Saudade emprestada | DQ 206

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Trilha:

Pouca gente fala sobre, mas todo mundo já sentiu uma saudade emprestada. Parece loucura, mas saudade emprestada é mais comum que gripe no inverno. Na verdade, dá como gripe. Saudade emprestada é quando a gente ouve algo sobre sentir saudade e, mesmo não tendo saudade, começa a senti-la. Tipo aquele amigo que não consegue esquecer a ex, ou aquele filme que tem uma música que embalou algum relacionamento ou momento marcante de sua vida. Não que você sinta saudades, de fato. Passou, superou e você sequer lembra que se lembrava daquilo. Mas as sinapses daquelas emoções ainda estão ali, como numa gaveta que guarda tudo que não presta. Ela está ali tão bagunçada, que você vai procurar algo completamente diferente e encontra o que nem sabia que havia ainda guardado. Saudade emprestada é justamente isso: uma memória afetiva, com um poder de convencimento muito maior.

 A memoria afetiva é mais tranquila de controlar, uma vez que, por estar relacionado não só a pessoas, como também a coisas, ela é domesticada. É o lobo que, por conviver tanto tempo com os humanos, tornou-se seu melhor amigo. Memória afetiva é o saudosismo que traz um riso jocoso, um suspiro soletrado e passa como um resfriado. Memória afetiva traz a você, no máximo, uns dois espirros, que cura com chá, ou com um comprimido qualquer. Passa rápido. Ninguém morre. Ninguém se fere. Não muda sua rotina e nem é considerado um problema.

 Já saudade emprestada é o caos. Ela é miragem. Você já havia enterrado aqueles sentimentos— tanto que daria para encher de areia o Saara. Mas saudade emprestada cria, até mesmo num deserto de emoções, um lago bonito e irreal no horizonte. (Um puta golpe baixo criar um lago no horizonte de um deserto!). Não há esperteza ou sanidade que resistam a essa sedução. Algo que empresta saudade nos faz um tremendo desfavor. Saudade emprestada deixa acamado, engana os anticorpos e vira autoimune. Você é agora refém de si mesmo. A saudade emprestada enlouquece a gente. Faz sofrer mais do que na época da cura. Saudade emprestada fere, corrói, mata. Às vezes, sara: hoje, amanhã ou nunca. Há gente morrendo de saudade emprestada até hoje. Pensam que não superaram, porque caíram na cilada de acreditar que a saudade é  mesmo sentida, e não emprestada. É incrível, mas ninguém faz nada.

#espalheamorporaí <3

#DQ206

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