Um brinde à nossa desordem – DQ 187

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Trilha:

 

É tudo a mesma coisa, mas não é mais nada igual. Pensando bem, você está até mais bonita do que da primeira vez que eu a vi. Mais confiante e muito mais gostosa. A busca pelo encaixe exato – o ritmo perfeito – deu lugar a essa conexão telepática que o tempo nos presenteou. Não estou reclamando disso, mas, às vezes, eu sinto falta de ter o que descobrir. Eu sei de cor todas as zonas de seu corpo, seus sabores e desejos mais ocultos. Eu queria apagar as luzes e descobri-la no escuro. E, entre gemidos e sussurros, ter um segredo novo pra contar. Eu sei que a nossa relação é ótima. Dessas que causam inveja em muitos casais. Mas eu sinto falta dos erros, do frio na barriga, e, acredite se quiser, até das brigas bobas que sempre começavam no quarto e terminavam na cozinha. Era uma delícia ter nossos beijos molhados de culpa, sentir suas carícias em forma de súplica, com um pedido sussurrado de desculpas.

Ainda é ótimo, e a gente se basta. Mas será que isso é suficiente? Eu sinto saudades de não merecê-la, de querer você mais que a mim e de buscar seu cheiro – ainda que esteja longe. Amor tem esse quê de constância, mas eu queria mesmo era aquela abundância que sempre sobrava do nosso gostar. A fragilidade da relação e imaturidade do amor traziam um cuidado meticuloso, como se fôssemos proibidos de errar. Estou constrangido em pedir mais, porque você já me deu muito. Mas essa calma toda me assusta. Todo mundo sonha com um amor tranquilo, e eu só queria um pouco daquela nossa bagunça, daquela nossa aleatoriedade tão sincronizada que parecia até combinada.

Talvez eu não queira mais, seja só medo desse mar tranquilo. Você mesma sempre disse que mar calmo nunca fez bom marinheiro. Nós sempre conseguimos nos virar bem em meio às tempestades – que foram muitas, por sinal. Eu tenho medo dessa paz infinita que me traz tons de finitude. Desse silêncio que algumas madrugadas têm. Toda tragédia sempre acontece quando tudo parece estar calmo. Então me bagunce e me confunda. Faça-me esquecer de que amanhã é segunda-feira e me deixe sequestrar você para uma viagem sem destino traçado, sem nada programado. Eu não quero acertar sempre. Eu quero voltar a errar- desde que os erros sejam todos com você.

 

#DQ187 #Espalheamorporaí <3

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NÃO É ELA, MAS EU QUERIA TANTO QUE FOSSE | DQ 186

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Trilha:

 

A verdade é que do começo nunca dá para olhar o fim. A gente sequer pensa nisso. Principalmente, quando o começo é digno de Oscar e vem com uma sensação ridiculamente gostosa de que é para sempre. Ela tem gosto de eterno, com aquele cheiro que você não enjoaria ter impregnando nos lençóis todas as manhãs. Tem aquela boca com formato e cor de maçã, e aqueles olhos morenos que fazem bater sereno o ritmo frenético do seu coração. Ela não tem organização: deixa a toalha na cama e a camisa no chão. Ela é egoísta e sempre puxa o lençol de madrugada.

Você esboça um protesto e, quando pensa em puxar de volta, ela se volta encarando-o de olhos fechados, faz um carinho na nuca, deixando você desarmado. Você se esquece de que precisa da metade do lençol. Afinal, ela está ali por inteira. Que outro lençol aqueceria a sua alma? Você pensa em acordá-la, mas hesita. Porque é simplesmente divino vê-la dormindo com uma paz celestial. Ela sorri e sussurra que o lençol foi um aviso. O que mais é preciso para você despertar? Você sorri de volta e acaricia o seu rosto, beijando cada parte do seu corpo, como se quisesse redescobrir os caminhos que já sabe de olhos fechados. Por falar em olhos, você não fecha os olhos. Ela pergunta o porquê. Você responde que “filme bom, a gente não pisca e segue, aproveitando à risca, cada segundo desse infinito chamado amar”. Agora são mãos, braços e abraços, pele, carícias, suor e cansaço. São dois amantes desafiando a física de que dois corpos não ocupam o mesmo espaço. É mágico, sublime, e você não mudaria nenhum trecho desse roteiro. Deve ser o melhor filme do século – mas, calma. Espera. Ela vai viajar? Pelo tamanho da bagagem, vai passar muito tempo. O quê? Vai pra sempre? Mas ganhamos até um Oscar… e… ela é…. Ela o interrompe. Diz que isso é só um trailer do começo do filme. Apesar de toda dor e saudade, ela o deixa com um fio de ansiedade, pelo filme de verdade que ainda hão de viver

