São Luís no contexto da violência urbana

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Oduvaldo
Professor universitário Oduvaldo Cruz

Por Oduvaldo Cruz

Ao descrever o estado de natureza dos primórdios da humanidade, Thomas Hobbes (1588-1679), em obra denominada O Leviatã, afirmou que quando “os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida pela força do seu próprio braço” tais homens tem vida “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”.

Ao menos em áreas delimitadas das grandes cidades modernas a vida se aproxima dessa perigosa condição existente antes do pacto de proteção mútua, origem e fundamento da sociedade civil e do Estado.

O termo “violência urbana” pode ser conceituado como um fenômeno social composto de comportamento individual e coletivo deliberadamente agressivo e transgressor, apresentado por uma parcela da população nos limites do espaço urbano. Essa modalidade de violência tem características específicas que a distinguem de outras formas de violência praticadas por pessoas ou grupos. Ela se desencadeia em consequência de múltiplos fatores, tais como a cultura de uma época, as condições sociais e o grau de esgarçamento do convívio existente no interior do espaço urbano.

A manifestação mais evidente da violência urbana revela-se por meio de elevados índices de criminalidade e a atitude de seus atores caracteriza-se pela opção deliberada de infração aos códigos elementares de conduta civilizada. Ela difere de outras modalidades de violência, como a guerra entre nações, a guerra civil, a pirataria, o cangaço ou banditismo, conforme denominação de Hobsbawm, a violência doméstica, a violência de gênero e o terrorismo.

Fenômeno disseminado em todas as metrópoles, a violência urbana já faz parte também do dia-a-dia das pequenas cidades e até mesmo de comunidades rurais, antes pacatas e pacíficas. Essa característica das sociedades urbanas modernas, complexa em suas causas, parece consolidar-se localmente á medida que valores sociais, culturais, econômicos, políticos e éticos são atacados ou suprimidos.

O século XX foi marcado pelo avanço exponencial da tecnologia, especialmente nos meios de comunicação. A massificação dos meios de comunicação, com destaque para a TV, o cinema e a internet é uma conquista da humanidade. Mas, a sua popularização produziu o fenômeno da uniformização dos comportamentos, caracterizada pela adoção de modelos copiados da Europa e dos Estados Unidos da América.

Atualmente, os jovens do mundo inteiro incorporam e reproduzem padrões culturais e expressões artísticas de natureza violenta, como a formação de gangues de rua, a prática da pichação de muros e o consumo e comércio de substâncias entorpecentes. Por essa razão é mais acentuada a violência urbana nos países periféricos, pois, enquanto popularizam a informação e aproximam pessoas, os mass media também distribuem de maneira irradiadora, do centro para a periferia do mundo a imposição da cultura única. Assim contribuem para a destruição dos valores tradicionais, provocando, especialmente nas crianças e jovens a perda da própria identidade cultural e a alienação avassaladora. Uma vez destruída sua fortaleza moral, o jovem tende a canalizar as suas energias para a transgressão.

Os Estados Unidos são o mais destacado centro irradiador de cultura, ao mesmo tempo em que, naquele país o fenômeno da violência urbana também é acentuado. Até mesmo a violência urbana americana é mercantilizada pela indústria cinematográfica de Hollywood e consumida mundo a fora.

A violência urbana alcança níveis extremados em países marcados pelo precário funcionamento dos mecanismos de controle social, político e jurídico do Estado. O Estado é o detentor, no dizer de Weber, “do monopólio da violência legítima”. Se o Estado não pune o agente da violência, ou pune em excesso, ou pune seletivamente, a violência tende a se alastrar, alcançando níveis intoleráveis.

É este o caso do Brasil, país de instituições anêmicas e sociedade marcada pela chaga do patrimonialismo, da impunidade, da injusta distribuição de renda e de oportunidades. Aqui a realidade do dia-a-dia das cidades (inclusive as médias e pequenas) é assustadoramente violenta e, dados nossos determinantes históricos, não podia ser de outra forma.

Em São Luís, cidade de porte médio do Nordeste brasileiro, os comportamentos criminosos graves, como assassinatos, linchamentos, assaltos, tráfico de drogas, tiroteios entre quadrilhas rivais e ações violentas causadoras de pânico generalizado, como incêndio a ônibus urbanos, aumentaram assustadoramente nas últimas décadas.

Em 2015 um relatório da City Mayors, centro de estudos americanos dedicados a temas urbanos, registrou que 47 das 50 cidades mais violentas do mundo encontram-se na América Latina e 16 delas estão no Brasil. Enquanto Maceió é a 5ª cidade mais violenta do mundo e ostenta o título de campeão da violência nacional, com 80 homicídios por cada 100.00 habitantes, São Luís é apontada como a 15ª cidade mais violenta do mundo e a 7ª cidade mais violenta do Brasil, com 57 homicídios por cada 100.000 habitantes.

Para entender a gravidade desses números, a Organização das Nações Unidas – ONU indica que as taxas mundiais giram em torno de 6,2 homicídios por cada grupo de 100.000 habitantes e quando um país ou cidade alcança a taxa de 20 homicídios por cada 100.000 habitantes a situação deve ser declarada grave.

Essa é a razão porque a população de São Luís encontra-se alarmada. As pessoas ficam por longos períodos trancados em suas casas, numa espécie de prisão domiciliar. O cidadão comum tem medo de abrir a porta quando a campainha toca. A classe média há muito mudou para prédios de apartamentos e condomínios fechados, protegidos por vigilância permanente. Há tempos não se vê mais a cena romântica da família e dos vizinhos sentados nas calçadas para um dedo de prosa ao entardecer.

Não podemos olvidar ainda, que parte considerável do espaço urbano de São Luís formou-se, a partir dos anos 70 do século passado por meio de ocupações irregulares. As causas são conhecidas: a continuada negligência do poder público em matéria de políticas habitacionais e o perverso programa de privatização das terras devolutas do Maranhão, levado a efeito no mesmo período no interior do Estado, fazendo chegar à capital numerosas levas de sertanejos tangidos da terra.

Esses fatores produziram sobre a cidade enormes pressões por moradia. Assim, da noite para o dia surgiram na paisagem urbana da Ilha muitos aglomerados de habitações precárias localizados nas encostas de barrancos, fundos de vales, áreas de manguezais e em terras de particulares então disponíveis no entorno da cidade. Essa é a origem de bairros como Coroado, Coroadinho, Sacavém, Anjo da Guarda, Vila Bacanga, São Bernardo, João de Deus e tantos outros. Comum a todos, além da resistência originária à violenta ação policial de despejo é também a miséria, o subemprego e a falta de serviços públicos de saneamento, saúde, educação, assistência social e segurança.

O processo de expansão urbana de natureza sócio-política violenta que aqui se deu, contribuiu também para potencializar a violência urbana em São Luís. Atualmente, a cidade encontra-se em guerra não declarada. Infelizmente a guerra urbana imposta pelas quadrilhas de narcotraficantes (o cangaço moderno) e assaltantes armados, circulando dia e noite por toda parte, fizeram perder-se no tempo a São Luís pacata e bucólica de décadas passadas.

*Oduvaldo é professor universitário e pré-candidato a vereador de São Luís

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