Casais ressentidos

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Não conheço rancor pior que o matrimonial. A maior parte dos casamentos, durante a maior parte do tempo, é péssima. “O clima em torno dos dois é literalmente irrespirável, sobretudo por acreditarem ambos que têm razão”, afirma o psicoterapeuta e escritor José Ângelo Gaiarsa. Para ele, o rancor matrimonial, acima de tudo amarra, pega você de qualquer jeito, te imobiliza, como se você tivesse caído numa teia de aranha. Quanto mais você se mexe, mais se amargura e raiva sente. Raiva — que faz brigar; mágoa — que faz chorar. A mistura das duas é o rancor, um ficar balançando muito e muito tempo entre o homicídio e o suicídio. E cometendo ambos ao mesmo tempo.

A primeira pergunta que nos vem à mente é: por que duas pessoas nessa situação não se separam? Não se separam porque dependem um do outro emocionalmente, precisam do parceiro para não se sentir sozinhos e, principalmente, para que seja o depositário de suas limitações, fracassos, frustrações e também para responsabilizá-lo pela vida tediosa e sem graça que levam. Quanto maior a defasagem entre a expectativa que tinham do casamento e a impossibilidade de concretizá-la, piores são as brigas.

Aquela ideia de que, ao casar, se tornariam um só, com todas as necessidades satisfeitas, já foi abandonada há muito tempo. O que restou foi um profundo rancor matrimonial, exercitado no dia a dia. Virginia Sapir, uma terapeuta de família conhecida no mundo todo, afirma que o sentimento mais comum entre os casais é o desprezo recíproco. Quanto a isso penso não haver dúvida. Parece que se despreza o outro por ter falhado na sua principal função: tornar a vida do parceiro plena e interessante.

O longo tempo de convívio pode transformar os dois ou então tornar cada um mais preso a seu próprio jeito e hábitos. Isso para se defender das cobranças, vindas do outro, para que se modifique. A consequência é um deles se tornar mais rígido, impedido de se desenvolver. Gaiarsa, com sua prática clínica de mais de 50 anos, acrescenta: “Esse rancor matrimonial é a coisa mais peçonhenta, amarga, azeda e torturante de que tenho notícia ou experiência. Sim, experiência — terrível. Quem não a tem vez por outra? Mas quando ela dura muitos meses — até muitos anos — é, na certa, o pior veneno que se pode imaginar”.

Para solucionar essa questão crônica dos casamentos talvez só exista uma saída: cada um descobrir uma forma de se tornar inteiro e poder se relacionar com o outro não por necessidade, mas pelo prazer de estar perto. E não atribuir a ele o que não lhe diz respeito.

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