FÉ EM DEUS E PÉ NA TÁBUA

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De uns anos para cá, as minhas leituras passaram a ser cada vez mais seletivas. Livros, especialmente de autores estrangeiros, que lia com certa regularidade, perderam a prioridade e ficaram para trás.

Na minha idade, só tem vez livros de autores brasileiros e especialistas em romances, ensaios políticos, crônicas, memórias e biografias.

No momento em que escrevo estas mal traçadas linhas, estou a ler, simultaneamente, dois livros biográficos. Um, da autoria do jornalista Amilton Lovato, sobre a vida e a trajetória política do ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros. O outro, a respeito da vida e da obra empresarial de Antônio Ermírio de Moraes, da autoria de José Pastore.

No livro “Fé em Deus e pé na tábua”, Amilton Lovato, faz um bom estudo sobre Ademar de Barros e sua atuação na política brasileira, mas com respeito à participação ex-governador paulista na política maranhense, em que teve marcante ação na década de 1950, deixa a desejar, pois se reporta resumidamente ao lamentável comício, com a presença de Ademar, em São Luis, onde depois de um embate entre populares e soldados da Polícia Militar, na Praça João Lisboa, morreu um jovem operário e deixou vários feridos.

O autor do livro não quis, não teve maiores informações ou não achou importante revelar as relevantes ações levadas a cabo pelo governador paulista em São Luis, que o levaram a ser detentor de invejável popularidade nesta cidade que ficou conhecida, depois de São Paulo, como a mais ademarista do Brasil.

Mas se Amilton Lovaro não contou, eu, no espaço que a coluna permite e usando o meu poder de síntese, relatarei por que Ademar de Barros conquistou uma fabulosa liderança política no Maranhão, fazendo com que ele, nas duas eleições (1955 e 196O) em que disputou o cargo de presidente da República, foi o mais votado em São Luis.

Tudo começa em 1949, quando o governador paulista monta um esquema político, com vistas a se candidatar a presidente da República, nas eleições de outubro de 1950, mas não concorre para apoiar Getúlio Vargas. Para isso, funda o Partido Social Progressista, que, no Maranhão, entrega ao médico Clodomir Millet, que pertencia aos quadros do Partido Republicano.

O partido ademarista cresce rapidamente em São Luis por conta do rompimento do vice-governador Saturnino Belo com o vitorinismo e da adesão dele ao PSP, pelo qual se candidata a governador nas eleições de 1950. O ingresso de Satu, como era chamado, atraiu vários políticos governistas para as hostes pessepistas, destacando-se o senador José Neiva, expressivo líder do sertão maranhense.

Satisfeito com as ações de Milllet e de seus companheiros, Ademar de Barros, para dar maior consistência ao PSP no Maranhão e transformá-lo numa agremiação partidária forte e pujante, deu-lhe dois instrumentos básicos e importantes: um avião e um jornal.

O primeiro, para que os membros do partido se deslocassem facilmente para o interior do Maranhão e fundassem diretórios em todos os municípios. O segundo, para que as forças oposicionistas e as lideranças do PSP pudessem contar com um veículo de comunicação moderno, através do qual a mensagem política do partido chegasse ao eleitorado, especialmente o de São Luis, onde as oposições só usavam o limitado O Combate, que pertencia aos irmãos Marcelino, Lino e Torquato Machado.

Com o veículo de comunicação, batizado de Jornal do Povo, o ademarismo  expande-se no Maranhão e ajuda as oposições a  se habilitarem de forma mais contundente a lutar contra o vitorinismo. Para dirigir o jornal, Millet trouxe do Rio de Janeiro o jornalista Neiva Moreira, que militava na imprensa carioca e desfrutava de enorme conceito como redator do Diário de Notícias e da revista O Cruzeiro.

Em curto espaço de tempo, o Jornal do Povo, pela sua moderna feição gráfica, seu competente corpo redacional e combate os atos do governo, virou coqueluche em São Luís.

