Crônica de José Fernandes: “À lume, os primeiros versos”

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MAL SAÍDO da adolescência, eu trabalhava aos pés da escadaria da rua do Giz desta ilha aprazível, (rua que acaba de ser eleita a mais bonita do Brasil), numa gráfica em que eram editadas duas  revistas, uma – Jaguarema-, voltada à literatura, e a outra – O Chicote -, popular, irreverente e debochada, ambas sob a direção do dono da pequena empresa, o calejado jornalista, redator de O Combate, Nonato Gonçalves, meu chefe e amigo, e depois meu colega dono de gráfica, a quem sucedi, anos depois, na presidência do sindicato patronal.

Convivendo com letras e letrados, terminei cometendo uns versinhos, que alguns aficionados ao gênero, frequentadores daquele ambiente, por complacência, incentivaram-me a publicá-los. Com tais estímulos, enfeixei-os em aprimorada brochura e dei-lhes um título – Poemas do Início – título sugerido por José Nascimento Morais Filho, já consagrado com a publicação do seu longo poema, Clamor da Hora Presente –  e saí em busca de quem o editasse.

De tanto procurar, dei com os costados numa repartição recém-inaugurada, a Diretoria de Cultura do Estado, instalada modestamente no pavimento superior de uma casa, no início da rua de Santana.

Sem nenhum protocolo, posto que a sede da instituição que concentrava os assuntos de cultura do Maranhão consistia num único salão desprovido de recepção, falei com as duas jovens ali presentes, que se apresentaram como sendo a diretora do Departamento e sua assessora. Receberam com gentileza este neófito escriba, modestamente vestido. Expus o meu pleito, deixando-lhes o livrinho, e recebendo a agradável promessa de que o meu pedido seria bem acolhido.

Eufórico, duas semanas depois voltei àquela repartição destinada à promoção da cultura. Com rapidez fui atendido, com a mesma cordialidade anterior, e logo fui informado, com certo constrangimento, que haviam lido o livro, gostado muito, e o publicariam sem ressalvas caso dispusessem de verba para a edição; muito sinceras, confessaram que, na verdade, a Diretoria que dirigiam ainda não estava devidamente estruturada, não possuía independência financeira nem verba para empreender. Concluí, então, o que já previra: aquele órgão era composto somente por aquelas duas, e únicas, simpáticas executivas, com muita disposição para o trabalho e, por certo, competentes, mas sem o elemento principal – dinheiro -, para cumprir o seu papel institucional.

Não irei muito além, neste retrospecto, aqui resumido, para, sem mais delongas, concluir que a minha pretensão editorial se concretizou de outra maneira e de modo simples, isto é, sem necessidade de desabastecer os “minguados” dinheirinhos do Governo: Como exclusivo interessado na publicação da obra, acumulei alguns trocados, comprei o papel suficiente e, com a amável aquiescência do dono da tipografia em que trabalhava, eu mesmo, gráfico que era, compus, imprimi e, com a ajuda dos colegas, encadernei a minha pretenciosa coletânea de versos – um exemplar daquela suada edição ainda repousa numa das empoeiradas estantes da Biblioteca Pública Benedito Leite sob o título “Poemas do Início”.

E para não deixar a narrativa incompleta, informo que as jovens a quem me dirigi em busca de incentivo cultural, que com boa vontade me receberam mas nada puderam fazer por mim – uma, a diretora, se minha pobre memória não se engana, provavelmente feliz, hoje, está em outra dimensão, e a outra, a assessora, benévola criatura, prossegue atuando, mesmo em idade provecta, em defesa dos direitos humanos.

José Fernandes é membro do IHGM, da Academia Ludovicense de Letras e autor, entre outros, do livro “Dor, Amor e poesia” – vida e obra do poeta e andarilho Pery Gomes Feio.

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