A cidade nova, o candidato e o circo

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São Luís OS LANCES a seguir, se fossem escritos minuciosamente, dariam um conto extenso, próximo à ficção. Aqui tentarei sintetizá-los, neste espaço restrito.

Em 1954, este escriba, desajeitado, mal saído da adolescência, era repórter neófito do Jornal do Dia. Por esse tempo, o médico Milton Ericeira, conterrâneo que eu estava ajudando a eleger deputado estadual, apresentou-me ao coronel Pedro Gonçalves, político influente em Vitória do Mearim. Os dois queriam, e o Governo do Estado também, desmembrar mais um pedaço do território de Vitória do Mearim para criar um município novo, que o coronel comandaria politicamente, doando, para viabilizar a pretensão, grande extensão de suas terras. O dr. Milton interessava-se por esse projeto de olho nos votos que obteria dos futuros eleitores do novo município, e eu, a pedido de ambos, escrevi, por juvenil solidariedade, algumas matérias em prol daquele projeto, que se concretizou.

O município foi criado pela Assembleia Legislativa, com o nome de Pio XII, assim como dezenas de outros, na época, sem estrutura funcional. Participei do ato de sua instalação, ao lado dos políticos acima citados, e ajudei a redigir a ata de instalação da nova unidade federativa, em ato presidido pelo juiz da Comarca, Abraão Faray, sendo Pedro Gonçalves, obviamente, nomeado seu primeiro mandatário.

Passado algum tempo, fui à sede do município, o antigo povoado Satubinha, em um período próximo às eleições para o poder legislativo. Estava entrevistando o prefeito Pedro Gonçalves para uma reportagem que foi publicada na revista por mim editada – Hinterland – quando um “teco-teco” aterrissou no minúsculo campo de pouso da cidadezinha e, logo após, seu piloto foi até o prefeito e gentilmente o convidou a ir até o campo onde o proprietário da aeronave, um dos mais ricos empresários do Maranhão, iria lhe propor e entregar, em moeda corrente, a quantia correspondente aos votos que o prefeito lhe atribuísse, caso aceitasse apoiá-lo para deputado federal (naquele tempo, isso era comum – ou ainda é?).

O prefeito Pedro Gonçalves, homem idoso e adoentado, não querendo submeter-se ao sol quente daquelas três horas da tarde, chamou-me à parte e pediu-me que o representasse perante o candidato, e lhe dissesse ser impossível aceitar sua proposta, entre outros motivos, o de ele se haver comprometido com o governador Newton Belo a votar, para deputado federal, no coronel Amorim, então secretário de Segurança Pública.

Com o entusiasmo dos meus poucos anos, fui até a pequena aeronave e dei ao político rico a resposta do prefeito. Como este, inconformado, insistisse na proposta, dizendo das vantagens daquela “negociação”, para me livrar da insistência, passou-me pela cabeça uma ideia de proposta que eu mesmo julgava impossível de ser cumprida, e disse-lhe: “Senhor …, o prefeito pediu também para lhe dizer que a única possibilidade de ele não atender o pedido do governador seria se algum candidato, antes da eleição, doasse um motor e fornecesse energia elétrica para iluminar as cinco ruas da cidade”.

Acredite se quiser, respeitável público: Três meses depois, antes das eleições, um potente motor elétrico levou luz às lâmpadas incrustadas em postes, iluminando as ruas de Satubinha.

Entretanto, não terminam aqui as minhas ligações com aquela cidadezinha.

Três anos se passaram e, querendo ampliar os meus negócios, aproveitei o elo que mantinha com o município, e voltei lá, para instalar uma pequena indústria de torrefação e moagem de café, levando, como convidado, o amigo João Francisco Batalha, hoje conceituado historiador. O prefeito da cidade já era Elias Faad, que nos acolheu muito bem, quis acomodar-nos na sua residência, mas recusamos, pois já estávamos instalados na pequena pensão de Dona Júlia.

Conversamos bastante, eu e o chefe da comuna, e em meio da conversa, sabendo que eu gostava de ler à noite, prometeu-me, e cumpriu, estender por mais uma hora, isto é, das 21 às 22 horas, a luz elétrica na cidade, a fim de que eu dispusesse de mais tempo para minhas leituras que, na realidade, consistiam somente numas alienantes estorinhas do faroeste americano. Com esse gesto gentil, o prefeito Faad, fizera a cidade agradecer-me por lhe ter proporcionado, embora por acaso, a iluminação que desfrutava.

Na segunda noite de nossa estada, decidimos assistir a uma sessão do circo que se apresentava na cidade. Chegamos, todavia, atrasados, como já contei alhures: as pessoas estavam saindo do recinto circense, inclusive o amigo prefeito que, para não ficarmos frustrados, autorizou o dono do circo a repetir, para nós, a exibição da noite, com palhaço, comédia, trapézio e tudo.

Assim é que, aboletados no rústico poleiro, eu e o Batalha, por benevolência do prefeito Elias, assistimos a reprise do espetáculo mambembe, naquele simpático escaninho sertanejo.

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