A grandeza se chama humildade

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Somerset Maugham recomendou em um de seus livros que todo juiz da eminente Corte de Old Bailey mantivesse sobre a mesa um rolo de papel higiênico, para lembrar-se permanentemente de que era tão humano quanto os acusados que ia julgar.

Recordei a sugestão ao procurar, não faz muito tempo, um figurão desta praça. Embora a consulta estivesse marcada para as quatro da tarde, ele me recebeu quando faltavam 15 para as cinco. Encontrei-o metido no imaculado avental característico da profissão. O Doutor X. estendeu-me a ponta dos dedos. Ensaiei um diálogo ameno a que o luminar contribuiu com monossílabos. Indagou direto e seco as razões de minha visita e, enquanto eu explicava, sacou uma caneta Montblanc e tomou notas num fichário ostentoso. Submeteu-me a um interrogatório recheado de preciosismos científicos e ao fim e ao cabo prescreveu-me uma batelada de exames, instruindo-me, presumido e grave, que me entendesse a respeito com sua secretária. Não sorriu uma única vez, não externou qualquer gesto de simpatia. Se eu tivesse de pintar naquele momento o retrato sem retoque da pretensão e da suficiência, não teria descoberto mais pronto e acabado modelo. O sujeito parecia absolutamente convicto de que tinha o rei na barriga. Em imediata retribuição a seus modos majestáticos, encestei no lixo, ao retirar-me, com a pontaria de um astro do basquete, a bolota de papel armada com suas requisições. Segundo inferi depois, meus males não eram sérios, tanto que continuo vivo e em excelente forma.

Ora, aconteceu que poucos dias depois, fui apresentado ao Lord Mayor of the city of London, sheriff Ian Luder. A ocasião era formal, mas em determinada altura batemos um papo de cinco minutos. O nobre inglês era a simplicidade em pessoa, apesar de correrem em suas veias rios de sangue azul.

Evoquei mais tarde uma observação de meu amigo Fernando Bicudo, sobre sua passagem pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro e, mais tarde, pelo Teatro Arthur Azevedo, em São Luís. Como eu estava querendo saber se os artistas mundialmente consagrados que se exibiram aqui eram muito cheios de si, Bicudo disparou um largo sorriso: “ – Não, PH. Um Arthur Rubinstein ou uma Aprile Millo ou um Plácido Domingos jamais bancou o importante. Os arrogantes eram sempre os medíocres”.

Conheci ao acaso, em oportunidades diversas, princesas e altas figuras da sociedade. Uma delas atendia por Princesa Dona Teresa de Orleans e Bragança. Outra, a milionária Dona Lily Marinho. E uma terceira, o bilionário indiano Ratan Tata. Todos três me trataram com polidez e cordialidade. De Dona Lily me aproximei numa convivência amável e afetuosa que dura até hoje.

Torno a rememorar neste instante o esculápio da caneta Montblanc. Só posso concluir que, se na faculdade que cursou, ensinaram noções de bom relacionamento com os pacientes, ele gazeou justo essas aulas.

Disseram-me que o Eclesiastes traz uma informação singela: o número de estultos é infinito. Já a mim ensinaram desde menino que a verdadeira grandeza se chama humildade.

2 comentários para "A grandeza se chama humildade"


  1. ANTONIO NETO

    O esqueleto de Hipócrates deve esta tremendo de indignação com esses novos médicos semi-deuses, pois esses desdoiram o juramento hipocrático e fazem de sua profissão apenas status social.

  2. Maria

    A Grandeza, atende tambem por gentileza, educaçao.E esses adjetivos,só seres humanos bem acabados,carregam em suas almas!

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