Canetada de risco

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Para parcela expressiva da sociedade, a saída temporária de presos, da forma como é concedida, é uma medida temerária

Cada saída temporária de detentos do sistema prisional por ocasião de datas comemorativas reforça a certeza de que o benefício penal, criado como instrumento de ressocialização de criminosos, precisa ser revisto com urgência. Vigente há quase 35 anos, a lei 7.210, de 11 de julho de 1984, que prevê a liberação dos presos no Natal/Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia das Crianças, tem beneficiado um número cada vez maior de apenados e, muitas vezes, favorece bandidos de altíssima periculosidade, sem a mínima condição de retornar ao convívio social e que tão logo ganham as ruas passam a praticar os mesmos crimes que os levaram para dentro do cárcere.

Desde ontem, está em curso mais um período de sete dias de saída temporária, desta vez alusiva à Semana Santa. Nada menos do que 738 presos de Justiça deixaram a cadeia a pretexto de passar o feriado com a família, conforme prevê a Lei de Execuções Penais. Por coincidência, ou não, nas primeiras horas de vigência do benefício, a violência eclodiu de forma ainda mais assustadora na região metropolitana de São Luís. Pelo menos um assassinato com requintes de crueldade foi registrado. O local foi crime, praticado por dois homens encapuzados, em uma moto, armados com pistolas, foi o povoado Caúra, em São José de Ribamar.

Para boa parte dos condenados, a saída temporária é a chance que faltava de voltar à bandidagem. Muitos deixam a cadeia para nunca mais voltar, seja pela capacidade de se manterem foragidos da Justiça, seja pelo desfecho trágico de suas vidas, geralmente durante um ato criminoso malsucedido. De uma forma ou de outra, contribuem para o aumento da sensação de insegurança que toma conta dos cidadãos e demonstram quão falhos são o sistema penal e o aparelho estatal de repressão à violência.

A falta de critério para a autorização das saídas temporárias de presos é flagrante. Há casos de apenados beneficiados mesmo ostentando um currículo nada recomendável. Até suspeitos de ordenar execuções e comandar o tráfico de entorpecentes em diferentes regiões da Ilha já foram favorecidos. Para uma parcela expressiva da população, é difícil compreender por que a Justiça faz tal concessão a indivíduos sem as credenciais necessárias para fazer jus ao benefício. Contemplados, graças a uma canetada, com sete dias fora da cadeia, muitos bandidos passam imediatamente a representar grave ameaça à sociedade.

Apesar do clamor social e até mesmo da promessa de campanha do presidente Jair Messias Bolsonaro de mudar a lei para restringir a saída temporária, as distorções na autorização das liberações de presos em datas comemorativas continuam a ocorrer. Nem mesmo os sucessivos casos de envolvimento de apenados com crimes diversos, em plena vigência do benefício, levaram as autoridades a avaliar com mais cuidado as solicitalções. Pelo contrário, o número de sentenciados favorecidos pela Justiça nas cinco datas comemorativas mais importantes do ano aumenta a cada leva de concessões. A justificativa é sempre a mesma: estimular a reinserção dos condenados ao convívio social.

À sociedade resta assistir, com um misto de susto, impotência e indignação, às canetadas, que já decretaram não só a liberdade momentânea de bandidos perigosos, mas também a sentença de morte de cidadãos inocentes, que nada tinham a ver com a decisão equivocada desse ou daquele magistrado de liberar indivíduos que não pensavam em outra coisa, senão em voltar à rua para matar, roubar, traficar, estuprar ou cometer outras atrocidades.

Editorial publicado nesta quinta-feira em O Estado do Maranhão

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