Tem hora para tudo, até para adoecer

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Acordar cedo para correr. Em seguida, ir ao dentista. Às 14h, participar de uma reunião de trabalho. À noite, aula na faculdade. E uma consulta ao relógio à espera do último compromisso do dia: um encontro com os amigos para tomar uma cervejinha.

Agora imagine outro relógio, destinado a marcar outro ritmo: o do seu corpo. Nessa agenda interna, as coisas mudam. Quer correr? Então calce os tênis no início da noite, quando a força física aumenta e a suscetibilidade à exaustão é menor. Dentista de manhã? Só por masoquismo: à tarde, a sensibilidade à dor será menor e, caso seja necessário usar anestesia, ela terá efeito três vezes mais duradouro.

Talvez seja bom rever o horário da reunião: por volta das 14h, o corpo pede sono, e ficamos mais letárgicos. Quanto ao curso, uma dica: de manhã a capacidade cognitiva aumenta e facilita a aprendizagem. Nem a tal cerveja escapa: o fígado metaboliza melhor o álcool entre as 17h e as 18h.

Esse relógio biológico, instalado no hipotálamo e composto por inúmeros outros relógios no corpo inteiro, é invisível. 

Cronobiologia é a ciência que descreve os ciclos que regem nossa variação de força, de memória e de saúde em função do tempo.

Há dados curiosos, como as constatações de que o nariz escorre mais de manhã (às 8h). Mas também há informações sobre pesquisas que buscam estabelecer o melhor horário para remédios contra o câncer.

Nós temos pouca consciência dos ritmos sutis que nosso corpo experimenta na pressão arterial, no nível hormonal, no apetite. Graças a esses ritmos, há horas boas e ruins para atividades como revisar um manuscrito ou tomar decisões.

Esse campo de estudo, chamado cronobiologia, ocupa-se da organização temporal dos seres vivos. A área contempla os ciclos curtos, como os dos batimentos cardíacos, e os longos, como a influência das estações do ano nas alterações de humor (a depressão é mais comum no inverno, por exemplo). Mas os ciclos mais estudados são os circadianos, referentes às mudanças que ocorrem ao longo de um dia.

Esses ciclos fazem parte da herança genética e estão escritos nos chamados ‘clock genes’ (genes-relógio). Mas os aspectos ambientais são igualmente relevantes, especialmente a alternância entre luz e escuridão. É a diminuição da luminosidade no ambiente, por exemplo, que estimula a secreção da melatonina, hormônio que induz o sono. O outro principal ‘sincronizador’ do funcionamento do corpo, é o convívio social, que estabelece horários para trabalho, alimentação e exercícios.

Pesquisas mostraram que, sem a variação de luminosidade e a influência social, o corpo passa por um processo curioso: ao depender só da carga genética, o ciclo de sono e de fome aumenta para 25 horas. O que faz nossos ritmos se comprimirem em um período de 24 horas são as influências geofísicas e sociais.

O estresse crônico também pode alterar esse ritmo. Temos  como exemplo o cortisol: produzido durante o sono, esse hormônio atinge seu valor máximo por volta das 6h -é uma das substâncias envolvidas no processo do despertar. Ao longo do dia, sua concentração diminui. O estresse crônico, porém, libera jatos de cortisol fora do horário padrão. O resultado? Aumento da pressão, hiperglicemia, alteração do ritmo do sono, doenças cardíacas e até osteoporose

Saúde

Por falar em doenças, elas também seguem ciclos. As crises de asma são mais freqüentes de madrugada, quando as passagens bronquiais têm seus diâmetros reduzidos em 8% -para asmáticos, isso pode significar uma redução do fluxo de ar de 25% a 60%, o que agrava os sintomas da doença.

Já os ataques cardíacos são mais comuns de manhã, quando há uma elevação súbita da pressão arterial. Por isso, já foram desenvolvidos remédios para hipertensão que devem ser tomados após acordar  e com efeito superior a 36 horas -orientação presente na bula. Remédios de colesterol na maioria devem ser usados à noite para aproveitar o pico da elevação do colesterol, que é por volta da meia noite, com exceção dos medicamentos de meia-vida longa -rosuvastatina e atorvastatina. 
A oncologia é uma das áreas que mais estudam a relação entre o horário de administração de um medicamento e seus efeitos no organismo. ‘Há muito tempo se sabe, em experiências feitas in vitro ou em animais, que os efeitos das drogas são diferentes conforme o horário. Isso significa que um anticoagulante tem um efeito de manhã e outro à noite. ‘

Nem todas as pessoas compartilham o mesmo ritmo -é fácil observar isso em relação ao sono. Enquanto alguns têm um perfil matutino, outros se sentem mais ativos à noite.

