Crônica de José Fernandes: “Apesar de contestado, um vencedor”

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Escritor Paulo Coelho

NA DÉCADA de 1970 pontificou na mídia o nome de um cantor que se tornou famoso pelo seu estilo psicodélico, trajes, bamboleios e traçados exóticos – Raul Seixas – que encantava o público com músicas como “Maluco Beleza” e outras, como uma em que dizia ter nascido “há dez mil anos atrás”.

Poucos sabiam, na época, que o roqueiro tinha um comparte, um parceiro jovem, também sonhador como ele, mas de pouca ou quase nenhuma visibilidade, compositor da maioria das letras musicadas da dupla. Seu nome, Paulo Coelho, é o mesmo Paulo Coelho que, anos depois, tornou-se um fenômeno literário, com milhões de livros traduzidos e espalhados por dezenas de países e, como dizem que ele é mago, é possível estar sendo lido em regiões ignotas.

 No entanto, esse campeão de vendas, apesar de um dos seus livros – O alquimista – ser a obra literária mais vendida no Brasil e uma das mais lidas no mundo, foi (ou é?) um escritor estigmatizado, criticado asperamente por certos setores da imprensa, considerado por alguns como um autor medíocre, que não merece a celebridade que desfruta. Até leitores que dele mal leram uma única obra entendem imerecida a sua entrada na Academia Brasileira de Letras, esquecendo-se, tais “críticos”, que naquela maior casa literária do país já se sentaram, como “imortais”, gente de pouquíssimas letras, como aquele ministro de um tribunal superior incapaz de escrever um bilhete sem erros, como expressou famoso crítico nacional.

Assisti, há pouco, uma entrevista concedida pelo execrado autor a um jornalista estrangeiro que, a certa altura, perguntou-lhe:

– Senhor Paulo Coelho, um “admirador” pede que explique por que você, sendo um mal escritor, vende milhões de livros?

Eis a tranquila resposta do entrevistado:

 – Eu nunca disse que sou um grande escritor. Digo sempre que sei muito bem vender meus livros, e isso não prejudica ninguém…         

  De Paulo Coelho já li, e apreciei, os livros Diário de um mago, O alquimista, Nas margens do rio Piedra eu sentei e chorei, Maktub, O Monte Cinco, Manual do guerreiro de luz, Verônica decide morrer e A caminho de Santiago – todos me proporcionaram uma leitura agradável.

 Agora mesmo, desse escritor, por tantos vilipendiado, estou lendo Histórias para pais, filhos e netos, um denso volume de quase 400 páginas e mais de 200 contos breves, contendo historinhas com exemplos edificantes contadas pelas mulheres e pelos homens mais sábios da Terra, extraídos e resumidos de obras antigas e modernas, em linguagem lúcida e atual, que só um escritor de bons conhecimentos literários é capaz de coligir – textos que podem ser qualificados como de real utilidade para “pais, filhos e netos”.

Desse aludido compêndio, transcrevo, logo adiante, por minha conta e risco, trechos de uma prece escrita por Paulo Coelho, lá pelos anos de 1980, quando ainda era um quase desconhecido parceiro do roqueiro Raul Seixas:

(…) Senhor, proteja as nossas ações, porque a Ação é uma maneira de rezar. Fazei com que o pão nosso de cada dia seja fruto do melhor que temos dentro de nós mesmos. Que possamos, através do trabalho e da Ação, compartilhar um pouco do amor que recebemos. E para que isso seja possível.

Senhor, proteja os nossos sonhos, porque o Sonho é uma maneira de rezar. Fazei com que, independentemente de nossa idade e de nossa circunstância, sejamos capazes de manter acesa no coração a chama sagrada da esperança e da perseverança. E para que isto seja possível.

Senhor, dai-nos sempre entusiasmo, porque o Entusiasmo é uma maneira de rezar. É ele que nos liga aos Céus e à Terra, aos homens e às crianças, e nos diz que o desejo é importante e merece o nosso esforço. É ele que nos afirma que tudo é possível, desde que estejamos totalmente comprometidos com o que fazemos. E para que isto seja possível.

Senhor, proteja-nos, porque a Vida é a única maneira que temos para manifestar o Teu milagre. Que a terra continue transformando a semente em trigo, que nós continuemos transmutando o trigo em pão. E isto só é possível se tivermos Amor – portanto, nunca nos deixe em solidão. Dai-nos sempre a Tua companhia e a companhia dos homens e mulheres que têm dúvidas, agem, sonham, se entusiasmam, e vivem como se cada dia fosse totalmente dedicado à Tua glória. Amém.

Esse pequeno texto mostra que Paulo Coelho, desde novinho, já era um inspirado homem de letras.

José Fernandes é autor, entre outros, do livro “Luso Torres, General, Escritor e Estadista”.

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