Encantamento com os chatos

1comentário

Creio que foi na internet – esta ferramenta miraculosa que encurta distâncias, aproxima pessoas e pela qual se difunde a maior quantidade de notícias, textos, e-mails e apresentações de Power Point de que jamais deveríamos tomar conhecimento – que li alguém sugerindo a criação oficial do Dia do Chato. Espantosa ideia! Depois, pensando melhor, me ocorreu que ninguém, até hoje, respondeu de onde vem esse encantamento com os chatos.

Os chatos se nutrem de uma imensurável simpatia que as pessoas comuns lhes devotam. Há uma aura em volta da cara de pau do chato, o chato brilha, arranca suspiros das moças e conquista a admiração dos homens. O que conforta os que não saturam o mundo de chatice é que os cães sempre flagram o chato, e o esnobam. O cachorro não lambe as botas do chato – quase todo o resto se curva a ele e a ele dirige doces palavras.

O chato gosta de falar de si, e o eu do chato é, invariavelmente, maior, mais reluzente, mais sedutor, competente e confiável do que o eu de uma pessoa comum, de uma pessoa para quem o eu não passa de um pronome.

O chato narra em terceira pessoa as aventuras do eu que ele feliz e orgulhosamente carrega e exibe nas rodas sociais, nas casas noturnas, nos almoços de trabalho.

O chato é o Proust de si mesmo, o Picasso dos feitos inesquecíveis do seu eu extraordinário.

O chato está acima dos demais, dos que lhe rodeiam, dos que lhe cercam ávidos por ouvir as histórias surpreendentes do seu eu único. Ele conhece todos os assuntos, experimentou quase todas as sensações humanas, tem exemplos pessoais a dar para qualquer situação ou para qualquer problema por que passe o seu interlocutor. Jamais fica em dúvida, nunca sofre crises de consciência e é incapaz de hesitar em fazer o que a sua personalidade percebe como o correto.

Porque nunca erra, o chato faz-se adorável para quem lhe ouve e para aqueles que com ele convivem.

O Dia do Chato. Quem sabe algum político da nossa Assembleia não apresenta o projeto para criar a efeméride? Dispensável dizer que o Dia do Chato deveria ser feriado estadual? Pois eu acho que sim, ao menos para que pudéssemos ficar em casa, afastado da presença e da voz dos chatos.

Se a ideia vingasse e ainda propusessem a criação de uma Estátua do Chato na Praça João Lisboa, creio que o povo não se negaria a colaborar com sugestões de personagens que servissem de modelo para o hierático busto de bronze.
Catálogo de chatos
Vou publicar hoje vários tipos de chatos que cataloguei no cotidiano da cidade:
Chato Quebra-Agenda – É aquele chato que tão pronto topa com você vem logo pedindo: “O senhor me concederia alguns minutos do seu tempo?”
Chato Semântico – É o chato que está conversando todo o tempo com você sem prestar atenção no mérito do que você diz. Ele só presta atenção no português que você usa. E, quando você incorre num erro, ele interrompe sua fala para salientá-lo e corrigi-lo. Dá vontade de dar um murro nesse tipo de chato. Quero informar num acesso de humildade que por vezes incorro nesse tipo de chatice.
Chato do Adianto – É aquele jornalista que escreve uma ótima matéria para seu jornal, antes de baixá-la para a edição fica mostrando o seu golaço a todos os colegas da Redação que encontra. Todos são obrigados a ler, isso que vão ter de ler novamente quando o texto for editado. Quero confessar que cometo esse tipo de chatice todos os dias.
Chato Etário – É aquele chato que, na conversa, fica espreitando tudo que você fala para achar a oportunidade de manifestar a sua ancestral chatice, basta que você lhe conceda a deixa na conversa e ele ataca: “Qual é a sua idade?” E logo compara a sua idade com a dele, as vantagens e desvantagens. Muitas vezes incido nesse execrável erro. 
Chato Autoral – É o ótimo cantor a quem você vai ouvir no teatro ou na casa noturna, pagando até ingresso muitas vezes para vê-lo, mas chega lá e é obrigado a ouvir várias músicas que ele compôs. Ora, a gente vai lá para ouvir um excelente cantor, não ouve, acaba ouvindo um péssimo compositor. Em São Luís é freqüentíssimo na noite esse tipo de chato abominável. O oposto a esse chato é o grande compositor que é péssimo cantor, mas insiste em interpretar todas as suas músicas. Esse tipo de chato é relevado pela curiosidade que se tem sempre de ouvir a criação na própria voz.
Chato do insuperável – É o sujeito que, numa Redação do jornal, numa roda de médicos ou engenheiros ou de advogados, submete o seguinte ao chefão: “Estou de posse de um trabalho magistral, você quer aproveitá-lo?” E o chefão pergunta: “De quem é o trabalho”? E o chato responde: “Meu”.

1 comentário para "Encantamento com os chatos"


  1. Carinhosa

    AHAHAHA! Adorei!

deixe seu comentário

Twitter Facebook RSS