Crônica de José Fernandes: “FANTASIAS DE NATAL”

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AS OCORRÊNCIAS exóticas, extravagantes e extraordinárias mexem com a nossa imaginação e nos deixam cismados, em dúvida entre a realidade e a fantasia. Entre algumas que me causaram empatia, uma, descrito há anos, me causou perplexidade, diante da austeridade do autor, Austregésilo de Athayde, então respeitabilíssima e sisuda figura da imprensa nacional e presidente da Academia Brasileira de Letras – um fato fora do comum, avesso aos temas que lhe eram peculiares, publicado em toda a cadeia dos “Diários Associados” e lido por mim no Correio Braziliense.

Conta ele que na noite de Natal do ano de 1932 encontrava-se exilado em Paris, solitariamente hospedado num pequeno hotel quando, vestido e atirado na cama, entre a vigília e o sono, a telefonista pediu-lhe que fosse ao salão, onde uma senhora desejava avistar-se com ele.

Aturdido e surpreso, pois que naquela “Cidade Luz” não conhecia ninguém que pudesse procurá-lo em tão alta hora da noite, quase como um autômato desceu ao andar térreo pela escada e em questão de segundos estava diante de uma jovem senhora vestida de forma estranha para a época que, ao cumprimentá-lo, passou a referir-se a um país distante, cheio de sol, de florestas, de verdes mares quentes onde era doce viver.

Aí, então, ouviu sinos, ao longe, chamando os fiéis à Madeleine. Reparando que era meia-noite, quis reter a jovem para maior entendimento e viu que, misteriosamente, ela já não se encontrava no salão frio e solitário do modesto hotel parisiense. Correu à portaria e o porteiro informou-lhe que ninguém passara por ali nas últimas duas horas.

E o mestre Austregésilo concluiu o seu relato dizendo que, após esse episódio, correu-lhe certa angústia ao lhe vir à memória aquela estranha figura, que lhe deixara a impressão de ser um devaneio ilusório, apenas imaginado por um homem cujo espírito se entretinha com as recordações de sua pátria distante…

Presentes de Papai Noel

Essa narrativa me leva a recordar um pequeno caso, diferente, mas também relacionado ao dia de Natal, acontecido na minha cidade interiorana, quando, aos quatro anos de idade, fiquei sabendo que as crianças ganhavam presentes de Papai Noel, presentes que eram deixados debaixo das redes, pois estas, as redes, eram o leito mais comum de crianças e adultos da pequena urbe.

Numa véspera desse grande dia, fiquei ansioso, inquieto e fui dormir bem cedo, esperando o presente que certamente me seria destinado.

De tanta ansiedade, acordei bem cedinho, antes do sol nascer; olhei debaixo da minha rede e não havia nada, nenhum presente; só ouvi uns ruídos na varanda de nossa casa – seria um fantasma? – pensei, nervoso. E como a curiosidade era maior que o medo, quase ao nascer do dia, como o ruído continuava, fui ver o que era e encontrei meu pai muito ocupado, trabalhando como se fosse um marceneiro. Achei estranho, mas como estava triste por não haver recebido o brinquedo desejado, e criança tem muito sono, tornei a deitar e dormi novamente.

Depois das seis da manhã, acordei, levantei-me e, surpreso, encontrei debaixo de minha rede um aviãozinho de madeira, bonito e bem feito; tinha até uma hélice que funcionava com o vento. Fiquei contentíssimo e saí mostrando a minha prenda para as pessoas de casa e para quem encontrasse pela frente, agradecido com a lembrança de Papai Noel ter-me presenteado com algo tão precioso. 

Somente alguns anos depois, quando já descortinara o véu que envolvia a benévola lenda de Papai Noel, é que passei a recordar, com carinho, o belo gesto de meu pai ao consumir-se, numa fria madrugada de um começo de inverno para, mesmo sem ser marceneiro, mas alicerçado pelos dons do amor, transmudar um pedaço de madeira e com ele construir um brinquedo para me ver feliz – o brinquedo mais precioso recebido no decurso de minha infância, no interlúdio mágico de uma noite de Natal.

José Fernandes é membro da Academia Ludovicence de Letras, autor, entre outros, do livro “Dor, Amor e Poesia”

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