O terceiro turno das eleições

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Por Roberto Veloso*

Até a Constituição de 1988 não havia como se questionar na Justiça Eleitoral os mandatos eletivos. O velho Código Eleitoral de 1965 não previa ações de impugnação, a única possibilidade era a utilização do Recurso Contra a Expedição do Diploma, porém a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral impedia na prática a sua utilização, porque exigia a famigerada prova pré-constituída.

Como a lei eleitoral é feita por quem ganha, essa era a maneira utilizada pelos eleitos para se manterem no poder. Como os políticos de densidade eleitoral da oposição estavam impedidos de concorrer, a exemplo de Brizola, Miguel Arraes e Lula, a eleição dos candidatos do governo era inevitável, às vezes com a distribuição de benesses, como dinheiro, casas, bicicletas e cestas de alimentos.

A oposição nada podia questionar judicialmente, não havia meios. Mesmo que existissem provas, fotografias, depoimentos e até mesmo inquérito policial, o TSE somente aceitava o Recurso contra a Expedição de Diploma se as provas tivessem sido produzidas em processo judicial prévio, mas não havia a previsão de tal procedimento, então tudo ficava como antes. Os vencidos estavam em um labirinto sem saída.

Em razão da ausência de ações impugnatórias, a Justiça Eleitoral era meramente administrativa, cuidava apenas do alistamento dos eleitores e da organização das eleições. Apenas no registro de candidatos, quando havia impugnação, era formado um processo, com a instituição de uma relação jurídica entre o impugnante e o impugnado.

O próprio Ministério Público, que hoje é o grande legitimado para a defesa do regime democrático e da lisura das eleições, perante as zonas eleitorais a sua participação se resumia a um parecer no caso de suspeita da violação da urna, se houve o rompimento do lacre.

A situação começou a mudar quando, em 1988, o constituinte decidiu incluir o § 10, ao art. 14, na nova Constituição Federal, criando a ação de impugnação de mandato eletivo para questionar o mandato ante a ocorrência de abuso do poder econômico, cor-rupção, ou fraude.

Em 1990, ao ser editada a Lei Complementar n. 64, que trata sobre as causas de inelegibilidades, o legislador incluiu um dispositivo criando a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a ser proposta entre o registro da candidatura e a data das eleições visando a apurar o abuso do poder econômico, político ou das comunicações. Era o instrumento que faltava para apurar as irregularidades no curso da eleição, inclusive para propiciar a instrução do futuro Recurso contra a Expedição do Diploma.

Nove anos depois, em 1999, foi incluído o art. 41-A na chamada Lei Geral das Eleições, a 9.504/97, que ficou conhecido por captação ilícita de sufrágio, com o objetivo de punir com a cassação do mandato aqueles que tenham doado, oferecido, prometido, ou entregue, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública.

Mais recentemente, em 2006, foi incluído o art. 30-A, possibilitando a propositura de investigação judicial eleitoral para apurar condutas em desacordo com a legislação, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

Assim, da ausência de ações impugnatórias passamos a possuir inúmeras, judicializando o trabalho da Justiça Eleitoral. Agora, antes da eleição, podem ser propostas ações de investigação judicial eleitoral para apurar abuso do poder econômico, abuso do poder político, abuso dos meios de comunicação, captação ilícita de sufrágio e arrecadação e gastos irregulares de recursos.

A própria impugnação ao registro de candidatura ganhou maiores contornos ante a chamada lei da ficha limpa que visa a impedir que pessoas com condenações anteriores concorram a cargos eletivos.

Depois das eleições podem ser propostas a ação de impugnação de mandato eletivo e o recurso contra a expedição do diploma. É importante ainda referir que o Tribunal Superior Eleitoral avançou a sua jurisprudência no tocante ao procedimento dessas duas ações.

Digo ações porque o Recurso Contra a Expedição de Diploma não tem nada de recurso, pois o TSE, julgando o caso Jackson Lago, decidiu permitir a produção de provas na sua tramitação, adotando como rito o art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. No mesmo passo evoluiu a jurisprudência em relação ao rito da ação de impugnação de mandato eletivo, passando do ordinário do Código de Processo Civil para o sumário do registro de candidatura.

Tais mudanças afetaram profundamente a celeridade dos julgamentos nos tribunais regionais e no superior eleitoral, ainda hoje julgando pedidos de registros de candidaturas e impugnações a mandatos eletivos. Medidas devem ser tomadas. Sobre elas escreverei oportunamente.

* Roberto Veloso é juiz federal e membro da Comissão de Juristas do Senado Federal encarregada de elaborar o novo Código Eleitoral.

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