Helena!

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Essa imensa onda de intolerância pela qual o mundo passa, principalmente no âmbito político, me fez lembrar de algumas pessoas com as quais convivi durante muitos anos neste setor, e essa lembrança me fez perceber como eu sou um felizardo.

Quando comecei na política, antes mesmo de ter mandatos eletivos, além de meu pai, meu tio e seus amigos, convivi com figuras extraordinárias, como Haroldo Tavares, Pedro Neiva de Santana, Clodomir Milet, Maria Aragão, João Castelo e José Burnet, pessoas com as quais pude aprender as primeiras noções do ofício que havia escolhido para mim. Gosto de pensar que aquela foi a minha formação básica.

Em minha estreia como deputado estadual, em 1983, tive o prazer e a honra de ser colega de Bento Neves, Gervásio Santos, Celso Coutinho, Raimundo Leal e tantos outros. Comparo aquele tempo ao meu curso universitário, pois aos 23 anos, era naquela ocasião o mais jovem deputado do Brasil.

Na Assembleia Nacional Constituinte pude conviver com alguns ícones como Ulisses Guimarães, Afonso Arinos, Artur da Távola, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Lula, entre outros bons amigos que fiz naqueles anos de grande aprendizado! Gosto de imaginar que aquele mandato me serviu de mestrado.

De volta à Assembleia Legislativa do Maranhão, iria conviver com antigos companheiros de meu primeiro mandato como Edivaldo Holanda e Ricardo Murad, mas teria a oportunidade de me relacionar com Mauro Bezerra, amigo dos meus tios, a quem conhecia desde criança, Aderson Lago, que conhecia do Jaguarema, Carlos Alberto Milhomem, que em alguns aspectos me lembrava meu pai, Domingos Dutra, de quem não tinha boa impressão e Helena Barros Heluy, a quem eu achava uma figura distante, inabordável e de difícil contato. Com aquelas e outras pessoas faria o meu doutorado.

Não lembro de nenhuma das pessoas que citei serem sectárias, maniqueístas ou mesmo hipócritas e incoerentes, duas facetas muito fáceis de se encontrar nos políticos. Alguns se mostraram diferentes com o passar do tempo. Tive a sorte de conviver, de modo geral, com um tipo de político que hoje em dia é coisa rara.

Teria muitas histórias para contar sobre todas essas pessoas, mas o fato que me fez pensar na onda de intolerância que assola o Maranhão, o Brasil e o mundo, me remete a uma pessoa especificamente: Helena Barros Heluy.

Helena, era para mim uma caixa sem fechadura ou dobradiças, daquelas pressurizadas, hermeticamente fechadas, que para abrir, só usando uma palavra mágica. Não adiantaria usar um pé de cabra, martelo e talhadeira ou maçarico. Para abri-la seria preciso algo mágico… E não foi difícil para mim descobrir como.

Para que se possa ter acesso a pessoas como Helena Barros Heluy, pessoas resolutas, sóbrias, eloquentes, inteligentes, cultas, sensíveis, dignas, basta apenas que se seja simples e verdadeiro. Não precisa concordar com ela, não precisa apoiá-la em suas ideias ou atitudes, basta se mostrar como você realmente é, o resto é por conta dela

Helena tem uma apuradíssima capacidade de ler as pessoas, um imenso senso de justiça e um profundo embasamento filosófico, que ao contrário do que pensam aqueles que só a conhecem de longe, está mais ligado ao cristianismo que ao marxismo.

Quando ainda não conhecia Helena mais de perto, quando meu conhecimento dela era superficial, achava muito estranho ela ser casada com Heluy, a quem eu também só conhecia superficialmente. Achava que as pessoas naquele casal não combinavam, eram muito diferentes. No convívio dela e de sua família, descobri que aquele sujeito imenso e aparentemente rude, era na verdade uma pessoa doce e bondosa, a qual o amor dela domava. Ao me fazer entender isso ela me deu uma lição. Fez com que eu olhasse para dentro de minha própria casa, na minha família. Quem visse a minha suave e doce mãe convivendo com o elétrico e pouco fino pai, diria que havia algo errado. Essa diferença é parte do sucesso que o amor causa. Ainda sobre esses dois casais, descobri que fizeram cursilho para casais juntos, na Igreja de Santo António.

