Greve na educação é eficaz?

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A greve dos professores e funcionários da Universidade de São Paulo (USP) completa 100 dias nesta quinta-feira (4).

É a mais longa paralisação da USP.

A USP é a mais importante universidade da América Latina.

Inúmeros professores da UFMA, UEMA, UNICEUMA etc. foram pós-graduados, gratuitamente, pela USP. Há doutores e mestres de áreas como Administração, Comunicação Social, as agrárias, as engenharias e as artes que estudaram nessa instituição paulista.

Muitos médicos do Maranhão, e professores dos cursos de Medicina, fizeram residência, mestrado e doutorado na USP.

O mesmo acontece em outros estados. Então, é uma greve de ressonância nacional, dentro do meio acadêmico .

Situação financeira

A situação financeira da USP está complicada. Há um déficit em suas contas.

A greve chega a um momento crítico. Alguns grupos de professores são contra e há aluno a favor, bloqueando o acesso de docentes a salas de aula.

As reivindicações são contra contenção de gastos, como o congelamento dos salários de professores e funcionários

Lucidez e filosofia

Uma das posições mais lúcidas, nesta greve, é a de professores de Filosofia.

Eles estão aproveitando a situação para discutir, de forma coerente, a ‘situação de greve’ e a própria identidade da USP.

Questionam se círculos frequentes de greve é a saída para resolver os problemas da instituição.

Crise de identidade

Os professores de filosofia reconhecem a importância das reivindicações, mas perguntam se greve é uma estratégia eficiente.
No manifesto que lançaram, eles falam em ‘crise de identidade’ da USP. “Estamos sob o sério risco de não mais sabermos o que somos e para que existimos”, diz o documento.

É interessante ler o manifesto e pensar a educação de hoje no Brasil.

Vejam o manifesto dos filósofos e quem assinou

” Se não formos capazes de aceitar que certos valores universitários devem ser preservados do conflito político e que esse mesmo conflito deve sempre mantê-los em seu horizonte, teremos então chegado ao esgotamento da ideia de universidade que esta Faculdade sempre disseminou, segundo a qual se defende a possibilidade de um saber livre das amarras tanto do pragmatismo do mercado quanto do aparelhamento  político-partidário

MANIFESTAÇÃO DE PROFESSORES DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA À COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA – MAIS ESPECIFICAMENTE À FFLCHOs professores do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas vem a público se manifestar a respeito dos preocupantes acontecimentos a que estamos submetidos, neste momento, na Universidade de São Paulo.Sabemos todos que a USP atravessa um período muito difícil, certamente um dos piores de sua notável história. Uma profunda crise financeira, gerada pela irresponsabilidade da última gestão reitoral, nos coloca em face de um quadro alarmante, com indesejadas medidas de cortes orçamentários. Por isso, não é senão natural que, nessas circunstâncias, se deflagre uma greve, por aqueles que veem seus salários desvalorizados. Também se compreende que tal mobilização abarque respeitável contingente de servidores não-docentes e servidores docentes, e que receba o apoio de parte dos estudantes. Nada disso, em princípio, deve ser tomado como algo estranho à vida universitária, onde vigoram os direitos trabalhistas básicos presentes em todos os segmentos da sociedade.No entanto, particularmente no caso da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, é preciso olhar para esse cenário com alguma cautela. Este Departamento de Filosofia, até mesmo em virtude de sua vocação para a análise crítica – vocação que decerto se exercita em todos os Cursos desta Faculdade -, considera absolutamente inadiável e urgente que se procure olhar para esses acontecimentos como parte de um arco histórico mais extenso, que remonta pelo menos há uma década, e não como um episódio isolado. E nos parece difícil, com base nessa visada mais ampla, escapar de um triste diagnóstico: os movimentos de paralisação das atividades normais a que assistimos quase que anualmente têm produzido o indesejado efeito da degradação da qualidade de nosso trabalho, especialmente em sua parte mais importante e sensível, a docência em nível de graduação, além de conduzirem a um crescente esgarçamento das relações entre as pessoas, em franca oposição àquilo que se espera de um ambiente universitário.

Greves são instrumentos legítimos de pressão e luta. Para que surtam efeito, devem criar uma situação indesejada de anormalidade que obrigue as partes em conflito a uma negociação que permita o retorno à normalidade suspensa. Greves são, pois, instrumentos fortes, que devem ser utilizados com a prudência e o senso de oportunidade que se espera de agentes políticos conscientes.

Ora, no caso desta Faculdade, observa-se um processo de introdução das greves na rotina acadêmica e, consequentemente, de sua banalização. Embora seja preciso reconhecer que algumas delas foram movidas por razões justas e que obtiveram resultados importantes e benéficos, é necessário também admitir que, quando se fazem greves com tamanha frequência, seu caráter extraordinário, condição necessária para sua força, se perde, e o resultado é a inevitável diminuição do poder persuasivo e da credibilidade dos que as promovem.

