Os sinos dobram pela alegria de viver
Enquanto inauguramos neste domingo o trigésimo ano de circulação do caderno PH Revista, de O Estado do Maranhão, percebe-se nas luzes da cidade que já está inaugurada há vários dias a temporada dos sinos que – ao contrário dos que dobravam pelos mortos no célebre romance de Ernest Hemingway – batem pela euforia dos que compram ou vendem alguma coisa, neste baile do consumo que se instala no comércio.
Os diretores de criação das agências de publicidade trabalham febrilmente para ajudar o “Bom Velhinho” a gastar o nosso 13º salário, neste clima de “Gingle Bells”, animado pelas festas familiares, as trocas de presentes entre “amigos secretos” e a compulsão de celebrar-se a vida no Natal – que quer dizer exatamente isto: vida nova, a partir de um renascimento.
Os supermercados estão cheios, as lojas vendem os seus artigos como pão quente, dinheiro na mão do consumidor é pura “comichão”, para não repetirmos o verso da canção, segundo a qual “dinheiro na mão é vendaval”…
Pena que, em face do recente crescimento nas vendas do comércio, alguns empresários já se apressem em recuperar margens de lucro. Não é hora de ser “esganado”! É hora de reconquistar mercados, corações e mentes – porque o dinheirinho do povo ainda padece de visível anemia, exibindo as faces descoradas daquela efígie do Real – a figura da República – o rosto lívido como a máscara de um cadáver.
Por que cargas d’água os comerciantes não baixam as taxas de juros do crédito direto ao consumidor? Usura. Fissura pelo lucro desmedido. Mas, um dia, nosso empresariado – tão açoitado pelos impostos – vai descobrir aquela singela filosofia que move o mundo desenvolvido. Ganhar em escala. Vender muito por menos. E não pouco por mais.
O Brasil é o país dos sinais trocados. Enquanto sobra mês no final do dinheiro, o governo aumenta a sua carga tributária. E quando acontece uma tênue perspectiva de sobrar um pouquinho de dinheiro no final do mês, vem o governo e ameaça:
– Olha esse consumo aí! Vamos devagar com essa festa, ou vamos ter que aumentar a taxa de juros pra segurar a inflação!
De qualquer maneira, não deixa de ser uma evolução do “deus-mercado”: há pouco tempo o governo não caçava “consumistas”, mas “comunistas”. Ou seja, além dos sinos, há uma bela novidade na gôndola da democracia.
Quando coloca “algum” no nosso bolso – gesto raríssimo, pois o sorvedouro fiscal se move no sentido contrário – o governo logo começa a imaginar uma maneira de punir esses “vândalos consumistas”. Esses seres frívolos, que vivem tentando compensar o seu vazio existencial com uma dentadura nova, um carro semi-novo, uma viagem ao Caribe ou uma reconfortante excursão ao sabor – a compra de um quilo de camarão fresquinho, só para cultivar alguns sorrisos no almoço de domingo.
Esperemos que depois deste Natal, que tem tudo para ser o melhor dos últimos anos, a aurora do dia 1º de janeiro não traga surpresas desagradáveis, como o aumento do preço dos combustíveis, ou um certo fermento nas alíquotas dos impostos.
Todos os anos os governos – nos seus três níveis federativos – se habituaram a vir à boca de cena anunciar:
– Não haverá aumento da carga tributária!
E todos os anos aumentam as alíquotas do IR, do IPTU, do IPVA, do ICMS, do ISS e de toda essa sopa de letrinhas que engrossa a nossa desgraça tributária.
Se depender de mim – leitor, leitora – lançarei um único imposto para o Ano Novo:
– Gastem todo o 13º salário em festas e em pequenos prazeres!
Convido o gentil leitor deste caderno que hoje inaugura sua terceira década de circulação dominical a partilhar comigo esse momento de “estroinice” e de irresponsabilidade orçamentária. Feche os olhos, faça um secreto pedido – e molhe os lábios num espumante geladinho, suave como a noite que desce lentamente.
E deixe os sinos tocarem só pelo seu prazer de viver.