Dia do Rock: celebremos, apesar de quase tudo

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A imagem histórica ainda reverbera 30 anos depois: ao final do megashow de quase 12 horas no estádio de Wembley, em Londres, o cantor Bob Geldof é erguido por ninguém menos do que Paul McCartney e Pete Townshend, membros cativos da aristocracia do rock, que o carregam pelo palco.

Live Aid. Foto: Divulgação
Live Aid. Foto: Divulgação

Era o final do Live Aid, evento criado por Geldof, vocalista de uma efêmera banda punk/pós-punk (The Boomtown Rats), para arrecadar fundos para os famintos da Etiópia, país africano devastado pela pobreza, pela guerra civil e pela indiferença do chamado Primeiro Mundo.

Os dois megaconcertos – Londres e Filadélfia (EUA) reuniram quase todos os grandes astros do rock na época e geraram milhões de dólares na campanha contra a fome africana.

Trinta anos depois, a ressaca do showbiz musical parece não ter fim, ainda mais quando sabemos que parcela expressiva do que foi arrecadado em 1985 pelo Live Aid foi roubado, desviado ou simplesmente perdido.

Com a triste constatação de corrupção e mesquinharia extrema, e com o rock no desvio, há alguma coisa a comemorar no chamado Dia Internacional do Rock – 13 de julho, data instituída por conta do Live Aid, que ocorreu naquele dia de 1985?

Os costumeiros detratores, adeptos das chamadas “modernidades sonoras da atualidade” – um saco gigante de porcarias que provavelmente sequer sairia das garagens fétidas nos anos 70, 80 e 90 -, regozijam-se ao dizer que, senão desaparecer, o rock no máximo conseguirá ficar restrito a guetos, como supostamente acontece com o blues e o jazz hoje.

É uma visão sombria, mas ainda fora da realidade – mas não muito. Com um mercado deturpado e uma indústria fonográfica desaparecida, há um vácuo que provavelmente jamais será preenchido.

Aparentemente, a pulverização artística promovida pela internet, derrubando uma indústria podre e sem criatividade para encarar os novos tempos, não foi boa para quase ninguém.

Alguns poucos medalhões ainda sobrevivem, o rap tem ainda algum fôlego para se auto-sustentar e as chamadas “paradas de sucesso” mundiais continuam coalhadas de lixos que não sobrevivem a alguma semanas, para serem destronados por porcarias ainda maiores.

Todo mundo parece desgovernado, e a eventual crise joga para o lado qualquer tentativa de soerguimento. No Brasil, os chamados gêneros populares ainda manter algum tipo de mercado em funcionamento, por mais que a qualidade seja inexistente e práticas antigas de “promoção” ainda prevaleçam, entulhando as emissoras de rádio e portais de internet com a mais legítima porcaria existente na música brasileira.

Por enquanto, o cenário independente consegue manter a chama acesa, só que é incipiente demais. Há poucos exemplso aqui e ali de artistas roqueiros que conseguem alguma sustentatibilidade – caso de bandas como Autoramas, Cachorro Grande, Boogarins, O Terno e mais uma duas ou três no Brasil. É muito pouco.

Só que há ainda algo a celebrar, por mais que os tempos estejam bem complicados, agravados com a crise econômica forte que assola o Brasil. A internet democratizou o espaço de divulgação para os novos nomes, com ou sem talento.

Se ainda não tem força para empurrar bandas boas a situações de maior visibilidade, ao menos proporcionou chances de manter um contato direto e fácil com apreciadores e fãs.

Celebremos as iniciativas vitoriosas dos festivais de rock e metal independentes que se mantêm, cada vez mais com dificuldades, com dólar alto e com custos cada vez mais elevados – sem falar na burocracia alucinada e nos calotes que eventualmente surgem.

Louvemos os empreendedores que insistem em não deixar morrer um circuito de shows alternativos com artistas estrangeiros, mesmo com o dólar alto.

Que tenhamos mais e mais lollapaloozas, com suas atrações de qualidade duvidosa – melhor isso do que nada. Que o Monsters of Rock venha para ficar, de fato, com suas atrações jurássicas e cartas marcadas para garantir a venda de ingressos para um público cada vez mais desinteressado. Que o Rock in Rio mantenha o seu sucesso inevitável – cada vez mais pop e “diversificado”, que garanta a cada edição o espacinho para o rock…

Esqueçamos o caráter de resistência, não precismaos aceitar a “guetificação” que alguns pretendem impor ao rock. A busca pela sustentabilidade tem de ser constante em tempos onde a sobrevivência, mais do que nunca, depende da criatividade e da inovação.

O crowdfunding (modalidade em que o artista consegue verba diretamente com os fãs/consumidores) não tem capacidade para sustentar (ou dar sustentabilidade) a um ambiente cada vez mais competitivo e com menos recursos à disposição.

Esqueçamos, também, qualquer esperança de ajuda de dinheiro público, por meio de editais, em um país onde o Ministério da Cultura prefere financiar projetos (CDs, DVDs e turnês) de artistas consagradados – coisa semelhante ocorre nos Estados e nos municípios.

Criatividade e inovação são fundamentais para que exista algum tipo de esperança para o rock no Brasil como agente cultural e um meio de promover cultura com algum retorno financeiro na segunda década do século XXI.

Muita gente competente continua militando e insistindo, e apontando alguns caminhos que possibilitem uma renovação e o surgimento de novos artistas.

Ok, a demanda é grande para um espaço muito pequeno, com dinheiro ainda mais escasso. Só que nunca se produziu tanta música e arte como na atualidade.

Se está cada vez mais difícil chamar a atenção e reverter a sensação de que a música e arte estão descartáveis, novas ideias precisam surgir. Existe capacidade suficiente para isso, tanto no Brasil como no exterior. Isso, por si só, já é motivo mais do que suficiente para comemorar.

Texto de Marcelo Moreira, publicado no UOL.

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