A saga do ministério da Cultura

0comentário

Por José Sarney

Durante o meu governo, na elaboração do Plano Verão, trouxeram-me o esboço dos cortes que pensavam que devíamos fazer: a primeira coisa que ali estava era a extinção do Ministério da Cultura, por mim criado no dia em que assumi a Presidência da República, 15 de março de 1985. Quando li, minha primeira reação foi uma pergunta indignada: “Os senhores ou querem me ofender ou não conhecem a minha carreira parlamentar. Pois saibam que minha causa parlamentar foi a cultura, fiz dezenas de discursos e apresentei vários projetos de lei defendendo a cultura. O principal deles vai ser um divisor de águas na história da visão da cultura no Brasil, ao estabelecer incentivos fiscais procurando inseri-la na economia de mercado.” Apresentei cinco vezes esse projeto e o reapresentei como meu último ato no Congresso, no meu discurso de despedida. Afinal a lei foi sancionada por mim.

Em seguida vinham os cortes orçamentários e o primeiro deles era no orçamento do Ministério da Cultura. Minha reação foi pior, disse-lhes que não discutiria a proposta que me faziam com qualquer corte contra a Cultura.

Veio o Collor e extinguiu o Ministério, que só voltou a existir com o presidente Itamar Franco. Outra tentativa em cima do Ministério da Cultura foi convencer o meu querido amigo Michel Temer a acabar com ele em 12 de maio de 2016, e, inspirado melhor pela reação, restabelece-lo em 23 de maio, tendo um breve desaparecimento de alguns dias. Mas a perseguição ao Ministério da Cultura continuou. Toda vez que se fala em reforma administrativa o primeiro item é acabá-lo.

Essa obsessão vem da falta de consciência nacional de sua importância. Até hoje não se sabe o que a cultura representa. A verdade é que todos os esforços da sociedade contemporânea estão voltados para gerar valores materiais, não valores espirituais. Mas são esses valores, ao expressar o modo de vida, por meio de arte, literatura, ciência, tradição, crenças, que formam a essência de um povo, de um país. Nenhum país pode ser potência de qualquer natureza, sem ser uma potência cultural.

Mas para a cultura é essencial um clima de liberdade, de criação, um ambiente de reencontro, de redescoberta. O Estado não pode arbitrar que cultura deve ser apoiada. Ela não pode ficar sujeita a que um governo que goste menos de cultura sufoque e deixe ao desamparo a produção cultural, os artistas, os escritores.

Agora a cultura tornou-se um jogo de ping-pong. O atual governo extinguiu o Ministério, transformou-o em Secretaria Especial de Cultura do Ministério da Cidadania, passou-a para o Turismo, mas ela permaneceu na Cidadania e agora retorna ao Turismo. A verdade é que não temos uma política cultural e, em vez de ser uma unanimidade nacional, a sua promoção é tema de discórdia e uma disputa de interesses e até colocado a serviço de ideologias.

Tendo criado o Ministério da Cultura e sido seu defensor ao longo da minha vida, não posso deixar de condenar qualquer agressão a esses ideais. Intelectual, sou de um Estado onde só existem estátuas a escritores. Reverenciamos nossa tradição cultural e temos alguns dos maiores nomes da literatura brasileira.

Por isso temos orgulho de termos sido batizados como Atenas brasileira.

Sem comentário para "A saga do ministério da Cultura"


deixe seu comentário

Twitter Facebook RSS
%d blogueiros gostam disto: