injúrias, difamações e calúnias perpetradas por invejosos e com o pretexto de atirá-lo do limbo da história.

Mas não poderia encerrar essas mal traçadas linhas sem ressaltar o antológico final da sua oração, em que, com o Maranhão no pensamento e a alma de poeta, inspirou-se no principal folguedo popular, o bumba-meu boi, para fazer de sua despedida um hino de louvor à sua terra e à sua gente:

“O céu é o reinado das estrelas,

onde a lua faz sua morada,

e o orvalho é a lágrima da noite,

que chora pela madrugada.

Adeus, eu já vou-me embora.

É chegada a hora de me despedir.

Assim como o dia se despede da noite,

eu me despeço de ti”.

 

 

 

 

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