Crônica de José Fernandes: “Eles foram primeiro”

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DE FORMAÇÃO cristã, sou um dos que nutre a convicção de que estamos de passagem, aqui nesse orbe, para cumprir missões que, por vezes, nós mesmos nos atribuíramos quando ainda estávamos tramitando em outras dimensões. Algumas raras ocasiões, acredito, tais missões são logo cumpridas, redimindo débitos cármicos ou porque já encerraram o trabalho que lhes competia junto aos que aqui ficaram. Porém, muitas missões não são resgatadas, ficam inconclusas, cabendo ao espírito não remido, nesse caso, retornar à dimensão anterior, para completar os resgates, tantas vezes quantas forem necessárias. Essa é a minha modesta convicção, depois de vários anos de especulações e experimentos, até estes dias – crença minha e de alguns milhões de seres humanos espalhados pelo planeta.

Sabendo que somos imortais, que a morte não é definitiva, de vez que nosso espírito se submete a um processo evolutivo em outras “moradas de Deus”, como nos diz a Bíblia, mesmo assim sentimos grande saudade quando pessoas queridas saem, definitivamente, do nosso convívio. Esse vazio, essa ausência do ente amado que nos oprime o peito, independem de nossas convicções religiosas ou doutrinárias. Sempre se fazem presentes, com intensidade ou não, dependendo do nosso desenvolvimento moral.

Cultivando esses sentimentos, plenamente normais e humanos, fiquei muito triste e abatido com o recente passamento de minha irmã, Cleide, pessoa alegre e comunicativa até quando partiu para outro plano, a terceira de minha pequena família que deixou a terra, antecedida pelos nossos pais. Assim, do nosso clã original de quatro pessoas, só restou a mim mesmo, com a minha saudade e minhas perspectivas de reencontro, além, é claro, do afeto dos parentes e amigos próximos. Esse é o ciclo da vida material, que devemos respeitar, quer nos conformemos ou não.

Lembro a quem leu o meu livro de crônicas – Ao longo do Caminho – que, no seu último texto, conto que, num dia ainda não distante, houve uma reunião de conterrâneos-contemporâneos, constituída por um grupo de velhos amigos que estivéramos juntos, em várias oportunidades, através dos anos, discutindo, planejando e resolvendo problemas específicos. Mas aquele nosso encontro, ali, havia sido programado, apenas, para “jogar conversa fora”, para reforçar nossa amizade, relembrar nossos tempos áureos de sonhos e ilusões, de luta pela nossa terra comum, e, ainda, para uma conversação leve, que fosse agradável, fora de agenda, como realmente ocorrera: evocações idílicas, revelações intimistas, piadas e gozações – a mais agradável reunião dos últimos anos.

Éramos cinco ararienses amigos: José Bastos, advogado e professor; o autor destas linhas, advogado e pesquisador; Antônio Rafael Silva, médico e professor; Leão Santos Neto, empresário,  gestor público e, naquele momento, anfitrião, e Aziz Santos, economista e psicólog.

Como se fora uma premonição de Aziz, que havia tomado a iniciativa do colóquio, aquele parece haver sido um encontro marcado para que, sem que ninguém previsse, nos despedíssemos de Leão, que estava, até então, como sempre estivera: alegre, otimista e participativo.

Não demorou muito tempo, depois daquela congregação afetuosa, Leão partiu para outro plano, outra dimensão, para o Oriente Eterno, como ele próprio diria, maçom que era.

 Aquela foi, precisamente, uma despedida festiva, como ele gostaria de fazê-la, e a fez, como anfitrião, pois, congregar-se festivamente com a família e com os amigos era o que o deixava mais feliz.

 Não será preciso dizer que Leão fez de sua vida uma trincheira de lutas para vencer obstáculos em prol de suas convicções, como administrador, excelente para a família, indispensável para os que o conheceram de perto, como nós. Teve adversários, é evidente, todo político os têm. Mas não inimigos, eis que não me consta haver prejudicado alguém, nem procedido de maneira contrária aos bons costumes.

 Leão não era somente o fraterno confrade. Era, acima de tudo, o companheiro solidário de todas as horas, comungante dos anseios e das ideias que sempre consideramos corretas, durante mais de meio século, sem pausas ou intercorrências. Foi o substituto, sem equivalente, do irmão carnal que não tive.

 Daí é fácil deduzir o sentimento de ausência, de vazio sentimental que senti e ainda sinto, mesmo sabendo que ele apenas foi primeiro, como já foram, por último, outros seres que mereceram o meu apego, a minha especial estima – minha irmã Cleide, Muniz Pinto, Totó Vale e outros, que também partiram, planificando o caminho para nós outros, que, ainda, aqui estamos, sob a graça de Deus, amém!

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