Mesmo destinatário, outro remetente

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Meu caro Daniel,

Já lá se vão 400 anos e se por um lado as coisas por aqui não mudaram em muito, por outro mudaram radicalmente.

Não há mais rastros de seus amigos Tupinambás. Sumiram com todos. De seus conterrâneos normandos restaram apenas a Casa França/Maranhão, e a Aliança Francesa, difundindo o ensino da língua dos Luíses. Há também os turistas que insistem em vir para ver o que poderia ter sido a França Equinocial. Albuquerque, Moreno e Moura se foram para outras aventuras. Os velhos portugueses e açorianos, seus sucessores, também se foram deixando por aqui uma cidade que começou comandada por Japiaçu, passou aos cuidados do senhor de La Ravardière, para em seguida ser entregue a Jerônimo de Albuquerque que posteriormente a passou aos cuidados de Simão Estácio da Silveira, instituidor do Senado da Câmara da cidade de São Luís do Maranhão.

Poderia até tentar em uma dúzia de laudas resumir o que aconteceu por aqui nos últimos quatro séculos, mas não vou. Seria perda de tempo, pois nem o melhor dos missivistas seria capaz de resumir em tão pouco espaço e tempo os fatos mais significativos de nossa história, por isso vou apenas me ater a um fato que considero relevante e a um outro, por acreditar que seja absurdo.

O primeiro fato diz respeito ao abandono em que se encontra o centro histórico de nossa cidadela.

Depois que você foi levado preso para a Torre de Belém, em Lisboa, o engenheiro-mor Francisco de Frias fez um traçado, moderno para a sua época, delimitando o núcleo inicial do que viria a ser a cidade que herdaria o nome do forte que você e seus companheiros gauleses haviam fundado naquele 8 de setembro de 1612.

Pois bem, os lusitanos construíram no lugar uma belíssima cidade de porcelana, bordada pelos mais belos azulejos barrocos que o dinheiro do açúcar e do algodão podiam pagar. Mas o tempo foi passando, o poderio econômico mudando de mãos como feliz ou infelizmente é a regra do jogo da vida, o que foi fazendo com que a bela cidade de porcelana fosse sendo negligenciada, abandonada, esquecida, ao ponto de terem se transferido para o que no século XVII era área conhecida como Jeevirée e pouco depois, ponta de São Francisco, hoje área residencial dos ricos e poderosos de nossa terra, parte noroeste da Upaon-Açu de outrora.

Os grandes comerciantes há muito já se foram, as indústrias não perduraram, os governos não tiveram a visão de implantar no centro histórico o seu núcleo gerencial e ele com o passar do tempo foi se tornando um amontoado de prédios abandonados, caindo aos pedaços, redutos da marginalidade não apenas no que diz respeito a traficantes e punguistas, mas aos excluídos sociais que buscam refúgios em áreas como esta.

Algo precisa ser feito com urgência sob pena de perdermos um dos mais preciosos bens que possuímos, o nosso patrimônio arquitetônico, a nossa identidade enquanto agrupamento humano e urbano, enquanto polis.

Ainda sobre isso, devo ressaltar que temos uma guerreira que empunha a bandeira dessa causa. Kátia Bogéa faz o que pode em defesa de nosso patrimônio histórico, mesmo que as regras do órgão que ela dirige, o IPHAN, algumas vezes atrapalhem mais que ajude.

O outro assunto querido amigo, chega perto de ser uma piada. Deve-se ao fato de ter visto recentemente uma entrevista de um cidadão que já foi quase tudo no cardápio político de nossa época, sempre colocado nesses lugares por uma espécie de príncipe moderno, e agora, tendo ele, se rebelado contra seu antigo senhor arvora-se de paladino dos fracos e oprimidos.

O tal compareceu ao programa de televisão de um amigo nosso para justificar a sua função de chefe de gabinete do alcaide, o mesmo que ele combateu ferozmente nos últimos anos quando estava sob as ordens do mestre, a quem hoje combate.

Mas o pior foi ouvir os aconselhamentos políticos do dito cujo. Imagine alguém que sempre cumpriu ordens sem pestanejar, soldado obediente e de nenhuma iniciativa própria, se passando por formulador de políticas, de teorias, postulando conceitos e arquitetando ações. Seria o mesmo que um tal Felipe Janout, estafeta de sua confiança, ter se rebelado depois de anos de obediência cega, depois de uma vida toda beneficiando-se de sua proteção e apropriando-se de parte de seus despojos, resolvesse se juntar aos portugueses seus adversários e o que é pior, tentar se tornar um dos chefes, querendo ser um estrategista melhor que o próprio mestre Charlex de Vaux, ou mais hábil na arte do rastreio de pegadas ou no uso das palavras nativas que Davi Migam, O Língua.

Analogias à parte, o que o homem está sugerindo por aqui é que um novo aspirante ao lugar do velho príncipe tome atitudes, movimente-se pelo cenário de guerra, aja da mesma maneira que eles imaginam que agiria o atual Kaiser.

Veja só isso! Querer mudar as coisas, tomar o poder, agindo exatamente como ele diz que faz quem o detém, da mesma forma que eles dizem repudiar e combater. Pregando a omissão como ação, como tática, no intuito de eximir-se da obrigação de apresentar-se no campo de batalha e enfrentar seus adversários em comum, como faria um covarde ou na melhor das hipóteses como faria um comandante que valoriza muito pouco a palavra empenhada e a vida de seus parceiros.

Que líder será esse no futuro, se no presente se portar assim, abandonando seus camaradas e não valorizando a palavra empenhada?

Já não sou mais um jovem, já não tenho os mesmos sonhos, já não sou dado aos mesmos arroubos dos 20 anos, por isso posso até concordar que a estratégia sugerida seja a correta… Se e unicamente se o personagem a quem os conselhos são dirigidos estiver tentando manter-se no poder. Para quem quer conquistá-lo, agir dessa forma, covardemente, será o mesmo que dizer a todos que as coisas talvez até mudem no começo, mas estará implícito que depois que conquistar o poder, que se tornar o novo príncipe, com o passar do tempo, o jovem líder se tornará igual ao velho Leão que ora caça, e a todos os outros que o antecederam.

É também verdade que isso mais cedo ou mais tarde vai acabar por acontecer, inexoravelmente, mas seria melhor que fosse muito mais tarde do que cedo.

Sem mais para o momento, despeço-me respeitosamente…

2 comentários para "Mesmo destinatário, outro remetente"


  1. Marcia Soares

    Querido Joaquim,
    Extraordinário texto.
    Parabéns por traduzir São Luis como poucos.

  2. Marcelo Dias Moreira

    Texto perfeito, certeiro. Parabéns Joaquim

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