Esse déficit de credibilidade e de poder persuasivo tem levado os movimentos grevistas, nos últimos anos, a recorrer a expedientes como piquetes, obstrução de salas de aula, cadeiraços etc. Eis aí o cenário que hoje predomina nos prédios da Faculdade: o deprimente esvaziamento, causado, sobretudo, pela deserção da grande maioria dos estudantes.

Muitos docentes deste Departamento fizeram, fazem ou farão greves, na Universidade ou fora dela. Em nenhum momento isso é aqui posto em questão. O que se quer destacar é que a banalização dessa forma de luta instalada na Faculdade conduz gradativamente ao esvaziamento do sentido da instituição e à perda do papel que se espera dela, porque seus fins se veem intensamente ameaçados. Sobretudo o prejuízo causado ao ensino é preocupante, pois as consequências são claras: aumento da evasão e do desinteresse, má formação dos estudantes, além da crescente dificuldade do diálogo e da comunicação. As sempre bem-intencionadas reposições pouco podem fazer para diminuir esses efeitos e, embora em alguns casos os diminuam, acabam, muitas vezes, contribuindo apenas para maquiá-los.

A ação já costumeira da obstrução de salas de aula, impedindo que se exerçam as atividades esperadas e desejadas pela Universidade e pela Faculdade, indicam, portanto, uma preocupante transformação: as finalidades da Universidade, tal como expressas em seus Estatutos, com o intuito de preservar o espírito mesmo que animara sua criação – a produção e transmissão do conhecimento, a aquisição do espírito crítico necessário à boa formação cidadã -, vão sendo destronadas, em benefício de novos fins, de novas práticas que não são minimamente compatíveis com valores que definem a própria ideia de Universidade que nos tem sido cara, como a liberdade de pensamento e expressão, o respeito à opinião divergente como estímulo ao saudável e necessário debate construtivo de ideias, além do direito ainda mais básico de ir e vir.

Cada sala de aula vazia por imposição de força aparece a este Departamento como a negação da Universidade e, mais especialmente, de uma Faculdade que, orgulhando-se de sua condição de célula-mater da Universidade, tem a responsabilidade de pensa-la, de refletir sobre ela, de apontar caminhos para sua preservação e aperfeiçoamento. E esse trabalho do pensamento, impondo-nos certo distanciamento crítico e cautela em face dos acontecimentos, não é plenamente compatível com o voluntarismo irrefletido que tem prevalecido.

Parece-nos, assim, urgente a aceitação de que nos encontramos, nesta Faculdade, diante de uma situação ainda mais crítica do que aquela que acomete a saúde financeira da Universidade. Vivemos, na verdade, uma crise de identidade. Estamos sob o sério risco de não mais sabermos o que somos e para que existimos. Se não formos capazes de aceitar que certos valores universitários devem ser preservados do conflito político e que esse mesmo conflito deve sempre mantê-los em seu horizonte, teremos então chegado ao esgotamento da ideia de universidade que esta Faculdade sempre disseminou, segundo a qual se defende a possibilidade de um saber livre das amarras tanto do pragmatismo do mercado quanto do aparelhamento político-partidário. Está em jogo, para além dos problemas pontuais que hoje nos assombram, a preservação de nossa relevância no interior da Universidade, relevância sempre contestada e por cujo reconhecimento a Faculdade luta desde que a USP é a USP. Cabe-nos reafirmá-la, mas para isso é preciso ter a honestidade intelectual de reconhecer nossos próprios problemas e limites.

Não há pensamento crítico sem autocrítica. Está mais do que na hora de fazê-la. Caso contrário, talvez o futuro nos reserve dias ainda piores.

Assinam este documento:

Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros

Caetano Ernesto Plastino

Carlos Alberto Ribeiro de Moura

Carlos Eduardo de Oliveira

Edélcio Gonçalves de Souza

João Vergílio Gallerani Cuter

José Carlos Estêvão

Lorenzo Mammì

Luiz Sérgio Repa

Márcio Suzuki

Marco Antônio de Ávila Zingano

Marco Aurélio Werle

Marcus Sacrini Ayres Ferraz

Mário Miranda Filho

Mauricio Cardoso Keinert

Mauricio de Carvalho Ramos

Milton Meira do Nascimento

Moacyr Ayres Novaes Filho

Oliver Tolle

Pedro Paulo Garrido Pimenta

Ricardo Ribeiro Terra

Roberto Bolzani Filho

Sérgio Cardoso

Valter Alnis Bezerra

 

 

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