Pharmácia da Paz

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No início do século passado, a assistência médica nas cidades do interior do Maranhão era tão precária que a população se valia dos curandeiros, parteiras e farmacêuticos.
Há exatamente cem anos, chegava em Pinheiro um farmacêutico prático que rapidamente tornou-se muito conhecido e respeitado não só na cidade como em toda a região.
Mulato, bem vestido, atencioso e muito espirituoso, logo se integrou no seio da comunidade, casando-se com Inês Castro, freqüentando as boas rodas sociais e com participação atuante nos eventos e agremiações culturais mais destacadas.
Alto e barrigudo, com voz grave, rouca e pausada, Zé Alvim era uma dessas figuras que fazem a história do Lugar. Tipo folclórico, foi através dele que chegou a Pinheiro o primeiro rádio. Quando criança, ouvia meu avô Chico Leite contar que durante a segunda Guerra, a população de Pinheiro acompanhava atenta às notícias do front, preocupada que estava com Raimundo Gonçalves, único pinheirense combatente da FEB que havia partido para a Itália com a missão de acabar com Hitler.
Na “boca da noite”, como costumavam dizer, os ouvintes se postavam na calçada da para tentarem escutar os boletins da guerra, transmitidos pela da BBC de Londres.
Ligar o rádio, era uma novela; Precisava conectar a bateria, deixar as válvulas esquentarem, e passar um tempão sintonizando a estação… Era tarefa que só Zé Alvim era capaz de realizar.
Mais ruídos que sons, chiados e descargas encobriam o noticiário a ponto de não se entender quase nada; a cada descarga, Zé Alvim traduzia, com sua voz cavernosa, para os atentos ouvintes:
─ Ou é tiro de canhão ou barulho de bomba! Tão bombardeando Londres!
Muito respeitado na Vila, qualquer que fosse o problema ligado à saúde, o endereço certo era a Pharmácia da Paz, onde os remédios eram manipulados com maestria pelo farmacêutico.
Contam que certa feita ele prescreveu uma série de medicamentos a um paciente que morava na zona rural. Ao término da consulta, Zé Alvim disse:
─ Presta atenção, meu amigo! Tem que tomar tudo bem direitinho; mas tá proibido de ver mato verde por cinco dias… O que na realidade, significava ficar em repouso absoluto, pois para quem mora no interior e ficar sem ver mato verde, só se ficar trancado no quarto…
De outra feita, ele aconselhava um afilhado que resolveu se casar com uma moça nova. Dia seguinte ao casamento, muito cedo, o afilhado bateu às portas da casa de Zé Alvim.
─ Rapaz, tu te casou ontem, o que é que tu vem fazer aqui em casa uma hora dessa? Tu deve ficar com tua mulher!
O afilhado se queixava que ia devolver a moça aos pais dela pois achava que ela não era mais virgem.
─ É que eu tô meio preocupado, meu padrinho. Eu achei uma certa facilidade… não saiu nem sangue…
─ E tu pensa que pra tirar honra de mulher precisa de picareta? Cria juízo! Volta pra casa e fica com a menina, rapaz!
Conformado, o moço retornou para a esposa, mas Zé Alvim, sempre que podia, confidenciava aos amigos mais próximos:
─ Ela era furada mesmo…
Até os dias de hoje a continua em Pinheiro, no mesmo lugar, e é uma das mais antigas farmácias de manipulação do estado do Maranhão.
Zé Alvim deixou estórias e saudade! Por ironia do destino morreu em 1952, aos 61 anos de idade, contrariando um velho ditado que costumava usar: “o que mata velho são três K; queda, catarro e caganeira!”; acabou morrendo de um outro K: coração…

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