 

#DQ186 #espalheamorporaí /,3

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NÃO É FRIO, NEM MEDO | DQ 185

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Trilha: 

 

Lá está ela, concentrada em qualquer coisa que não seja você. Todas dão aquela atenção a que você está acostumado, menos ela. Você se aproxima e joga o jogo que domina. Mas ela sabe de cor cada passo e desarma cada tentativa, sem qualquer embaraço. Você se sente desafiado, elogia os olhos e o cabelo dela, usando todo seu charme pra quebrar o gelo. Ela sorri, mas não derrete: é só um vacilo que não compromete seu coração que é iceberg.

O tempo passa. Ela disfarça. No fundo, ela queria pedir seu número. Mas, um dia, também lhe roubaram o ar e, no começo, foi a melhor sensação do mundo. Estar ofegante, com o coração acelerado, só em passar alguns momentos lado a lado, é, sem dúvidas, uma das sensações mais ridiculamente gostosas que a paixão pode nos trazer. E quando ela desejou algo menos intenso não significou que queria perder a adrenalina. Só queria um pouco de silêncio entre beijos alucinantes e noites ofegantes. Ela queria um par que valseasse e que conseguisse desacelerar o ritmo, só pra ver a chuva cair e banhar as flores. Só não contava que uma chuva fina virasse tempestade e trouxesse as mesmas dores que, um dia, jurou não mais sentir.  Não contava que o ar, que dantes era uma falta deliciosa, fossem hoje soluços de noites tortuosas.

Então, não é frio, nem medo: é prudência. E, se um dia, você sumir com uma desculpa que só vai ali, se ela descongelar o coração e, assim como água, você deixar escorrer pelas mãos, ela terá medo de perguntar a você que horas já são, porque, talvez, já seja hora de ir. Ela nunca pediu que você insistisse, mas ela já torce pra você continuar. Mas só insista em derreter um coração gelado, se a sua intenção é mantê-lo aquecido.  Não o faça por desafio, ou pra querer provar pra você que é capaz. Não a faça desacreditar de vez no amor.

 

#DQ185 #ESPALHEAMORPORAÍ

 

 

 

 

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VOCÊ, PRA MIM, É PRIVILÉGIO | DQ 184

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Trilha: 

É uma delícia viver os momentos antes de saber se está apaixonado. É que o real e o imaginado se cruzam em dado instante, e tudo parece mais interessante. O sinal fica vermelho e eu vou lhe roubar mais um beijo. E, se a música é ruim, a gente dança mesmo assim. A falta de dinheiro é só mais um tempero para nossa criatividade em fazer dos pequenos instantes eternas metades desse nosso infinito particular.

Quem disse que eu preciso de muito? Com você aqui, já tenho tudo. E, talvez, um pouco além. É que nós temos um jeito exagerado em se dar, né, meu bem? Uns chamam de amor, outros, de paixão. Eles e essa mania de adjetivar de forma tão comum substantivos tão próprios, tão nossos, tão singulares. Não os culpo, porque cá entre nós, do que a gente sente e carrega no peito: só a gente é quem sabe.

Nesse universo particular, em que os normais insistem em chamar de quarto, nós nos descobrimos por inteiro. Vivendo com a sensação de que o mundo todo para, mas só a gente percebe, toda vez que você entra pela porta. Você faz de meus braços rede, e do meu colo, aconchego. Tenho em seu coração o sossego de uma manhã de domingo. E no gosto de teu beijo, um café forte, no ponto, desses que despertam e brindam a dádiva de mais um dia de vida. Não só de vida, mas de mais um dia ao teu lado, repleto de sorrisos e regados com algumas lágrimas – por que não? Eu preciso que você erre um pouco e você também, porque do contrário, eu me convenceria que isso aqui é um paraíso.

Vivemos no ritmo que nos apraz. No meio termo entre o tango e o forró. Algum problema? Sim, claro. Mas do lado daqui, de dentro, só ficam nossos melhores momentos. Vou contar um segredo que, com certeza, já não é nenhum mistério: MEU BEM, VOCÊ, PRA MIM, É PRIVILÉGIO.

