Uma voz chamando de Paris

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Março 1

Dias desses recebi um telefonema de Paris. Uma amiga, a cantora Anna Torres, desejava ternamente bom Carnaval e descrevia a paisagem gélida da mais bela cidade do mundo.

Por uma dessas casualidades, haviam-me dado de presente na véspera o Dicionário Amoroso da América Latina, uma das mais sedutoras obras de Mario Vargas Llosa. Lançado há pouco tempo em português, o livro era um presente de um velho amigo, que acertou com rara intuição o que eu poderia gostar de ler nos feriados.

O nome Dicionário pode talvez assustar. Ledo engano. Por detrás desse título se esconde uma declaração de amor a esta parte do continente em que vivemos, com largo espaço para o Brasil, de Jorge Amado a Guimarães Rosa, de Rubem Fonseca a Euclides da Cunha. E ainda sobra lugar para o Carnaval, o futebol e o Rio de Janeiro.

Mas o que mais me atraiu nos ensaios de Vargas Llosa foi seu amor a Paris. Conheci a cidade em 1982 – e a ela retornei o que me parece um milhar de vezes, seja pessoalmente, seja em livros, em filmes ou em discos. O que me ficou de toda essa experiência múltipla foi que Paris é eterna, mas quem realmente a reinventou foi a Geração Perdida. Ninguém melhor a retratou do que Ernest Hemingway em Paris é uma Festa.

O que não sabia – e aprendi agora – é que não houve apenas uma geração, e de um único hemisfério, apaixonada por aqueles mágicos domínios que vão de Montmartre a Montparnasse.

“Depois que escrevi meus primeiros contos”, narra Vargas Llosa, “me convenci de que nunca chegaria a ser um verdadeiro escritor se não fosse viver em Paris. Isso pode parecer muito ingênuo, mas há meio século, tenho certeza, essa ilusão era compartilhada por inúmeros jovens de todos os rincões do planeta. (…) Quando por fim consegui realizar meu sonho de viver na cidade, a primeira coisa que aprendi na França foi, na verdade, descobrir a América Latina e descobrir a mim próprio como latino-americano. (…) Meus sete anos parisienses foram os mais decisivos de minha vida. Aqui me fiz escritor, aqui realmente descobri o amor-paixão de que tanto falavam os surrealistas e aqui fui mais feliz, ou menos infeliz, que em qualquer outra parte.”

Fico por aqui, ou acabo copiando o Dicionário inteiro. É um desses livros inesquecíveis e plenos de verdade, o que significa cheios de vida.

A mais bela crônica que jamais escrevi foi Primavera em Paris. Depois de ler o Dicionário de Vargas Llosa, eu a reescreveria com igual paixão.

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