No convívio com Helena, fui a conhecendo e descobri que ela morou na Rua da Saúde, numa casa vizinha da casa de meu pai, que era oito anos mais velho que ela, e minha mãe, onze. Ela que havia sido amiga de minhas tias Norma e Rose, agora era minha colega no parlamento maranhense.

Uma das marcas registradas da deputada Helena Heluy, era o imenso pacote de documentos que ela carregava para onde quer que fosse, o que se certa forma me deixava incomodado, pois ia para as reuniões plenárias apenas com os telefones celulares. Outra coisa marcante nela, era o fato de raramente faltar as sessões.

Quando não a víamos no plenário, ficávamos preocupados, pois algo importante deveria ter acontecido.

Convivemos durante oito anos, de 2003 até 2011, quando os dois, sem sabermos da intenção ou dos motivos do outro, resolvemos não mais concorrer a mandatos eletivos.

Depois, conversando com ela, descobri que nossos motivos haviam sido os mesmos.

Uma grande decepção com o rumo que a política havia tomado, com as consequências que certamente esse rumo tortuoso acarretaria. Estávamos certos.

Helena havia sido vereadora de São Luís, antes de ser deputada estadual, e aqui fica uma conclusão que pode parecer desairosa para ela, mas ao contrário disso é extremamente honrosa. Em minha opinião, Helena foi melhor vereadora de São Luís que Deputada do Maranhão. Eu explico. Pessoas como Helena, operosas e incansáveis, são mais afeitas a proximidade com os problemas e com suas soluções. Um vereador está mais perto dos fatos e pode interferir mais diretamente neles, já um deputado se serve mais do discurso na tribuna, da entrevista no rádio ou na televisão, de uma reunião com secretários, para interferir nos destinos desses fatos.

Isso não quer dizer que Helena não fosse magistral na tribuna, nas comissões, no plenário, nas entrevistas de rádio e TV. Ela era, e muito! Ocorre que pelo fato de ser como é e de agir como age, sua performance quando dependia de tratar com representantes do governo estadual, ficava prejudicada, mais por causa deles que por causa dela.

Helena se formou em advocacia e foi procuradora de Justiça do Estado do Maranhão. Manteve durante muitos anos, um programa na Rádio Educadora, ligada à igreja católica, e na juventude, como jornalista, escreveu colunas em jornais da capital. Inclusive tenho com ela uma dívida, que é de resgatar uma série de entrevistas que ela realizou para um desses matutinos. Devo não nego, pagarei em breve!… Quem sabe presente de oitenta anos!?…

Algumas pessoas marcam as nossas vidas e nem nós nem elas entendem o porquê. Na verdade, são muitos os motivos. Por exemplo, quando você escreve um artigo no jornal e alguém que lhe é muito caro, pega o telefone e liga para dizer que se identificou com o seu escrito, que pensa parecido, que se sentiu representado, isso nos deixa felizes e realizados. Quando a pessoa que liga pra dizer isso é uma Helena Heluy, essa felicidade e realização é muito maior, pois a opinião dela é mais relevante, pois ela é mais sensível, e mais capacitada para auferir e mensurar os acontecimentos.

O que me fez lembrar de Helena foi o fato de estarmos vivendo tempos de intransigência e intolerância, e ela em que pese ser dura em suas posições e na defesa de suas ideias, jamais foi intransigente ou intolerante, sempre estava pronta para o bom entendimento e a ponderação.

Já não se fazem políticos como Helena, o que é uma grande pena.

Costumava dizer que se fosse um dia governador do Maranhão, além dos secretários de cada pasta, teria um grupo de conselheiros. No setor de ideias geniais teria Haroldo Tavares, Eduardo Lago e Claudio Pinto dos Reis. No setor de projetos políticos, teria Clodomir Milet, José Burnet e Aderson Lago. Porém não assinaria nenhum papel que antes não passasse primeiro pelo crivo jurídico de António José Muniz e pelo crivo moral de Helena Barros Heluy.

Ainda hoje ouço o então segundo secretário da Assembleia Legislativa do Maranhão, o inquebrável e inquebrantável deputado Pontes de Aguiar, que hoje deve estar beirando os 100 anos, pronunciar erradamente o sobrenome de Helena, ao ler o expediente da casa, ao que todos juntos sorriam.

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