A CLEROCRACIA, LUIZ ROCHA E FLÁVIO DINO

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Luiz Rocha e Flávio Dino não são parentes e nasceram em dias e lugares diferentes. O primeiro já faleceu, mas o segundo está vivo e no vigor da maturidade. Os dois, através de eleições diretas, chegaram ao governo do Estado. Luiz Rocha elegeu-se para o mandato de 1983 a 1987; Flávio Dino, para o mandato de 2015 a 2019.

Um fato, contudo, aconteceu na vida de ambos, quando em pleno exercício do poder, viram-se envolvidos numa guerra santa, em que a clerocracia marcava presença e com toda força.

Na história do Maranhão e ao longo da vida republicana, não há registro de que, excetuando-se Luiz Rocha e Flávio Dino, outros governadores tenham batido de frente com membros do clero e fazendo com que se manifestassem publicamente, pela voz de seus representantes mais credenciados, contra atos praticados e considerados inaceitáveis pela igreja católica.

Se os gestos de Luiz Rocha e Flávio Dino convergem quanto ao alvo, no que concerne ao desfecho, não se cruzam e divergem. Enquanto o atual governador, até agora, apenas recebeu protestos e indignações do clero e das entidades ligadas ao catolicismo, o falecido governador, além de ter a sua ação condenada pelos sucessores de São Pedro, ainda foi contemplado com a pena da excomunhão.

Levando em conta que o episódio entre o clero e Flávio Dino é recente e continua no noticiário dos jornais e dos blogs, o que teve Luis Rocha como protagonista, deu-se anos atrás, por isso, nada mais oportuno do que relembrá-lo para se fazer um cotejo entre os dois atos e vindos a lume em momentos diferenciados.

A 13 de abril de 1986, o então bispo de Bacabal, Dom Pascácio Rettler, tomou uma atitude que surpreendeu a família católica maranhense e o mundo político: proibiu o governador Luiz Rocha do exercício da comunhão.

A origem desse insólito gesto deu-se quando o lavrador Antônio Fontenele Araújo foi barbaramente assassinado a mando do fazendeiro Adelino Pereira Lima, no povoado Centro do Aguiar, município de Lago do Junco.

Os padres da diocese de Bacabal, liderados pelo seu bispo, logo se mobilizaram para exigir das autoridades estaduais e federais providências relacionadas aos assassinatos de lavradores da região, crimes esses atribuídos à União Democrática Ruralista.

O governador Luiz Rocha, simpatizante da UDR, em vez de tentar apurar os fatos, fez uma declaração pública que irritou profundamente o clero maranhense. Acusou diretamente os padres da diocese de Bacabal de incentivarem a luta dos lavradores contra os fazendeiros, acusando-os ainda da compra de armas para os trabalhadores agrícolas.

A invectiva do governador contra os padres de Bacabal foi o bastante para que onze bispos do Maranhão se reunissem em Teresina e emitissem uma Carta ao Povo de Deus, em que comunicavam que o governador Luiz Rocha, o secretário de Justiça e Segurança, coronel João Ribeiro Silva Junior, e a diretoria da União Democrática Ruralista, “pelas suas atitudes anti-evangélicas foram excluídos da comunhão eclesial, não tendo sentido continuarem recebendo os sacramentos que a Igreja oferece, enquanto não apresentarem sinais públicos de conversão à sabedoria evangélica”.

Ao tomar conhecimento da nota da Igreja, o governador Luiz Rocha, citando a Bíblia, limitou-se a fazer esta irônica declaração: “Ai dos que decretam leis injustas e editam escritos de opressão (Isaías, capítulo 10, versículo I)”. E arrematou: “Continuarei amando o Deus de minha fé e comungando a hóstia mesmo que tenha eu próprio de fazê-la. Não quero continuar comungando outras hóstias feitas por mãos assassinas que misturam o trigo com o sangue dos inocentes”.