Em função disso, Ademar de Barros vira alvo constante das diatribes vitorinistas, que não o perdoam pelo fato de influir na política maranhense e de dar condições materiais às oposições para destroná-los do poder. Paralelamente, o povo de São Luís, visceralmente, oposicionista, exige a presença do governador paulista no Maranhão para receber as homenagens pelo que fazia pela causa oposicionista, bem como manifestar o desejo de vê-lo na presidência da República.

Ademar não resiste aos apelos maranhenses e marca para o dia 3 de agosto de 1950, a sua chegada a São Luis. Por meio do Jornal do Povo, a população é convidada a ir às ruas e a recebê-lo afetuosa e vibrantemente. O comércio e a indústria fecharam as portas às 15 horas, para que todos comparecessem ao comício na Praça João Lisboa. Ônibus, automóveis e caminhões foram colocados à disposição do povo, que estava emocionalmente preparado para dar as boas vidas ao líder paulista.

Às 16:30 horas, o avião de Ademar desce no aeroporto do Tirirical. Em carro aberto, ele, ao lado do vice-governador Saturnino Belo, ruma para o local da concentração popular, onde uma enorme multidão o esperava em delírio.

Momentos antes do comício, o chefe de Polícia, João Batista Lemos, a mando dos governistas, informa aos oposicionistas que a concentração não poderia ser na Praça João Lisboa, pois a licença para liberação do local não chegara a tempo hábil. Por muito custo, permite que o comício se realize na Praça Deodoro.

Mobilizada, a população ruma para a Praça Deodoro, onde os oradores são unânimes em criticar e desancar as autoridades palacianas pela prática de uma atitude antidemocrática e violenta contra o governador visitante, fato que faz o povo ficar mais exaltado. Mas o pior ainda estava por vir. No exato momento do pronunciamento de Ademar de Barros, todo o centro da cidade fica privado de energia elétrica, por ordem das forças palacianas. A praça fica às escuras, mas o comício não cessa graças a um serviço de alto-falante, que possibilita a Ademar falar à multidão, cada vez mais irada.  Como se isso não bastasse, uma violenta chuva desaba sobre a cidade, mas não impede o orador de continuar a sua vibrante oração e sem o povo dali arredar os pés.

Acabado o comício, Ademar é convidado a visitar a sede do PSP na Rua da Paz, nas proximidades da Praça João Lisboa. Aceita o desafio, parte andando e acompanhado da frenética multidão. Quando o cortejo se aproximava da sede do partido, como se fosse uma emboscada, surgem numerosos policiais, fortemente armados, impedindo a passeata de chegar ao seu destino final.  Os populares revoltam-se e reagem com pedradas e pauladas. Ademar e as lideranças oposicionistas recuam prudentemente, mas o povo, contudo, continua a marcha e, aos trancos e barrancos, chega à praça, onde passa a depredar a redação do jornal Diário de São Luis, que dava cobertura política aos aliados de Vitorino Freire.

O confronto entre o povo e os policiais foi inevitável e trágico. As balas das forças públicas acertam vários populares, inclusive o operário João Evangelista Vieira, que morre e vira mártir. Dessa luta, resulta também o incêndio do automóvel de propriedade do Dr. Newton de Barros Belo, então, Consultor Jurídico do Estado.  Só depois de algumas horas, a paz volta a reinar na Praça João Lisboa.

Antes de deixar São Luis, Ademar comunica o fato às autoridades federais, às quais pede providências enérgicas para punir os algozes do povo, bem como se responsabiliza pela assistência médica às vítimas, inclusive, com ajuda financeira.

A partir daquele dia, o governador paulista transforma-se numa figura mítica e idolatrada pelo povo ludovicense. Sua popularidade agiganta-se de maneira fantástica, fazendo com que o seu prestígio político extrapole de São Paulo para o Maranhão inteiro.

 

 

 

 

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