Se eu vivesse outra vez, trataria de ganhar mais dinheiro para não precisar jamais dele. Cuidaria de ficar longe do Brasil e das pessoas, principalmente daquelas que se devotam ao ódio e à vulgaridade, às trevas e à inveja, e riem de hábito como as hienas, e eventualmente mordem como os cães pouco afetuosos.
Tentaria gostar de praias ensolaradas ao contrário de preferí-las frias e sem banhistas, como nos filmes suecos de Ingmar Bergman.
Perderia tempo jogando baralho, tivesse ou não trunfos na mão, para ter a certeza de que nada é mais urgente do que a falta de urgência.
Procuraria amar uma quantidade maior de pessoas do que seria capaz, a fim de restar cansado para ouvir o fôlego das plantas sobre relvas e rastrear o hálito das flores.
Procuraria esconder a tíbia vontade de ficar só entre cadeiras antigas, memórias que se esticam como elastômeros e velhos chinelos egressos dos pés dos espíritos.
Dispensaria todos os veículos para andar somente a pé e urdiria meu ócio até que eu próprio não me reconhecesse.
Felizmente, não terei outra vida.