Ele estava lá.

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Fiquei bastante sensibilizado com o comentário que foi postado aqui no meu Blog por Gercivaldo Lima Santos no último dia cinco e que passarei a transcrever a seguir.

Atender ao pedido contido nele é o mínimo que posso fazer e é indispensável que eu agradeça de público ao Gercivaldo em meu nome e em nome de toda minha família, pela lembrança e pelo carinho que este demonstrou para com aquele que preferia ser conhecido preferencialmente como “o caboclo do vale do Pindaré”.

Caro deputado Joaquim Nagib Haickel, meu nome é Gercivaldo Lima Santos e sou natural de Monção. Nasci no então povoado de Chapéu de Couro, hoje município de Governador Newton Bello.

Eu era um dos muitos meninos que corriam atrás do carro de seu pai, Deputado Nagib “bom-bom”, na esperança de pegar uma daquelas guloseimas que ele jogava pras crianças de onde passava.

Com muito sacrifício de meu pai e com a providencial ajuda do seu, pude vir para São Luis onde estudei e me formei. Hoje tenho um bom emprego com o qual mantenho minha pequena e modesta família.

Leio sempre o que o senhor escreve tanto aqui quanto no Jornal O Estado, mas nunca tive a oportunidade de ler nada que o senhor tenha escrito sobre o seu pai.

Aproveitando que vai chegando o dia em que faz mais um ano de seu falecimento, gostaria de ler algo de sua lavra sobre aquele que foi o maior político que já habitou a nossa região, quem sabe o nosso estado.

Muito obrigado ao senhor e principalmente a ele.

Gercivaldo Lima Santos.

Eu estava lá.

Nagib Haickel

Estava lá, na minha infância pobre, jogando bolinha de gude, empinando curicas, nadando, no Rio Pindaré.

Estava lá, quando, meus pais preocupados, me mandaram estudar na capital.

Estava lá trabalhando, aos treze anos, como menino de recados e faz tudo de “seu” Eduardo Aboud.

Estava lá, homem quase feito vendendo tecidos, jóias e quinquilharias para poder andar de lambreta.

Estava lá homem feito, me fazendo mais homem ainda, casando com o amor da minha vida e tendo com ela meus filhos, que, são eu, em partes, em horas, em situações: afobado, alegre, leal, negociante, desconfiado…

Estava lá, comerciário e comerciante, industriário e industrial; empresário, nada disso nunca me senti, eu estava lá e vendia. Só isso. Sem saber montei a primeira loja de, conveniência do Brasil. A Meruoca.

Estava lá político, na minha querida região do vale do Pindaré com meu Povo, com, meus amigos. Devo, encontrar alguns por aqui. Biné, Milet, Adroaldo, Nunes Freire, Dr. Pedro Neiva, Sena Rosa. Devo encontrar um homem a quem sempre me opus, mas que nos últimos anos, amigo maior de seu filho me tornei. Dr. Newton Bello.

Estava lá jogando bombom, repetindo meu nome mil vezes, pintando o chão, narrando jogo de futebol; meu filho não achava que desse resultado. Deus. Dá. inventei coisas sem pretensão de inventa-las.

Estava lá Deputado Estadual e Federal por quase trinta anos. Criei municípios, e um em particular administrei e amei. Zé Doca. Parece comigo. É rápido, apressado, tem progresso, tem trabalho e boa gente.

Estava lá para ver meus filhos criados, homens de bem, trabalhadores, honestos, leais, amigos de seus amigos e respeitadores de seus desafetos.

Estava lá para fazer todas as coisas que gostava, e as fiz. Arrepender-se de ter feito algumas coisas erradas de pouco adianta agora, mas se com elas prejudiquei alguém peço desculpas e me penitencio.

Estava lá para ver, brincar, ensinar e aprender com as crianças que tanto, amei. Dentre elas, minha tão amada e querida neta. parte de mim. Minha Laila, minha Lalica.

Não estava lá para ver o meu netinho, também tão amado, mas o vejo sempre. É forte, bonito. Vai continuar o meu nome.

Estava lá nas ocasiões mais mercantes do meu tempo. Fui o centro da minha tempestade. Não posso me queixar de nada. Sempre tive sorte, amigos, sempre me sai bem. De um jeito ou de outro as coisas acabaram dando certo: Na infância, na juventude, na maturidade e na velhice; no esporte, nos negócios, na política e na vida.

