Crônica de José Fernandes: “Sem Noção”

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Inteligentemente assimilados, os erros podem transformar-se em bons ensinamentos

ESTES BREVES relatos envolvem elementos semelhantes aos que contém o texto anterior, também um tanto incômodos – recordam atos irrefletidos, de descontrole juvenil.

A primeira situação, que exporei brevemente, deu-se quando, em uma festinha, dancei, seguidamente, com uma garota e, como eu era apressado e prático, começamos a namorar. Na verdade, estava com alguns pileques na cabeça, passando por uma fase dispersiva, ou, para ser franco, uma fase de total insensibilidade. Resultado: quando a vi, dias depois, de longe, preconceituoso que era, achei-a gorda para o meu gosto. Fiz-me de esquecido do entusiasmo da noite dançante e, para provável decepção por parte dela, passei a tratá-la à distância, como se nenhum aconchego, antes, houvesse ocorrido entre nós.

Outra ocasião, procurando lazeres, em um domingo suburbano, passei por uma casa em que, numa sala ampla, se realizava uma festinha dançante, entre pessoas que me pareciam íntimas. Postava-se debruçada na janela uma jovem bonita; aproximei-me e com ela entretive uma longa e promissora conversa. Não demorou – coisa de gente muito jovem -, parecíamos pessoas de longo convívio. Quando nosso rápido namoro estava praticamente engatilhado, ela me convidou a entrar para dançarmos. Entrei e, ao entrelaçá-la para a dança, me inteirei de seu imenso tamanho, em comparação com o meu metro e meio de estatura. Eu era complexado, na época, a tal ponto que brigava com quem me chamasse de baixinho. Saí furtivamente daquele recinto, “à francesa”, para evitar maior constrangimento.

Entrementes, vivi outra embaraçosa situação, nesses tempos de conquista rápida. Num dia de folga, andei na rua de um certo bairro de nossa cidade e, por nova coincidência, deparei-me com uma jovem simpática, debruçada na alta janela de sua casa.

Não me contive. Para não perder a chance, inventei um pretexto e passei a conversar com a moça. Levei nossos assuntos para o âmbito da intimidade e antes de meia hora já nos envolvêramos sentimentalmente – ela continuando a emoldurar a janela e eu, embaixo, numa distância mínima de três metros.

Estávamos bastante entrosados nas nossas pretensões quando eu lhe pedi que descesse para darmos um passeio ali por perto.

Imediatamente ela desceu. Com a maior naturalidade, veio à rua e, ao aproximar-se de mim, constatei que a moça tinha uma deformidade na perna, claudicava ostensivamente, levando-me a, por ela, sentir pesar, eis que, na época, tudo me causava pudor. Desta vez, fui sutil. Não quis que a garota bonita percebesse o meu vexame, o meu sem jeito diante de seu defeito físico. Tratei-a com amabilidade. Percorremos algumas quadras conversando, e, cordial, deixei-a em casa, gentilmente, prometendo um retorno que, com certeza, sabia que não iria acontecer.

Aos poucos, eu já estava melhorando de procedimento, aprendendo a ser compassivo, mais tolerante.

Os tempos mudam – hoje tudo isso me seria natural. Fui-me educando, paulatinamente, controlando minhas emoções. O tempo, mesmo à nossa revelia, torna-se, pouco a pouco, um excelente instrutor.

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