Sem vícios e perda da identidade…

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Ao assistir a decisão entre a Inter de Milão (Itália) e o Bayern Munique (Alemanha), no último sábado (22), em Madri, na Espanha, pela Liga dos Campeões da Europa, o narrador global Galvão Bueno destacava o time italiano, campeão da competição, como um time de estrelas, em que a sua maioria foi importado de outros países para o clube. Do Brasil tinham três jogadores (Júlio César, Maicon e Lúcio), cinco argentinos, um camaronês, dois da macedònia, e por aí foi. Enfim, ele definiu a Inter de Milão como o retrato atual do ‘futebol globalizado”.  Vi um time sem a essência ‘azurra’. Mas, esse é o caminho criado para quem avança a fronteira, foge do seu habitat natural para conviver uma nova ordem mundial. Aos mortais que adotam a tendência são atribuídos os estigmas de ‘cidadão do mundo’, ‘ser cosmopolita’  ‘cidadão globalizado’.

No campo das artes, onde o futebol está incluído a essa realidade, pensamento,  questionar o assunto de maneira empírica pode se tornar perda de tempo. E mais, analisando pelo cosmopolitismo no contexto ético e da globalização pela inclusão produtiva, o que está acontecendo no futebol em muitos casos é funcional. O que não pode ser esquecido para os oriundos do terceiro mundo ou dos países em via de desenvolvimento, principalmente (nós outros)  brasileiros, é lembrar sempre a origem, o Porto seguro, não importando se o mesmo está situado em: Ananindeua (PA), Planaltina (DF), Rocinha (RJ), Bairro de Fátima (São Luís/MA), Bacabal (MA), Pinheiro (MA), Cariri (CE), Campo Maior (PI), Patos (PB), entre outras comunidades e municípios, em que a maioria dos nossos jogadores saiu para ascender socialmente e brilhar como artistas da bola  no palco dos estádios de futebol.

Além do cosmpolitismo na bola e nas artes, têm outras coisas que ainda me deixam confuso ao tentar compreender o conceito de ser cosmopolita, cidadão do mundo, sem perder a identidade. Às vezes vem aquela empolgação momentânea do plágio do primeiro mundo, absorvido por conta do acesso a informação com o surgimento e a evolução de novas tecnologias, as redes sociais criadas pela internet e o processo de colonização o qual estamos inseridos historicamente. Caio na real e reflito. Percebo que não posso deixar o meu lado provinciano. Degustar o guaraná Jesus, ou o sorvetinho de coco feito na casquinha original dos pregoeiros, comer um caranguejo no barzinho da praia de São Luís ou São José de Ribamar, torcer mais do que nunca pelo meu Sampaio Corrêa, passear tranquilamente pelas ruas do Centro Histórico e outros cartões postais da cidade sem molestado por almas penadas, curtir o couro comendo do tambor de crioula, a toada autêntica e sem modismo vazio do bumba-meu-boi, o reggae clássico jamaicano com o jeitinho peculiar do dançar coladinho do maranhense. Visitar as igrejas, os museus e poder perceber neles o quanto são similares e representativos quanto as suntuosidades vistas no Vaticano, Milão, Barcelona, Paris, Rússia, etc. Poder pronunciar o meu ‘hein, hein’, ‘pequeno’ como um acréscimo e contribuição para a rica ortografia Luso Brasileira. Mas deixo bem claro, que aprecio o meu provincianismo, mas sem demagogia e xenofobismo, pois também quero conhecer a geografia e a história do mundo, além  das coisas boas que estão em redor dele, mas sempre tendo como ponto de partida o meu lar.

E se a leitura e a viagem nos possibilitam a configuração de um mundo em formato de aldeia global, temos mais é que  aproveitar, correr atrás buscando mecanismos para que possamos perceber que além da caverna existem outras opções de vida.

Mesmo assim defendo com unhas e dentes a teoria da leitura crítica do mundo e tenho um conceito de que viajar muito não significa viajar bem. E viajar também não é, necessariamente, uma experiência positiva. É possível substituir os melhores momentos longe de casa por uma imaginação fértil. E certas pessoas podem atravessar galáxias e continuar provincianas como uma formiga, que vive num planeta restrito ao alcance de suas patinhas. Não é a quantidade de países visitados que faz com que alguém seja mais cosmopolita, porque o limite do nosso provincianismo não é geográfico: é espiritual. Uma pessoa realmente cosmopolita viaja com a mesmo estilo com que vive. Ser cosmopolita é encarar com a mesma postura uma viagem a trabalho para uma comunidade quilombola, ou de quebradeiras de coco no interior do Maranhão e um mês de férias com a família no Havaí, sem se emburrar ou se deslumbrar antecipadamente com ambientes desconhecidos.

Uma educação cosmopolita não é baseada exclusivamente em referências urbanas, como museus e restaurantes, e muito menos limitada a meia dúzia de cidades no mundo. Não basta saber como as coisas funcionam em Nova York, Londres, Paris ou Tóquio, porque o mundo – o resto do mundo – tem muito mais cores e camadas, e que muitas vezes essas nuances estão do nosso lado. Tudo é uma questão de sensibilidade. É bonito, para certas pessoas, visitar ou morar em Manhattan, mas pode ser igualmente interessante, para um espírito curioso, uma temporada em Santo Amaro (MA).  É bobagem transformar uma cidade numa marca, conferindo a ela um status que não existe, porque uma cidade sozinha não faz com que morar nela seja interessante. E não é assim – para carimbar o passaporte e mostrar aos amigos – que se aproveita, por muito ou pouco tempo, lugares diferentes.

No Brasil, essa espécie de provincianismo se acentua, porque – tão longe dos Estados Unidos e da Europa – qualquer experiência mais longa nesses lugares ganha um charme artificial, que está longe de como a maioria das pessoas leva a vida cotidiana. Uma cidade ou país supostamente sofisticados não educam por osmose uma personalidade passiva – nem conferem a ela uma elegância que em casa ela não tem. Você não aprende mais sobre ópera morando ao lado do Metropolitan Opera House em Nova York, nem você morando num apartamento no bairro do Hermitage, em São Petesburgo, vai transformar você num expert em cultura russa. Grandes cidades nunca despertam nem desenvolvem curiosidades inexistentes – assim como uma flor, por mais bem cuidado que seja o canteiro, nunca nasce antes da semente.

A educação dos modos reflete naturalmente a educação do espírito, e isso não é coisa que se adquire com uma, duas, três viagens para uma cidade mais – digamos assim – urbana do que São Paulo. O que uma grande cidade pode fazer, na verdade, é oferecer ambientes adequados a diferentes interesses. Um brasileiro em Berlim, numa terça-feira, pode comer kebabs e ir a uma festinha brasileira – num cafofo tocando samba –, ou pode tomar café da manhã em uma padaria no Bairro de Fátima, na Lapa, no Rio de Janeiro e, à noite, assistir a um concerto em Los Angeles, Toronto, Milão, Cidade do Cabo, Bangkok, São Paulo. Você não precisa se preocupar se quiser ser você mesmo.

Ser cosmopolita, cidadão mundo, cidadão globalizado é uma necessidade, mas não um vício. Temos que calibrar essas expectativas e não maquiar a personalidade de acordo com os costumes locais. Se você é maranhense e acha que o seu destino é Nova York, pense uma, duas ou três vezes, antes de degustar de maneira desavisada e com a atmosfera do moderno (em crise) um bom e velho vinho de qualquer adega argentina, chilena, francesa, portuguesa ou até mesmo de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul…

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