Estava lá durante trinta e cinco anos com uma mulher maravilhosa, amiga, compreensiva, companheira. Pessoa de um coração sem igual, de uma bondade extraordinária, acho que se minha alma era má, ficou boa por sua causa e se boa fosse, melhorou convivendo com Chica ou mãe, o que ela era de mim e agora é de todos estes de quem cuida com tanto amor e dedicação. Te Amo.

Estava lá para ter irmãos, parentes, amigos dos melhores, empregados de anos de dedicação, pessoas que confiaram em mim e em que confiei. Muitas vezes era temperamental e até grosseiro, mas sei que os que me conheciam de perto, sabiam que não era por mau, sabiam que logo voltava ao normal e as coisas continuavam.

Estava lá em vários lugares, por quase sessenta anos, mas de sessenta se contarmos o tempo que passei dentro de “Mariak”, minha Mãe Maria Haickel, a olhar o olhar sereno do meu velho pai Elias.

Estava lá em Coroatá no dia 07 de setembro de 1993, entre amigos, brincando, comendo…

Estava lá… “Estou indo, estou indo…”

Estava lá e vi o pânico dos que estavam comigo, vi o desânimo, o desespero e o sentimento de traição e abandono que meus filhos, juntos, sentiam, vi a tristeza e a saudade de Chica, de Estelita e de Yolanda. Vi tudo, toda a minha vida num ultimo suspiro.

Esta lá e vi meu filho e meu genro, quase filho, ao me receberem, inerte. Vi o que foram capazes de fazer. Eu não seria tão corajoso, tão forte.

Estava lá e vi meu outro filho ir para casa, pensando sem pensar, andando sem andar, diletante. Deitou-se em minha rede, cheirou o meu cheiro no lençol, chorou o meu choro, dormiu o meu sono. Queria acordar com ele, queria sonhar com ele. Tenho certeza que não acreditava. Jamais o deixei ser totalmente, jamais o soltei, sempre esteve a minha sombra. Estava perdido. Mal sabia ele que nos últimos anos, eu era quem o seguia. Tive dois filhos dei a um a possibilidade de usar o cérebro através da boca e ao outro a razão de usar as mãos pelo cérebro. Um quase perdi várias vezes, o outro nunca quis se perder. Acho que hoje eles sabem que, o que os torna forte é o seu amor e a união.

Estava lá no meu velório, em minha casa, muitos amigos, todos os parentes, autoridades. Havia até conspiração. Não os condeno, faria o mesmo. Não fui e não sou santo nem hipócrita.

Estava lá no meu velório na Assembléia, casa onde passei boa parte da minha vida, onde estava sendo seu presidente, na minha cabeça apenas gerente. Muita gente. Fiquei orgulhoso e chorei, não queria morrer, nunca quis, era a fase mais feliz da minha vida; mais maduro, mais compreensivo, menos intransigente, menos preocupado.

Estava lá no meu enterro. Cheguei de carro de bombeiro, guarda de honra, essas coisa que em vida não dava muita importância. Muita gente. Chorei de novo. Quero ir para casa. Minha mulher, meus filhos, meus parentes, amigos, funcionários, conhecidos, todos lá me fizeram ver que era definitivo. Não me conformei. Hoje começo a compreender.

Estava lá na missa de 7º dia, todos ainda consternados. O Padre Lucio, simpatizante da esquerda, meu amigo do Maiobão, oficiou. A rua estava bloqueada, A Igreja era a Rua do Egito, em frente à Assembléia. Havia muita gente. Chorei novamente.

Estava lá na missa do 30º dia, desta vez a igreja coube a todos mais o padre ainda era o mesmo e a dor ainda doía. Chorei.

Estava lá em todos os instantes com Chica, Joaquim, Nagib, Laila, Ivana, Lucia, Estelita, Yolanda, Rose, Lucinha, Rochinha, Tadeu, Antonio, Santana, Carol, Jorge, Mônica, Catita, Vinicius…

Estava lá quando meus filhos com ajuda de alguns amigos tentavam pagar as dividas que deixei. Pagaram algumas e continuaram pagar as outras, pois foi como eu lhes ensinei.

Estava lá quando nasceu Nagib Neto, meu netinho que não me conheceu, mais que eu amo, falem de mim para ele.

Estava lá em quase todos os lugares e horas. Não todas, mas estava.

Estou, quando Chica chora ou rir, quando Estelita me imita, quando Loló lembra, quando Lalá vê a fita, quando Binho faz negócios e quando Joaquim faz política.

Estava lá na missa de 1º ano. Estavam apenas os que lembraram ou os que puderam ir. Meu substituto, o Manoel, Marly que alfabetizou meus filhos e um dos mais dignos Deputados que já conheci, um chovem chamado Clodomir Filho. Os outros devem estar se virando, pois a luta é difícil, eu sei.

Revi meu compadre Daniel, meus amigos William Nagem e Alberto Abdalla. Lá estava meu ex-patrão e amigo Cezar Aboud, meus amigos Zé Bento Neves, Zé Elouf e Celso Cotinho.

Joaquim ficou perto de Newtinho, onde eu ficaria, Nagib ficou do lado de fora da Igreja onde eu preferia ficar.

Vi meu amigo de infância e adversário João Maluf. Meu primo e amigo Alberto Hadade. Roberval não foi, está doente, mas a mulher e a filha estavam lá. Os parentes acho, que todos estavam; irmãos, primos, sobrinhos, e até Gloria, que Chica estava preocupada com a saúde dela eu vi.

Vi a surpresa gostosa e alegria que meus filhos tiveram ao ver um certo amigo deles entrando na Igreja com a esposa. Ele é amigo mesmo, não troquem nada por seus amigos, pois eles são o que de mais valioso há na vida.

Meus pretos estavam lá: Celso, Ivan, Gilmar, Regina, Miriam, Nelci… Meu irmão de criação Raimundo Nagib. Meus amigos Portela e Malheiros. Dona Otávia e Dona Rosário. Meus compadres e afilhados.

Funcionários da Assembléia e da “Barraca”. De Alda minha secretária fiel ao chefe de gabinete.De Verde com quem às vezes discutia, com quem implicava a Heloisa a quem admirava. Telefonistas e administrativos, funcionários que sempre tive como amigos. Até jornalistas havia. Não rádios, jornais. TV só o Ivison Lima do Raimundinho. Mas estavam lá o Raí, como eu chamava, o Ademário e aquele menino que fazia a locução das minhas campanhas e de Joaquim, não lembro o nome. Havia muita gente, pensei que fosse menos. Por um instante fiquei triste, queria estar ali. Mas o Padre Hélio Maranhão que rezava a missa lá pela as tantas, fez-me rir ao dizer “… um por todos…” e eu cá comigo, me lembrei dos meus filhos que adoravam capa-espada e gritei: “todos por um”. Era isso que estava acontecendo ali: Todos por um e por todos. Não chorei, não vou mais chorar. Não chore. Sejam unidos, se dêem amor, compreensão, amizade. Conversem, façam as coisas da maneira mais correta. Procurem ajudar a quem lhes procurar, sejam caridosos.

Estavam lá no cemitério. As minhas rosas, as minhas flores. Os meus.

Estava lá em casa.

Estava. Estou.

* Este texto deveria ter sido psicografado pelo médium Francisco Candido Xavier.

Texto publicado em 11.09.1994 no Jornal O Estado do Maranhão e repetido hoje aqui, a pedido.

9 comentários para "Ele estava lá."


  1. Anônimo

    Emocionante, impossível conter o pranto. Senti tua dor agorinha. Muito forte este teu texto. Particularmente uma das coisas mais fortes e emocionantes que já li, vc imagina o qto me identifico com seu amor por seu pai…
    Te admiro muito

  2. Pérola

    Olá Joaquim,
    Já disse antes, aqui mesmo neste blog, mas vou repetir: VC NÃO EXISTE!! é uma estrela cadente que caiu dos céus para iluminar as pessoas, dar-lhes luz, paz e muito amor aos corações…..No final de seu texto meus olhos estavam cheios de lágrimas, não pelo seu pai, afinal, não o conheci, mas pela transparência na alma dos ensinamentos dele, pela magnitude que deixou e pela familia maravilhosa que ficou….em especial os que conheço. Com certeza, ele tem muito orgulho de todos vcs, e eu, agradeço a deus todos os dias, por ter me dado a felicidade de te conhecer, te admirar, e saber que vc é o maior exemplo de homem, de politico, de perfeição, de conjunção, de pai, de filho, de espirito……..
    Obrigado Sr. Nagib, por ser quem foi….
    Obrigado Joaquim, por ser quem é…..
    Obrigado a vcs dois, por estarem aqui, sempre!!!!!

