Com a palavra… Bruno Duailibe

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Ilustração: Salomão Jr.

O vilão dos privilegiados

Além de ser a menor distância entre dois pontos, a linha reta é o sinal mais claro da intervenção do homem sobre a natureza. É com um traçado reto que o homem impõe ao universo – em sua totalidade curvo, torto, imprevisível – ordem e estabilidade.

Inequivocamente, poder-se-ia dizer que retidão moral é o caráter, ou ainda, a ética do ser humano desprovida de tortuosidades, de desvios de conduta. A retidão moral é, por assim dizer, uma linha reta ligando os princípios da pessoa à sua conduta.

Nesse contexto, o Direito aparece não apenas como meio de regulação das relações sociais e da intervenção do homem sobre a natureza, mas como instrumento de conversão das condutas humanas num paradigma de ordem, que, alinhado à razão, afasta a influência de instintos animais sobre o convívio social.

Dessa forma, ainda que tenha versado sobre a aplicabilidade de outros princípios constitucionais, o julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal que resolveu pela integral constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010), no dia 15.02.2012, representou um excepcional momento em que o Direito é invocado para ratificar a existência de uma linha reta que, embora deva ser perseguida por todos, deve ser exigida na atuação dos agentes políticos.

É o que, a propósito, pode-se extrair da leitura dos votos dos seus integrantes, e, notadamente, daquele que foi lavrado pelo Ministro Joaquim Barbosa, no qual está representado o desejo de uma majoritária porção da Nação brasileira.

Ultrapassados os lampejos de alegria que resultaram da declaração de constitucionalidade da citada lei, cabe, agora, entender as consequências, diretas e indiretas, que poderão advir de seu vigor. Nesse sentido, mesmo que à primeira vista não se possa traçar qualquer relação de causa e efeito entre um fato e outro, é possível estabelecer profunda conexão entre a força da Lei da Ficha Limpa e os movimentos atuais e futuros das duas casas do Poder Legislativo Federal para extinguir o foro privilegiado por prerrogativa de função.

Aparentemente, a vontade política que não se observou em torno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 130/07, com idêntico objeto e que adormece por mais de dois anos no Plenário da Câmara Federal para ser reincluída em pauta, agora deverá aflorar. Sem prejuízo disso, conforme já noticia sítios eletrônicos, no dia 07.03.2012 iniciou-se uma nova coleta de assinaturas para outra Proposta de Emenda Constitucional, desta feita a tramitar no Senado Federal, com o mesmo intuito: dar cabo ao foro privilegiado.

Como é suficientemente divulgado, o foro por prerrogativa de função permite que autoridades políticas que venham a cometer crimes depois da diplomação sejam julgadas diretamente pelo Tribunal que, em situações normais, exerceria a sua atividade jurisdicional como órgão revisor. Por exemplo: no caso dos Deputados Federais e Senadores, a competência para julgar as ações penais contra eles propostas é do STF (Art. 53, §1º da CF).

Contudo, o seu conteúdo não se encerra nesse específico aspecto. Muito esquecido é o fato de que o seu principal fundamento é garantir a essas autoridades uma atuação independente perante os demais poderes constitucionais. E aí reside a principal fonte da controvérsia, visto que essa garantia distingue os cidadãos comuns dos agentes privilegiados, o que, segundo sustentado por alguns, contraria o Princípio da Isonomia. A isso, soma-se a constatação do desvirtuamento do instituto, na exata medida em que ele estaria servindo, na realidade, como um incentivo para a impunidade e a corrupção.

E ao que tudo indica, esses serão os discursos a serem proferidos das tribunas das casas do Senado e da Câmara Federal, as quais, provavelmente, darão todo apoio à campanha que se reiniciou na semana passada.

Porém, na atual conjuntura, o discurso empolgado, eloquente e contundente pelo fim do foro privilegiado poderá encobrir – e, certamente, encobrirá – a sua sincera motivação. E tudo isso por causa do julgamento do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Como os parlamentares são julgados originariamente pelos órgãos colegiados, na hipótese de ações penais contra eles propostas, serão os parlamentares, dentre outras autoridades públicas, os mais suscetíveis de serem apanhados pelas inelegibilidades que foram admitidas no ordenamento jurídico brasileiro, através da Lei da Ficha Limpa (vide o art. 2º, e, da LC 135/2010), pois o Supremo Tribunal Federal também decidiu pela constitucionalidade da dispensabilidade do trânsito em julgado da decisão condenatória, bastando, simplesmente, que ela se dê pelas mãos de um órgão judicial colegiado. Tout court!

Assim, que ninguém se engane, pois, certamente, não será o sentimento de nobreza parlamentar que impulsionará os legisladores federais pátrios a porem fim ao instituto do foro especial por prerrogativa de função. Serão, antes disso, os riscos que ele passou a representar com a edição da Lei da Ficha Limpa, a qual, ainda que indiretamente, acabou por transformá-lo num verdadeiro vilão.

Aguardemos!

Bruno Duailibe
Advogado. Graduado pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil no ICAT-UNIDF.

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