Conversando com mãe Loló

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Semana passada, fomos ao teatro assistir “Conversando com mamãe”, com Beatriz Segall e Herson Capri. O enredo retrata o delicado relacionamento de um filho cinquentão com sua mãe que tem 82 anos. A peça me deixou a clara sensação de que nós, filhos, somos menos bons do que deveríamos ser em relação a nossas mães.

Digo isso para puxar o assunto que realmente quero abordar: A falta que vão nos fazer essas criaturas que tanto nos amam. 

Se por um lado eu fui abençoado pelo fato de ter tido muitas mães – eu tive seis – também serei mais penalizado que os outros filhos, pois acontecendo o que é normal, chorarei a perda de todas…

Como já disse, tive seis mães e ainda tenho três delas comigo.  

A mulher que me deu luz e vida chama-se Clarice e além de mim pariu meu irmão Nagib. Não satisfeita, resolveu criar mais de uma dúzia de outros filhos, entre sobrinhos e agregados.

Quem conhece minha mãe a ama imediata e incondicionalmente. Ela continua aos 82 anos de idade fazendo filhos por esse mundão de seu Deus, pois todos se afeiçoam a ela de forma filial e genuína.

Mãe Teté é minha segunda mãe. Ela se chama na verdade Estelita e foi morar conosco assim que eu nasci. O pai de Teté e meu avó materno se conheceram e se tornaram grandes amigos ainda rapazes. Casaram e acabaram morando no mesmo sobrado. Suas famílias se uniram e não mais se separaram. Essa união dura até hoje.

Teté é uma espécie de xerife da casa, é ela quem toma conta de tudo e bota ordem no estabelecimento. Ela costuma dizer uma coisa estranha sobre nos deixar. Diz que ninguém vai sentir saudades quando ela se for. Ela afirma de maneira jocosa que o que nós vamos sentir é falta dela. Falta principalmente de suas recomendações e de suas brigas. Engana-se!

Da terceira de minhas mães falarei ao final.

Minha quarta mãe era Didi. Já falei dela nestas páginas antes. Do cheiro dela que ainda hoje eu sinto no ar. Era uma velhinha maravilhosa. A bondade em forma de gente. Ela perdeu uma filha ainda bebê e dedicou o resto de sua vida a tomar conta de minha mãe que era uma menina mirradinha e asmática. Didica nos deixou há alguns anos, mas sua lembrança não nos deixa.

Minha mãe de número cinco era na verdade minha avó, mãe de minha mãe. Uma senhora enérgica que fazia um feijão branco com verduras como ninguém. Mãe Zezé também já se foi há algum tempo.

Minha sexta mãe é também minha tia. Mamãe Lúcia foi minha mãe de leite, pois eu sempre fui muito guloso e só minha mãe não dava conta de me alimentar. Ela é mãe de meu primo e irmão Jorge e foi casada com tio Samuel, de quem também já comentei com você anteriormente. A baixinha tá em forma.

Deixe-me voltar agora à minha mãe de número três. Falo de mãe Loló, criatura adorável que acaba de nos deixar.

É preciso ser dito que Loló era a irmã mais velha de Teté e as duas nunca se casaram.

Loló trabalhou muitos anos como auxiliar de enfermagem do Hospital Infantil, tendo colaborado com muitos dos maiores pediatras de nossa terra: Dr. Amaral, Dr. Egídio, Dr. Damasceno, Dr. Zé Martins, Dr. Costa Filho, Dr. Getúlio…

Yolanda era o nome de batismo de Loló que antes mesmo de se dedicar a mim e a meu irmão, criou minha prima e irmã Lúcia de Fátima e depois seus filhos Rochinha e Tadeu.

Você deve estar dizendo, de maneira muito educada, tenho certeza: “Joaquim deve estar ficando doido! O que eu tenho com isso tudo que ele resolveu escrever e publicar nesse domingo!?”

Eu explico! É que o momento pelo qual estou passando meu camarada, ou você já passou ou infelizmente ainda vai passar, fato que nos torna iguais. Vítimas de um sofrimento inexorável, réus de uma pena que mais cedo ou mais tarde teremos que cumprir, condenados depois disso a vagar sozinhos, apartados dos seres que nos deram não só a vida mas nos trataram quando adoecemos, nos protegeram dos perigos e nos descortinaram o mundo.

Fui visitar Mãe Loló na UTI do hospital onde ela estava internada. De certa forma fui me despedir dela. Não sei se ela ouviu o que lhe disse, mas eu ouvi e não vou me esquecer jamais, tanto do que eu disse em voz alta, quanto do que eu disse somente para mim, apertando as palavras contra os lábios.

Eu lhe disse que estávamos todos ali, com ela, esperando que ela melhorasse e voltasse para casa conosco. Disse-lhe que a amávamos muito e que Nagib estava chegando para vê-la. Passei quinze minutos fazendo carinho em seu ombro. Nunca me senti tão inútil, tão impotente. Ela não reagia. Por um instante parei de falar com ela e passei a falar comigo mesmo. Recriminei-me por não ter ficado mais próximo dela nos últimos tempos, por estar sempre tão ocupado, tão cheio de coisas pra fazer e não ter dedicado um pouco mais de tempo a ela e às outras também.

Pedi desculpas: A mim mesmo por ter feito isso comigo e a ela pelo mesmo motivo.

Lembro que era Mãe Loló quem me levava toda tarde para o colégio Pituxinha, e como eu era um pequeno muito chato, não deixava que ela voltasse para casa, chorava sem parar e ela ficava comigo. Pegava seus apetrechos de tricô e passava a tarde toda me pajeando.

Nunca vou me esquecer de nada. Nem de quando eu tive sarampo e ela cuidou de mim, isolado que fiquei de tudo e de todos.

Guardo na lembrança as muitas vezes que ela nos levou para os cursos no Centro de Arte Japiaçu, para brincarmos no parquinho do SESC ou para as aulas de judô do major Vicente.

Loló adorava dizer que quando eu era menino, pedia que ela ficasse de pé na porta do banheiro, me esperando tomar banho, pois eu tinha medo de ficar sozinho.

Lembro quando ela caiu e quebrou o pé, só eu queria carregá-la…

Não vou… Não vamos nos esquecer jamais de Loló.

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