Crise da água

1comentário

SarneyFilho1Por Sarney Filho

Dezoito anos atrás, no início de 1997, quando conseguimos a sanção da Lei dos Recursos Hídricos após alguns anos de debate, formalmente consagramos princípios de extrema relevância: a água como um bem de domínio público, limitado e dotado de valor econômico; a bacia hidrográfica como a unidade de planejamento mais adequada para a gestão dos recursos hídricos; e a gestão descentralizada, contando com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades e concretizada, principalmente, por meio dos comitês de bacia hidrográfica.

Assumiram-se então como objetivos precípuos da Política Nacional dos Recursos Hídricos a garantia de disponibilidade de água para esta geração e as futuras, a utilização racional e integrada dos recursos hídricos e a prevenção e defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

Deve-se ter em mente que o conteúdo tecnicamente correto da Lei dos Recursos Hídricos, assim como de outras leis ambientais importantes, não é suficiente para resolver esse problema. A lei somente no papel jamais o é. As deficiências na concretização das determinações legais nesse campo são tão grandes no país, que a correta aplicação da lei ganha cunho revolucionário.

Quando instalaremos todos os comitês de bacia previstos na Lei dos Recursos Hídricos? Quando formularemos e implantaremos de fato os planos de bacia? Quando tornaremos efetiva e abrangente a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e aplicaremos os recursos auferidos com ela na gestão das próprias bacias? É inaceitável, quase inacreditável, que os avanços nesse sentido ainda sejam tão poucos.

A crise hídrica atual é multifacetada, como em geral são as questões ambientais. Suas causas envolvem as mudanças climáticas a exploração desenfreada dos recursos ambientais, o desflorestamento, a contaminação dos rios pelos esgotos, efluentes industriais e agrotóxicos, a falta de investimento em infraestrutura hídrica, a omissão no planejamento urbano e metropolitano, a ineficácia governamental, as mudanças climáticas e outros elementos. Suas soluções também mostrarão essa complexidade, e passarão pelos diferentes níveis governamentais, pelo setor produtivo e pela comunidade. E não poderão esperar.

Crises graves são momentos importantes de aprendizado. Elas desnudam processos de negação da realidade, utilizando expressão de Eliane Brum, em excelente artigo publicado no dia 2 de fevereiro. O descaso com as demandas históricas do movimento ambientalista em prol da proteção dos recursos hídricos e da aplicação da legislação ambiental por parcela influente do empresariado e por autoridades governamentais reflete esse tipo de postura.

Até pouco tempo atrás, alertas sobre potenciais crises hídricas eram tratados como desvarios de alarmistas interessados em colocar limites ao crescimento. Essa leitura já se mostrou claramente equivocada. Dados estatísticos históricos não são mais suficientes para um bom planejamento hídrico. A degradação ambiental e as mudanças climáticas impuseram um novo cenário. A crise está na nossa frente e já se sabe que há danos irreversíveis.

A Frente Parlamentar Ambientalista, recriada neste início da nova legislatura, começou os trabalhos de 2015 assumindo a crise hídrica como desafio prioritário. O Presidente da Câmara já se comprometeu com a realização em breve de uma comissão geral sobre a crise hídrica. Na ocasião, parlamentares e representantes da sociedade civil e do governo debaterão o problema no plenário da Casa.

A ideia é a reunião de esforços no sentido de contribuir com propostas que tenham efetividade. Nessa perspectiva, entendo como especialmente relevante a criação do Comitê Gestor da Crise da Água no Brasil, demanda que, na condição de coordenador da Frente, encaminhei à presidenta Dilma Rousseff em dezembro de 2014.

Tratemos essa situação com a atenção que ela realmente merece. Não há espaço para inação governamental. Também não há lugar para cidadãos marcados pelo consumismo e pelo individualismo. Todos nós temos responsabilidades importantes a assumir. Que cada um comece a fazer a sua parte sem demora.

* Sarney Filho, deputado federal, é líder do Partido Verde, ex-ministro do Meio Ambiente e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista

1 comentário »
https://www.blogsoestado.com/zecasoares/wp-admin/
Twitter Facebook RSS