Doutor do Baião

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Por trás das canções compostas e interpretadas por Luiz Gonzaga como “Asa Branca”, “Paraíba”, “Assum Preto” e tantos outros clássicos do gênero havia o parceiro, um homem invisível chamado Humberto Teixeira. Embalada por muita música, a história quase desconhecida do “Doutor do Baião” chega aos cinemas neste final de semana com o documentário “O Homem que Engarrafava Nuvens”.

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Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Dirigido por Lírio Ferreira (“Baile Perfumado”, “Cartola”), o filme viaja pelo Nordeste ao lado da filha de Teixeira, a atriz Denise Dummont, há mais de duas décadas radicada nos Estado Unidos. Desde Iguatu, no Ceará, terra-natal do compositor, a equipe seguiu pelo sertão para flagrar, através das lentes de Walter Carvalho, figuras da mitologia nordestina: as festas folclóricas, feiras de rua, vaqueiros de jibão, cegos cantores e o som da rabeca. “Fomos de carro filmando tudo que aparecia pela frente, uma filmagem meio acidente, nada programada”, comenta o diretor, em entrevista ao iG.

Estrela de cinema e TV na década de 1980, Denise nunca havia viajado para a região e o impacto da experiência foi grande. “Essa viagem me abriu tudo. Vi a riqueza tremenda que o Brasil tem, de música, criatividade, arte, e está tudo lá, presente. Foi muito forte. Entendi de onde veio a inspiração de meu pai e por que essa música sobrevive. Foi baseada em uma coisa real, por isso ainda tem influência.”

As gravações começaram em 2002, em um show realizado no Teatro Rival, no Rio, com a participação de grandes nomes da música brasileira – Gilberto Gil, Lenine, Zeca Pagodinho, Fagner, Elba Ramalho, entre outros – cantando músicas do compositor. Em estúdio, também deram sua colaboração Caetano Veloso, Chico Buarque, Maria Bethania e Gal Costa. As performances deram origem a um disco lançado pela Biscoito Fino e permeiam a narrativa do documentário, assim como uma escala em Nova York, com entrevistas de David Byrne, Bebel Gilberto e da banda Forró in the Dark, brasileiros que moram na cidade e revisitam o gênero nos palcos locais.

Em meio a tanto material, Denise Dummont tenta dar unidade e ser o fio condutor da história. Em busca do homem por trás da figura paterna, a produtora acompanhava o trabalho da equipe e, à medida que o tempo passava, começou a ir para frente das câmeras. “Quando a Denise pediu pra fazer umas entrevistas mais particulares, senti que ela estava entrando no filme e que era um processo de descoberta pessoal”, conta o diretor. “Paulatinamente, fui virando a câmera para ela, que se tornou uma coautora do filme.”

Lírio reconhece que foi um processo de descoberta para ele também. Pernambucano, sabia da presença e da importância do baião para a cultura regional, mas não do que significou a parceria de Luiz Gonzaga e Teixeira para a cultura do País. “Não tinha a menor dimensão do que aqueles dois aprontaram, da complexidade, a hecatombe que esse encontro proporcionou à música brasileira.”

Isso porque o baião influenciou toda uma geração. Mesmo com o declínio do ritmo no final da década de 1950, os jovens que cresceram naquela época seguiram, mesmo inconscientemente, com a levada do ritmo na cabeça. Gilberto Gil afirma que as músicas de Teixeira provocaram uma revolução em sua vida, Raul Seixas se dizia filho de Gonzaga e Elvis Presley, enquanto João Gilberto cantava em “Bim Bom”: “É só isso o meu baião, e não tem mais nada não”. Sem contar as regravações de Os Mutantes (“Adeus, Maria Fulô”) e de Caetano, uma dolorosa versão de “Asa Branca” no exílio.

“O baião tem uma característica cíclica, de estar ressurgindo aqui ou em qualquer outro lugar”, defende Lírio. “Foi retomado pela Tropicália e depois por aquela geração do Alceu Valença, Zé Ramalho, Fagner. Mais recentemente, o Mestre Ambrósio, com o Siba, e o Forró in the Dark. Acho que ainda tem muito pano para manga, a gente pode se surpreender a qualquer momento.”

Boa parte dessa história é recuperada através de imagens de arquivo. O minucioso trabalho do pesquisador Antonio Venâncio proporciona desde áudios de Humberto Teixeira a vídeos de entrevistas, cenas de filmes, shows raros e fotos históricas, que eventualmente são alvo de inspiradas animações. Tudo isso, mais as cenas gravadas pela equipe, rendeu em torno de 50 horas de material. “O primeiro corte do documentário tinha seis horas e meia”, lembra o diretor, que suou para deixá-lo com os 104 minutos atuais.

“O Homem que Engarrafava Nuvens” estreia em sete cidades (Rio, São Paulo, Recife, Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte e Brasília), depois de um ano batalhando por distribuição, e outros sete para ser concluído. “Olhando pra trás, foi o tinha que ser. Ninguém pode dizer que é um filme preguiçoso, está tudo ali”, garante Denise. Para o diretor, agora é a vez do público. “Quero que saiam de casa e vão ao cinema”.

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