Com a palavra… Bruno Duailibe

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Hot Spot volta com mais uma crônica assinada pelo nosso convidado especial Bruno Duailibe. Desta vez, para acompanhar seu texto, ao invés de uma ilustração criada especialmente para a publicação, o blog traz uma obra do expressionista noroeguês Edvard Munch, o mesmo autor do famoso quadro “O Grito“, chamada “Ansiedade“, devido, é claro, a similaridade dos títulos.

Apesar da tela de Munch dar abordagem diferente da crônica de Duailibe à respeito do tema, ambas trazem um traço em comum: a dualidade em torno da ansiedade. Senão vejamos…

Da Ansiedade

Propus um jantar, num começo de noite de uma semana qualquer, ao meu amigo poeta. Era apenas para conversarmos uma prosa sem rumo, como as que já tivemos em nossos encontros casuais.
No dia marcado, programei-me para cumprir pontualmente o compromisso. Pequenos afazeres repentinos e uma pedra no caminho, chamada engarrafamento, entretanto, atrasaram-me.

Ao chegar ao local, sentia-me um pouco mais acelerado do que considero meu normal; e olha que um amigo meu, fazendo alusão à tensão das correntes elétricas 110 e 220 volts, considera-me, às vezes, ligado a uma tensão 330.

Ao ver o poeta, apressei-me em direção à mesa. Cumprimentos trocados, silenciei repentinamente. Havia três horas que corpo e mente não paravam. Com o pensamento distante, nem percebi que o meu estado era observado. Passado um minuto, o silêncio foi interrompido:

– Algo te preocupa, Bruno?

Feita a estranha pergunta, explicou-se:

– Tens um ar ansioso.

Surpreso com a observação, dei-me conta de que meu estado de espírito era perceptível.

– Na verdade me sinto estranho e preocupado com um problema por resolver.

– Bem disseste: – “pre-ocupação”, isto é, antecipas-te. Neste século todos sentirão a ansiedade de forma mais intensa do que nos anteriores. A meu sentir, ela competirá com a obesidade para ver quem mais gente acomete. Embora, aliás, eu veja antes, uma relação de causa e efeito entre uma coisa e outra.

Essas frases soltas me diziam muito. Para instigar o tema, inquiri-lhe sobre a ansiedade. Ele, então, bebericou o vinho, como quem precisa de tempo para coordenar as ideias, levantou a cabeça e tal qual um catedrático iniciou sua digressão sobre o assunto.

– A angústia, a mente perturbada, o aperto e a tensão, sintomas de quem se sente ansioso, estão diretamente associados ao significado das palavras latinas ansietas, anxius e angere, que formam a etimologia da palavra ansiedade.

Bebeu mais um gole de vinho e continuou:

– Para Freud, a ansiedade é uma condição emocional desagradável do organismo humano; é decorrente dos conflitos do Eu em razão de um perigo real ou potencial. Para ele, existiriam três conflitos das estruturas da mente (id, ego e superego) que gerariam a ansiedade. Assim, poderíamos sentir culpa ou vergonha, se quiséssemos agir contrariando os valores morais impostos pelo superego. Mas se houvesse de fato um perigo real advindo do mundo externo, o ego tremeria de medo. Se a fonte de perigo estivesse associada aos impulsos internos, proibidos ou inaceitáveis, promovidos pelo id, teríamos a ansiedade neurótica. Como podes ver, Freud não conhecia as “cachoeiras” que estão deixando alguns políticos com as mãos enrugadas de tanto tomar banho e, ao mesmo tempo, anulando os valores morais sem qualquer resquício de culpa ou vergonha.

– Interessante – intervim. E, curioso, perguntei: – Sob esse ponto de vista, devemos considerar que a ansiedade estará sempre presente na vida das pessoas?

– De certa forma, sim. Freud tem meu respeito, porém prefiro a explicação do filósofo espanhol José Antonio Marina que descreve a ansiedade como uma inquietude e a caracteriza de duas formas: uma agradável, gerada pela excitação de quem deseja ardentemente algo; e outra desagradável, que pode se revestir em medo (causa real) ou em angústia (causa desconhecida).

– Parece, então, que ele foge ao senso comum e vê a ansiedade como algo que pode ser positivo, arrematei. Essa conclusão me fez sentir mais calmo e igualmente compreendido.

– De fato, a ansiedade não é de todo ruim. Ela nos remete ao medo primal, resultado de um mecanismo orgânico que, desde os nossos ancestrais, preserva a vida. Num ambiente de perigo, o corpo se prepara para fugir ou para enfrentar, com todas as reações orgânicas conhecidas, como aceleração do batimento cardíaco, aumento de adrenalina e por aí vai. Qualquer atividade que nos faça sair de nossa zona de conforto traz ansiedade.

Àquela altura, com a diminuição do cortisol, sentia-me relaxado e envolvido com o discurso do poeta.

– E, sem qualquer apologia à ansiedade e à melancolia, devo lembrar que muitos ansiosos e melancólicos nos deixaram obras magníficas. Beethoven, Nietzscheze, Lutero, por exemplo. Aliás, crescer é ser ansioso. Soren Kierkegaard alertava que, para crescer, precisamos de liberdade, e que o crescimento em direção à maturidade significa lidar com a ansiedade, que é parte integrante da experimentação das possibilidades.

Nesse momento, fomos interrompidos por um atencioso garçom e lhe pedi que trouxesse pão e azeite, como entrada. Antes mesmo que o moço se afastasse da mesa, o poeta retomou a palavra:

– Agora me lembrei de um mal que pouca gente liga à ansiedade: quando nos sentimos ansiosos, nossa cabeça fica bem distante de onde o corpo está. Ou seja, voltamos para o passado e projetamos o futuro, enquanto o presente passa sem que o percebamos. As variantes disso são olhar para o que a gente acha que falta e sequer notar o que de bom nos cerca, além de sempre pedir por mais e não render graças.

A partir dessa conversa, apesar de vivenciar momentos de ansiedade, reconheço-os como decorrentes de meu amadurecimento e esse discernimento permite-me apreciar profundamente desde o sorriso maroto de meu filho até o límpido azul do céu.

Bruno Duailibe – [email protected]
Advogado. Graduado pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil no ICAT-UNID

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