Hoje, Amanhã e Depois…

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Quando ouvi pela primeira vez a música “A Cidade”, do álbum da Lama aos Caos, da Nação Zumbi, percebi que algo de bom e novo estava surgindo na música brasileira. Não sei se definia como um movimento, manifesto ou uma cena, mas uma coisa dizia para mim que estava nascendo uma alquimia sonora mais importante para música “brazuca” desde a Tropicália.

Os mangueboys absorveram a cultura de fora, mas reverteram o processo. São pessoas antenadas com o mundo, mas que não desprezam a cultura local. Hip Hop + samba + reggae + funk + regionalismos e a fusão de todas essas sonoridades resultaram no “mangue beat” [ou “manguebit”, confusão que surgiu quando a nomenclatura começava a aparecer na mídia]

Dois discos de estréia trouxeram as tradições culturais pernambucanas reprocessadas por uma nova sonoridade. Liderado por bandas como Mundo Livre S/A e Chico Science & Nação Zumbi, o Mangue Beat [ou Manguebit] uniu conceito, ousadia e uma nova forma de pensar e fazer música.

“O mangue beat é a primeira tentativa de se fazer uma cena no Brasil”, declarava Chico Science em suas primeiras entrevistas, logo que o som do mangue começou a aparecer na mídia. A cena de Pernambuco, com pelo menos duas bandas de renome e vários outros grupos lutadores e persistentes. Foi um grande exemplo de várias pessoas sintonizadas na mesma freqüência, tentando liqüidificar, dando um basta a mesmice e modificando o curso da história. Eram vários artistas ligados em música e arte em geral, unindo sons rock, tons black e maracatu.

Os dois marcos iniciais do mangue foram editados em 1994 [os álbuns Samba Esquema Noise, do Mundo Livre s/a, e Da lama ao Caos, de Chico Science & Nação Zumbi]. Em 1991, Fred 04, vocalista do mundo livre, e o jornalista Renato Lins, escreveram o manifesto Caranguejos com Cérebro, que apresentava algumas bandas da época [Loustal, Lamento Negro e os próprios Mundo Livre e Nação Zumbi] e discorria sobre as idéias do pessoal. Na verdade, o texto era para ser apenas um release, mas ao chegar a imprensa, tomou dimensões bem maiores. Em março de 1993, a extinta revista Bizz já publicara uma matéria, escrita pelo jornalista José Teles, que falava do novo som produzido em Pernambuco.

O festival Abril Pro Rock, que revelou Chico Science e o resto da turma, além de outros menores”, e que continua em evidência, teve papel importante na divulgação do mangue. No sentido ideológico – dos Caranguejos com Cérebro, de Recife como cidade cosmopolita que recebe as influências de todo o mundo sem perder a identidade – creio que o manguebeat (bit) não ficou restrito à Mundo Livre s/a e Chico Science e Nação Zumbi”.

Dessa “parabólica na lama”, da qual os mangueboys sempre falavam, destaque nesse texto para a Nação Zumbi. A banda nasceu do movimento mangue beat, na cidade de Recife, nos anos 90, como banda do cantor Chico Science. Com a morte repetina de Science em 1997, a Nação Zumbi seguiu o seu caminho. Um desafio nada fácil. Dá continuação á um trabalho que tinha sido consagrado depois dos dois álbuns produzidos com Chico Science. ‘Da Lama ao Caos’, de 1994 e ‘Afrociberdelia’, de 1996, são dois discos essenciais para a música pop brasileira dos anos 90. Provando como a música regional pode ser reinventada e atualizada, e como a música pop pode ser criativa. ‘CSNZ’, disco duplo de 1998, lançado após a morte de Science, trazia remixes, músicas ao vivo e inéditas, fechando uma fase, e começando o desafio. Jorge Du Peixe [vocais], Lúcio Maia [guitarra], Toca Ogam [percussão], Alexandre Dengue [baixo], Gilmar Bolla 8 [percussão] e Pupilo [bateria] lançaram ‘Rádio S.AMB.A’ pelo selo YBrazil?Music. A Nação zumbi pode não ter conseguido a mesma genialidade da fase com Chico Science, mas continua a frente de qualquer banda pop/rock nacional.

A Nação Zumbi, assim como o Mundo Livre, as duas bandas mais importantes do movimento “mangue beat”, chega ao seu sexto álbum, chamado “Futura”.

Para quem acompanha o trabalho da Nação Zumbi, desde quando tinha ao seu lado o saudoso Chico Science, sabe que sua discografia sempre esteve voltada ao novo, numa eterna ascendente ao infinito, buscando novas sonoridades e misturando-se aos timbres já conhecidos (hoje, amanhã e depois), chegando sempre a resultados surpreendentes, e mais uma vez surpreende, e supera em muitas vezes, outros trabalhos dos homens-caranguejo.

Como precisamos urgentemente correr riscos e sair do lugar comum para não ser devorado pelo jacaré é que a Nação Zumbi aporta pela primeira na ilha do reggae, do amor, da poesia, de Ana Jansen, do tambor de crioula, do bumba-meu-boi. Todos os caminhos levam a festa “Mangue & Tal”, que acontece sexta-feira, dia 3, em frente ao Trapiche (Ponta D’Areia). A celebração vai reunir a Nação Zumbi(PE), Alma Negra (CE), Kazamata (MA), Nego K´aapor (MA) e o DJ Pedro Sobrinho (MA).

2 comentários para "Hoje, Amanhã e Depois…"


  1. Renata Cordeiro

    Olá Pedro,

    Gosto muito de seu trabalho como produtor cultural (Dj + jornalista) e repeito. Escrevo aqui para solicitar que você intermedie, como jornalista, informações sobre o cancelamento do show do Nação Zumbi, dado o sumiço do produtor Junior. Por que não ouve? Será remarcado? quando e onde serão ressarcidos os ingressos?
    Mais que uma revolta pessoal é um protesto pelo respeito a artistas e público que fazem acontecer a cena alternativa em São Luís, e que estão cheios da mesmice dos calotes.

  2. Marcos Baeta Mondego

    Fala, meu amigo pedrinho! Sempre pensou o que perdi a não assistir ao show da Nação Zumbi, à performance de Chico Science no palco. Ele, como sabemos, prematuramente morreu. Restou-nos aqueles que, um dia conversando com vc mesmo, acreditávamos que não iriam muito longe sem o grande e inigualável Chico Ciência. Era a minha chance de vê-los em ação. Pela 2a vez, só este ano, “vazaram.” A partir de agora, ficarei antenado na agenda da Nação, para saber quando eles estarão aqui por perto da “nossa terrinha.” Abraços, grande Pedro! Parabéns pelo blog e para quem já teve o prazer de assistir a um grande espetáculo. Your friend, [email protected].

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