Com a palavra… Bruno Duailibe

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Tela de Romero Britto (Reprodução)
Tela de Romero Britto (Reprodução).

Amor de Carnaval

Quem nunca se rendeu à dor do fim de um romance? Com direito a tudo: lágrimas, bebedeiras, remorsos e aquela leve esperança de que tudo possa se recompor, ainda que nada mais possa ser remendado? Pois é, foi num estado pior do que este que encontrei meu amigo engenheiro nesta última quarta-feira de cinzas. Lá já estavam o meu amigo poeta; a mesa do bar; a música dor de cotovelo e o vinho. Eu não sabia direito o que tinha acontecido, mas logo soube de toda a história que lhes conto agora.

Foi amor à primeira vista. Nas primeiras festas de pré-carnaval, nossos olhares se cruzaram de repente. Eu estava de um lado da rua e ela do outro. Sorrimos, fui em sua direção e nos beijamos. Desde então vivemos dias de uma paixão, horas de ternura e muitas promessas de amor eterno feitas minuto a minuto, relatou o engenheiro.
– Se bem vejo, acabaram-se em questão de segundos – completou ironicamente o poeta.
– Não tinha acabado! Tínhamos dado um tempo. Ela disse que precisava pensar e viajou com as amigas para Recife.
– Em pleno carnaval? Logo vi que se tratava de um retiro espiritual…
– Meu caro literato, hoje não estou para o teu sarcasmo-filosófico-poético. Ela, na verdade, me disse que estávamos indo rápido demais.
– Como assim rápido demais? – perguntei curioso.
– Fiz planos com direito a tudo: igreja, casa, filhos.
– E, deixe-me ver: ofereceste-lhe uma aliança? – questionou o poeta com ironia.
– Diferentemente de ti, sou homem de atitude, poeta. Sei o que quero e vou à luta. Por isso, há uns quinze dias, escolhi o anel mais bonito da joalheria e programei um jantar à luz de vela, em frente ao mar…
– Então foi pra isso que me pediste um soneto de Neruda?
– Claro que sim! No momento que entreguei a prenda, recitei-o. Como seu sorriso era lindo!
– Ela devia era estar rindo de toda a tua palhaçada. E, deixe-me ver, de repente, não mais que de repente, ela declamou-te o “Soneto da Separação”?
– Como é que sabes? – tornou-se surpreso o engenheiro.
– Eu que não entendi foi nada! Não era só um “tempo” pra pensar? – interrompi a digressão.
– Fala sério, conspícuo! Acreditas mesmo nessa história de “pensar com as amigas” durante o carnaval?
Depois de tomar dois goles de vinho, já se debulhando em lágrimas, o engenheiro retomou a narrativa de seu triste amor de carnaval:
– Ontem de manhã recebi uma mensagem com o soneto de Vinícius no qual ela se dizia consternada e que não poderia seguir ao meu lado, pois não estava a minha altura e nem preparada para os compromissos que eu queria assumir.
– Eu vi o quanto ela estava desolada na foto que ela partilhou com os amigos do grupo de mensagem instantânea. Linda em sua morenice brejeira, com plumas e paetês, brindava com as amigas e os amigos a alegria do carnaval.
– Não me venha semear a discórdia com intrigas e disse-me-disse – retorquiu indignado o engenheiro.
– Pior cego é aquele que não quer ver.
– Não jogues pedra que tens teto de vidro – ameaçou o engenheiro que, depois de um breve silêncio, confessou: – O que eu quero é reconquistá-la.
– Meu caro, não há como reconquistar o que nunca se teve. E, bebendo da fonte de Bauman, ouso te dizer que as tuas promessas de compromisso eram e continuarão a ser irrelevantes para ela a longo prazo, porque os amantes creem que novas possibilidades amorosas podem vir a ser muito mais satisfatórias e completas.
– Tiro no escuro! – disse eu.
– Verdade. Mas não é menos verdadeiro pensar que é mais seguro mantermos os laços frouxos e todas as portas abertas. Por isso, evitar um compromisso pode ser a ordem do dia!
– Mas eu pensei que era exatamente um compromisso o que ela queria! – exasperou-se o amigo engenheiro.
– Eu sei que essa constatação é desconcertante. Mas pensando sob a lógica vigente nesse mundo acelerado, não se deve investir tempo em cultivos incessantes, em cuidados permanentes e nas difíceis concessões necessárias ao compromisso amoroso. Afinal, é difícil recuperar o “valor agregado” de todos esses investimentos
– Quer dizer que ela achou que eu não valia a pena?
– Por aí…quero dizer…não é exatamente isso, meu amigo. Usei apenas de uma metáfora para explicar que ela eliminou um prejuízo em potencial.
– Eu não valho nada mesmo! – exclamou o engenheiro num acesso de autopiedade.
– Nada disso! És um homem de valor inestimável. Um cavalheiro, um príncipe, como prova a tua conduta. Ela é que é insegura como, afinal, todos nós somos, engenheiro.
– Vem cá, meu amigo poeta, não estás sendo mais pragmático do que de costume?
– Muito pelo contrário, meu advogado. Apenas estou atento a essas questões que nos envolvem. E, embora nunca lhe tenha relatado, numa relação sou capaz de ser tão romântico quanto se revelou nosso companheiro aqui. Acredito naquele amor que Jacó dedicou a Raquel, na intensidade da paixão de Romeu e Julieta e na perenidade do amor de Inês e de Pedro.
– Mas…
– Mas, como meu amigo engenheiro, acredito que as relações existam para serem desfrutadas com todas as suas tortuosas amarras e emoções. Nem que, ao cabo, tenhamos que sorver com vinho o sofrimento e derramar o pranto da mal-aventurança… para em seguida abrir o peito e a mente para um novo amor. Um brinde ao amor!

Bruno Duailibe
Advogado. Graduado pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil no ICAT-UNIDF  / Email: [email protected]

 

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