Crônica de José Fernandes: “O pão de cada dia”

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Há algum tempo, li, de Rubem Braga, escrita no mês de março do ano de 1956, uma crônica interessante, como eram todas as crônicas dessa eminência do gênero. Nela, ele lembrava de um homem modesto que, ao deixar o pão na porta dos apartamentos, em Copacabana, no Rio de Janeiro, apertava a campainha, mas, para não incomodar os donos das residências, comedido, assim se anunciava:

– Não é ninguém, é o padeiro.

E conta o cronista que certa vez o interrogara sobre como tivera a ideia de se anunciar com aquelas palavras, perguntando-lhe: “então você não é ninguém? ”

O padeiro abriu um sorriso largo e explicou-lhe que aprendera aquilo de ouvido, quando, muitas vezes, acontecera apertar a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada que assim informava à patroa: “não é ninguém, senhora, é o padeiro”.

Essa historinha do grande Rubem me faz lembrar e, aproveitando a deixa, prestar deferência a uns padeirinhos, meninos ainda entre a infância e a adolescência, que faziam entrega de pães, diariamente, nas casas já determinadas, antes do nascer do sol, na nossa cidadezinha às margens do rio Mearim, carregando os alimentos às costas, em grandes sacos de pano, mesmo no período das intensas chuvas do inverno.

Os meninos que nos ajudavam a aplacar a fome matinal, levando-nos diariamente o pão, eram filhos do padeiro-proprietário da maior padaria da cidade, que o ajudavam na fabricação do pão, desde as madrugadas, como padeiros mirins, e que, antes de seguirem para a escola, revezavam-se na entrega domiciliar do produto.

Muitas águas se passaram sobre as pontes do destino.

Após algumas décadas, aqueles meninos, como acontece com tantos outros, tornaram-se bons profissionais em diversas áreas: um é engenheiro-agrônomo e líder político interiorano; outro é bacharel em Direito e empresário; outro foi juiz de Direito (falecido precocemente); outro é aposentado pela Polícia Federal e membro de uma academia de letras, e, ainda outro, é desembargador junto ao Tribunal de Justiça do Maranhão.

Sei que é perfeitamente normal pessoas que exerceram profissões humildes galgarem altas funções (Abraão Lincoln, por exemplo, o imortal presidente dos Estados Unidos, foi lenhador até os 21 anos, e Humberto de Campos, um dos maiores escritores do Brasil, já rapazinho, foi lavador de garrafas nos fundos de uma casa de comércio na rua da Paz, em São Luís).

Mas, como disse acima, trata-se, aqui, somente de um motivo para recordar uma bonita crônica de Rubem Braga, que me serviu de mote para reverenciar os vitoriosos ex-padeirinhos de Arari, madrugadores de ontem que, no decurso de algum tempo, me guarneceram com o quebra-jejum, no raiar das manhãs, e vieram a tornar-se, até hoje, amigos que muito estimo.

José Fernandes é membro da Academia Ludovicense de Letras e autor, entre outros, do livro “Crônicas de Outono”.

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