  3. Anônimo

    Tive o prazer de conhecer e conviver com o velho Nagib. Acabo de ler o teu escrito o que me emocionou bastante.

  4. Gercivaldo Lima Santos

    Caro Deputado Joaquim, fiquei muito surpreso ao abrir o seu blog hoje e ver que o senhor respondeu meu comentário e que publicou uma matéria que fala de seu pai. Muito obrigado pela atenção. A matéria, como não poderia deixar de ser, é maravilhosa.
    Bem retrata o que era seu pai. Parabéns. Mais uma vez muito obrigado por sua atenção.
    Gercivaldo Lima Santos

  5. Manoela

    Joaquim, sua crônica fez-me pensar no meu velho pai. Uma pessoa maravilhosa, ainda que xiita em sua religião. Isso fez de nossa relação delicada, contudo sempre lembro que hoje pode ser o último dia e ao máximo procuro valorizar o meu velho. O seu amor para mim me basta mesmo que seja do jeito dele.

  6. Nilton Lima

    Caro Deputado Joaquim,
    Perdoe-me a ousadia e tanta intimidade. Esta é primeira vez que escreve um comentario em um blog e o faço para agradecê-lo pela oportunidade de reler mais uma vez o artigo “Eu estava lá”. Naquele 11 de setembro de 1994 eu morava em Viana, no seminário e já tinha o hábito de ler o que o senhor escreve, por causa da poesia com que são colacadas as palavras. Não resistir e li várias vezes o referido artigo, me pondo a imaginar a situações ali narradas. Em seguida recortei e guardei tendo relido outras tantas vezes. infelizmente nas minhas idas e vindas por este Brasil a fora, no meu periodo de formação acabei perdendo o precioso artigo e na impossibilidade de reave-lo guardei muita coisa na memória. Agora tenho uma grata surpresa de poder ler na integra de novo. É por isso que agradeço.
    Hoje tenho 31 anos e sou padre, mas traga na lembrança a imagem do fusca, com o corpanzil do deputando bombom rasgando as areias de Alto Alegre do Pindaré distribuindo as balinhas doces.

  7. Guilherme

    Certa vez a CVRD proporcionou aos Deputados uma viagem de trem para que conhecessem as minas de Ferro de Carajás. Alguns Deputados levaram os filhos e dessa forma eu fui. A viagem foi maravilhosa. Para uma criança de 12 anos como eu foi muito divertido conhecer aquilo tudo. Mas o que mais me marcou foi conviver por aqueles dois intensos dias com seu pai. Uma figura divertidíssima, inteligente, espirituoso. Lembro que ele levou baldes (isso mesmo) de esfihas, quibes e outros quitutes da culinária árabe. Tudo delicioso. Como ele nos dava atenção. Era impressionante como ele se tornava o centro das atenções facilmente.
    Parabéns pelo texto, mas principalmente por ser filho de uma figura inesquecível. Um grande abraço.
    Guilherme.

  8. Luis Henrique

    Fiquei impressionado com mais esse texto, mas isso já era esperado. Toda vez que leio o que você escreve me surpreendo. Acontece que o que mais me impressionou nesta sua crônica foram duas coisas. Primeiro a forma que você utilizou pra contar a história de seu pai, fazendo como se fosse ele mesmo que falasse dele e de todos, vendo tudo depois de morto. A segunda coisa que me deixa maravilhado e até comovido são os comentários, verdadeiros depoimentos não apenas sobre o texto, mas sobre o homem do qual o texto fala. Magnífico. Parabéns.

  9. Anônimo

    Caro amigo Joaquim, fiquei realmente emocionada com esse seu belo texto. A exemplo da Manoela, do comentário número 5, suas palavras me fizeram pensar na minha relação com meus pais e em como será difícil suportar a ausência deles quando Deus os chamar. Parabéns, você é brilhante, como sempre!

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