 

#DQ194 #espalheamorporaí

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ÁRVORE OU AVE? | DQ 183

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 Trilha: 

Eu tenho fome. Não a fome que se passa depois de uma macarronada com mostarda e limonada. Falo de fome que me faz estar sempre em movimento, buscando a novidade das coisas e provando as surpresas das pessoas. Eu não sou o tipo de pessoa que dá graças à gravidade. Pelo contrário, no fundo, eu queria que ela sequer existisse. É que a gravidade prende tudo ao chão, e eu sempre cultivei em mim o desejo de voar.  Talvez se esse mundo fosse mais leve, as pessoas pudessem voar. Voar é sempre sinônimo de liberdade. E isso é o que mais me fascina.

Compartilhei isso com um amigo. Ele, por sua vez, falou: “eu já adoro a gravidade. Eu sou como árvore. Gosto de criar raízes e pertencer a um lugar”. Aquilo me chamou atenção, porque uma parte de mim quer exatamente isso. Mas voar ainda parece uma das melhores sensações que eu poderia sentir. Hoje, eu me peguei nesse dilema: voar ou criar raízes? Essa, sem dúvida, é uma questão que passa pelo menos uma vez na cabeça de todo ser humano. Constituir uma família ou não? Ter filhos ou não? Mudar de cidade? Cursar que faculdade? Essas e outras dúvidas estão intimamente ligadas à decisão sobre ser árvore ou ave.

Foi no tédio de um domingo ocioso que conheci Sterna paradisuea, o trinta-réis-ártico. Uma pequena ave que migra do Círculo Polar Ártico até o limite do Antártico, em apenas nove meses. Essa ave tem a invejável capacidade de viver conhecendo diversas paisagens, diferentes lugares e saboreando as surpresas agradáveis (algumas nem tão agradáveis que essa jornada pode oferecer). E quer saber? Assumir riscos é uma forma sadia de se sentir vivo. É esse frio na barriga, que vem com as grandes aventuras, que aquece nosso coração e nos dá a certeza de que estamos realmente vivos.

Toda essa migração é justificada pela necessidade de buscar climas mais confortáveis. Ela não quer ganhar o mundo e voar pelos quatro cantos só por seu bel prazer. É muito além disso: está em seu DNA a necessidade de voar. Não pense que há um voo solitário e uma vida perdulária. Há, sim, parceiros de jornadas que não a esperam retornar. Eles voam juntos. O trinta-réis-ártico é a prova de que a felicidade está no caminho. Ela nos ensina que não precisamos fincar raízes em um só lugar para chamá-lo de nosso. Essas aves possuem laços tão extensos quanto a necessidade das mesmas de voar. Possuem raízes tão fortes quanto qualquer árvore. Porque o nosso lugar não é onde a gente fica e sim, o que a gente está.

 

#DQ183 #espalheamorporaí <3

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Ela ia casar com você | DQ 182

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Trilha:

Ela nunca pediu, ainda bem. Mas ela iria casar com você. – Sério. Ela dormia pensando em como seria a festa. E aquele papo chato para saber se você toparia casar na praia era só mais um indício de que eu não estou errado. Hoje você a viu feliz, sorridente e com três filhos lindos. O marido dela parece ser um cara bacana, né? Tem até um rosto famil… – Calma aí, esse não é o Thiago? Mas ele não era gay? Não, ela não traiu você e nem quis dar o troco. É que ele, apesar da falta de todos os predicativos que você fazia questão de se gabar, sobrava paciência, quando o assunto era amar. Paciência. Talvez, o ingrediente mais importante de uma relação. E foi assim que ela trocou uma casa em ruínas pela chance de construir um castelo.  

Ele, por sua vez, foi montando cada pedaço que você derrubou, sem pressa alguma. Colando o que dava e derrubando o que não prestava. Ela chorou no colo dele, porque não conseguia esquecer você. Ele, com a paciência que lhe é peculiar, o procurou naquele dia, lembra? Mas o que você respondeu? “Ela não tem coragem de vir e manda seu amiguinho gay?” Pois é. Ele nem chegou a dizer isso para ela. Inventou que não encontrou você, e ela fingiu que acreditou. O tempo foi passando e, aos poucos, a ferida foi fechando, o sorriso desabrochando e ela, finalmente, se restaurando. Finalmente, de coração limpo, ela resolveu se dar uma chance com alguém que ela tinha certeza de que estaria sempre ali.  