Essa variação não implica mudanças na saúde, na capacidade cognitiva nem no sucesso profissional -ao contrário do que diz o ditado ‘Deus ajuda a quem cedo madruga’, não há indicações científicas de que os matutinos tenham qualquer tipo de vantagem.

De 10% a 12% da população são matutinos; 8% a 10% são vespertinos. A maioria, 80%, está numa situação intermediária.

Mas esse perfil muda ao longo da vida. Crianças e idosos tendem a ser mais matutinos. Na adolescência, porém, há um ‘atraso’: os jovens sentem necessidade de ir para a cama mais tarde. Mas esse aspecto nem sempre é levado em consideração: os adolescentes têm de acordar cedo para ir à escola.

Pesquisas da Universidade de Chicago mostram que a privação de sono leva a falhas no processamento da glicose, alterando os níveis do hormônio da fome e afetando o sistema imunológico.

Em um desses estudos, foi avaliada a resposta à vacina da gripe em 25 voluntários sujeitos à restrição de sono. Dez dias após a vacinação, a resposta do sistema imune dos voluntários era muito inferior à observada em pessoas com sono normal.

COAGULAÇÃO >> Para evitar sangramentos, é melhor se barbear às 8h, quando as plaquetas, que levam à coagulação sangüínea, são mais abundantes do que nas outras horas do dia -o que também ajuda a entender por que ataques cardíacos têm seu pico nesse horário

FERTILIZAÇÃO >> Nos homens, os níveis de testosterona atingem seu ápice às 8h, horário em que eles estão mais estimulados para a atividade sexual. Já o sêmen tem maior qualidade à tarde, com 35 milhões de vezes mais espermatozóides do que de manhã

DOR >> Vá ao dentista à tarde, quando a sensibilidade à dor nos dentes é menor. Além disso, a anestesia aplicada em procedimentos odontológicos dura mais à tarde do que de manhã: o efeito da lidocaína é três vezes maior quando ela é aplicada entre as 13h e as 15h

SONOLÊNCIA >> Ondas de sono nos atingem a cada 1h30 ou 2h, algo ainda mais forte em pessoas vespertinas, segundo Mary Carskadon, da Brown University. Uma delas ocorre à tarde -estudos mostram que acidentes de trânsito causados por fadiga são mais comuns entre a 1h e as 4h e entre as 13h e as 16h. Um motorista tem três vezes mais chance de cair no sono às 16h do que às 7h

ÁLCOOL >> Beba aquela cerveja ou vinho entre as 17h e as 18h, quando o fígado é mais eficiente na desintoxicação do organismo. Em um estudo feito com 20 homens, aqueles que beberam vodca às 9h tiveram um desempenho pior em testes de velocidade de reação e funcionamento psicológico do que os que receberam a mesma dose às 18h

CALOR >> A temperatura do corpo atinge seu ápice no fim da tarde. Pesquisadores de Harvard e da Universidade de Pittsburgh relacionaram a elevação da temperatura a uma maior capacidade de memória, atenção visual, destreza e velocidade de reação

EXERCÍCIOS >> Exercite-se no fim da tarde, quando a percepção da exaustão é menor, as juntas estão mais flexíveis e as vias aéreas, mais abertas. O corpo esquenta e, a cada 1oC de elevação, há uma aumento de dez batidas cardíacas por minuto. Além disso, é possível ter um ganho de massa muscular 20% maior do que de manhã. A manhã é mais propícia a exercícios que exijam equilíbrio e acuidade

CONCENTRAÇÃO >> Pesquisas de Lynn Hasher, da Universidade de Toronto, e Cynthia May, do College of Charleston, sugerem que jovens adultos se distraem mais facilmente de manhã -quando são mais propensos a soluções criativas. À tarde, ficam mais concentrados e ignoram dados irrelevantes. Já adultos mais velhos são concentrados de manhã e vulneráveis à distração à tarde

ALERGIA >> Segundo Michael Smolensky, cronobiologista da Universidade do Texas, a resposta da pele a alérgenos como poeira e pólen é mais acentuada à noite

MEMÓRIA >> Ainda segundo Hasher, a memória dos idosos diminui ao longo do dia. De manhã, eles esquecem, em média, cinco fatos. À tarde, cerca de 14. Jovens adultos tendem a ser mais esquecidos de manhã

CÂNCER >> A oncologia é uma das áreas com mais estudos em busca da relação entre o horário e a aplicação de medicamentos. Enquanto as células normais seguem um ciclo previsível de divisão celular, as dos tumores se multiplicam aleatoriamente

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