A excomunhão do governador e o seu revide ao clero chegaram ao domínio público e repercutiram intensamente na Assembleia Legislativa, onde só os deputados contrários a Luiz Rocha se manifestaram.  Os parlamentares oposicionistas Luiz Pedro e Haroldo Saboya hipotecaram solidariedade aos padres de Bacabal e louvaram a atitude de excomungarem o governador, o secretário de Justiça e Segurança e a diretoria da UDR, acusados e responsabilizados pelos crimes praticados no Vale do Mearim.

O silêncio dos deputados governistas foi respondido pelos pecuaristas de todo o país que fizeram uma reunião em Goiânia para homenagear Luiz Rocha pelas posições assumidas contra os padres defensores dos lavradores.

Diante da celeuma causada pela excomunhão do governador, a Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado fez publicar esta nota: “O senhor Governador do Estado, Dr. Luiz Rocha, tomou conhecimento da decisão de alguns bispos de excluí-lo do sacramento da comunhão. Ele entendeu que isto aconteceu pelo fato de ter demonstrado ao Brasil inteiro que alguns setores da Igreja Católica são os responsáveis pela violência no campo, provando inclusive que munições estrangeiras foram apreendidas em mãos de membros de comunidades dominadas por padres estrangeiros”.

Na nota, o chefe do Executivo julgou oportuno também lembrar aos padres e bispos estas sagradas, mas ferinas citações bíblicas: 1) “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem. Lucas, (23-34)”; 2) “Ai dos sacerdotes que se apresentam a si mesmos! Não são os sacerdotes que devem apascentar suas ovelhas? Comeis de seu leite, vestis sua lã, mas não apascentais suas ovelhas. Não fortalecestes a ovelha fraca, não curastes a ovelha doente nem enfaixastes a ovelha quebrada. Não trouxestes de volta a ovelha extraviada. Não procurastes a ovelha perdida, mas as dominastes com dureza e brutalidade. Aqui estou contra os sacerdotes para reclamar deles as minhas ovelhas e lhes cassar o ofício de pastor (Ezequiel, 34-2)” 3) “Não chamarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não deixará impune quem pronunciar seu nome em vão. (Êxodo 20. Dos Mandamentos)”. 4) “O que agora faço, também no futuro o farei, para cortar pela raiz todo o pretexto àqueles que procuram algum motivo para se envaidecerem. São falsos apóstolos, operários desonestos, que se disfarçam em apóstolos de Cristo. O que não é de se espantar, pois o próprio Satanás se transforma em anjo de luz, não é nada extraordinário que seus ministros se disfarcem em ministros da justiça. (Paulo em Cartas aos Corintos)” 5) “Ainda que eu falasse a língua dos homens, mas não tivesse amor, seria como o bronze que soa ou tímpano que retine.(Paulo em Carta aos Corintos)”. 6) Guardai-vos dos falsos profetas. Vêem a vós disfarçados com peles de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. (Mateus, 7-15)”. 7) “Jesus entrou no templo e expulsou de lá todos quanto desvirtuavam o trabalho do Senhor, afirmando: Está escrito. Minha casa será chamada Casa de Oração, mas vós a convertestes em covil de ladrões. (Mateus, 21-12)”. 8) “Assim disse o Senhor contra os profetas que seduzem o meu povo contra os que proclamam a paz, mas declaram a guerra.(MiIqueias ,3,5)”.

Também correu a notícia de que o governador teria levado ao conhecimento do Papa a decisão do bispo da diocese de Balsas de excomungá-lo, mas o Vaticano fez ouvido de mercador. A guerra santa entre o clero e o governador só acabou no ocaso do mandato de Luiz Rocha. Quem se encarregou de enterrá-la foi o arcebispo Dom Paulo Ponte, que, numa celebração na igreja da Sé, pessoalmente fez questão de ir ao encontro do governador e dar-lhe o sacramento da comunhão.

Luiz Rocha, emocionado e feliz, recebeu contritamente a hóstia, e como se nada tivesse acontecido entre ele e a clerocracia maranhense, comemorou, no Palácio dos Leões, o seu retorno ao rebanho de Cristo.

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