Mas o que você não sabe é que no dia do casamento, ela orou baixinho perdoando você. E, apesar de estar extremamente feliz com o marido que Deus lhe deu, ela pensou em você e em onde você estaria naquele exato momento. Não, não é que ela ainda o ame ou que ainda sinta algo por você. É só um jeito dela de seguir em frente e, para isso, ela precisava te perdoar. Hoje, você se deparou com aquele sorriso e isso foi um golpe de nostalgia. Ela sabe o quanto você gostava desse sorriso. Talvez, por isso, ela engolia tanta coisa com ele estampado no rosto. Hoje, ela usa esse mesmo sorriso para outro, mas saiba que ela quis tanto usá-lo somente para você. 

#DQ182 #espalheamorporaí <3

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Estar apaixonado muda tudo | DQ 181

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Trilha:

 

A máxima de que o amor é cego é confirmada sempre que esbarramos em elefantes espalhados pela sala e nos perguntamos como eles vieram parar ali. Dá um susto quando o amor passa, e a gente começa a ver tudo muito cru e nu. O amor pode até ser cego, mas a paixão é ainda pior. Ela é alucinógena, psicotrópica. Paixão é droga. E que droga! Paixão bagunça tudo e, ao contrário do amor, que tateia o perigo, em busca da verdade, ela distorce tudo.

A paixão distorce o senso do ridículo e nos reduz à condição aviltante de bobos apaixonados. Esses que fazem cartas melosas e são capazes de vender toda sua paz em troca de um sorriso. Paixão é tão maluca que muda até o tempo. Não ter tempo é uma prerrogativa dos sóbrios, uma benesse de quem goza de todas as suas faculdades mentais. Nós,apaixonados, não fomos agraciados com tal benefício. Os apaixonados são engenhosos (lê-se: inconsequentes) atravessamos mar, céus e terra, desde que, do outro lado, esteja o ser que juramos uma devoção quase que hipnótica. Nós, apaixonados, somos deverasmente conhecidos pela ausência de limites. Parece que há prazer nas margens, na beirada mais próxima do precipício, e a queda nem é fatalidade. Cair é bônus.

A paixão muda tudo em nós -e mais um pouco-. Sim, porque estar apaixonado é ter um além: além dos outros. É ter um limite inalcançável. É morar num inverso intangível e estar sempre em posição vulnerável. Eu poderia dizer que estar apaixonado é uma das coisas mais desprezíveis do mundo, mas não posso. É estupidamente feliz ver dois seres miseravelmente apaixonados, vivendo a plenitude da devoção e o nirvana da servidão. Seguem vivendo como se não houvesse mais nada, além deles, apaixonados. É trágico, mas é lindo. É absurdo, mas é sublime ver como que a paixão muda tudo. E ainda bem que muda. Muda tanto que,nos casos mais loucos, continua a mesma, o tempo todo.

 

#Espalheamorporaí <3 #DQ181

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Vamos? Mas precisa ser agora | DQ 180

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Trilha:

Esse título é o mais urgente que eu consegui pensar em três segundos. É que eu tô tão desesperado em ir e convencer você a vir, que escrevo do metrô que me leva à sua casa, com o celular em mãos, ou seria mão? — já que eu tento me equilibrar num espaço que deveria ser ocupado por uma pessoa, mas cinco estão ocupando — As pessoas ao meu lado devem pensar que eu sou desses viciados em celular, mas o que eu sou mesmo é viciado em você. Sim, você é vício. Desses que tiram completamente o mínimo de dignidade que os términos descentes costumam deixar. Não que eu planeje terminar nada, muito pelo contrário, minha proposta é ir, mas precisa ser agora.

Ir. Só isso. Não há destino. Não há nenhum plano e não há sequer um esboço do que podemos fazer. Queria deixar o mundo aos seus pés e colocar uma venda nos seus olhos, girar um globo qualquer e irmos pra alguma ilha paradisíaca. Mas, se eu tô indo de metrô, é sinal de que esse clichê fica pra depois. A minha única segurança é a certeza de que é com você, só com você, que eu quero ir. Quero ir agora, como se nós fugíssemos de algo. Talvez eu esteja mesmo. Fugindo do medo e soltando as certezas que a vida planejada finge que nos oferece.

Nós podemos dar a volta e ganhar o mundo, ou descobrir que, na outra esquina, o pão de queijo é mais barato e mais gostoso. Pode ser que falte um pouco de conforto pelo caminho. Mas não é pra isso que levam a casa numa sacola? Se o caso for de quiser ir, venha, mas tem que ser agora. Porque depois a gente já voltou. Agora eu quero ir. E só quero, só posso, só faço com você.

#DQ180 #espalheamorporaí <3

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Saudade é o cheiro que insiste | DQ 179

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Trilha:

 

Saudade é o cheiro que insiste em ficar na roupa, resiste ao sol do varal e impregna feito nódoa. Saudade é mancha que marca e não se lava — nem com lágrimas. Saudade é ver o mundo seguir, mesmo que eu seja, hoje, o homem mais triste que já pisou nessa Terra. Há dor, ardor, queima minha pele como febre e suo pelas pálpebras, num exercício de catarse. Dizem que o tempo vai responder as coisas, mas a única resposta que o tempo traz é que amanhã ele volta com alguma nova memória. Às vezes, a chuva vem, e os pingos batem contra janela querendo entrar. Quem me dera se essas batidas à porta fossem tu e tua alegria! Quem me dera se essa chuva te pegasse desprevenida, num beco qualquer da vida e de nós se lembrasse, ao fugir do perigo, ao buscar abrigo!

O duro é ver o mundo seguir rindo, como se nada tivesse acontecido. Houve um apocalipse, e ninguém reparou. O mundo, de repente, fez-se acinzentado, e o brilho daquela estrela grande não mais é suficiente. Tu partiste, ou melhor, fugiste. Porque a fuga era tua única saída. Eu não te deixaria partir pra nenhuma parte, que não fosse algum lugar, que não fosse de mim, encaixe.

Se leres isso e, por acaso, pensares em regressar, saibas que eu só te aguardo, como um filho órfão aguarda os pais. Só quero tua presença como o quero a vida. Que Deus abençoe minha dor, como bálsamo curador. Que seja eu ainda teu destino. E tua fuga, um mero intervalo no infinito, ainda que ele seja somente as sombras ou —sobras da minha saudade.

 

#DQ179 #espalheamorporaí <3

 

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A paz que mora no esquecimento | DQ 178

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Trilha: 

O amor reside nas memórias. Mas é um inquilino tão folgado que se hospeda, ou melhor, apossa-se de nossas lembranças, de forma que todos os momentos são tatuados na região do cérebro mais protegida —ou seria escondida? Daí, quando a gente ama, parece um gravador de histórias. E se lembra de cada coisa, que faria qualquer sociopata parecer alguém normal. Lembrar o primeiro beijo…Normal. Mas a gente fica tão viciado nisso, que se lembra da música que tocava no som do carro, no caminho de volta ao trabalho  ̶  Mas, peraí, vocês não se beijaram na praia?  ̶  Sim, mas se naquele dia você saiu do trabalho pra encontrá-la na praia e se lembra até da placa do carro, avalie o restante…

Assim, quando amamos alguém, passamos a grifar cada detalhe, ainda que insignificante, de modo que tudo é guardado compulsoriamente, eu diria. Acumuladores compulsivos, passamos a reter tudo que nos diz respeito, ainda que indiretamente, de quem amamos. Deve ser por isso que casais se separam com a sensação de que estão “cheios um do outro”, como se estar cheio de quem se ama (lê-se: amou) fosse um motivo para deixar de amar. Ou seria?

Lembra que eu falei de maximizar tudo e grifar cada detalhe? Pois bem, é bem aí que mora o perigo. Guardamos tudo, independente de filtro. Guardamos, inclusive, sem perceber, até as brigas e as cinzas de desavenças passadas. Somos traídos pela compulsão em guardar. Será que o exercício de guardar é uma autodefesa de não esquecer? Será que, no fundo, guardamos por causa da iminente perda? Entretanto, há uma paz pouco falada, chamada esquecimento. É essa a paz que nos permite encarar a rotina dos dias sem fadiga. Que nos manda de volta pra casa numa ansiedade, tal como o primeiro encontro. É a mesma paz que mora nos relacionamentos enrugados e cabelos brancos. Ela, que mais parece dádiva, é presente pra aqueles que se permitem a loucura bonita do viver sempre o último dia. Muita gente acha que amor é feito de lembranças, mas há, na habilidade de esquecer, um bom motivo pra, todos os dias, recomeçar.

 

#espalheamorporaí <3

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