Crônica de José Fernandes: “Um templo na solidão do Agreste”

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Dependendo de férrea vontade e esforço, você pode edificar o seu próprio templo, mentalmente, e nele se situar, interagindo com o destinatário de sua devoção

TENHO VERDADEIRA atração por templos, de quaisquer crenças e doutrinas cristãs. Por onde ando, os visito. De preferência os de aspectos mais antigos, os que exalam cheiros de parafinas e incensos. Mas não deixo de admirar os mais modernos, as catedrais imponentes, luxuosas, com altares banhados de ouro e prata, como a igreja da Candelária, no Rio, a catedral do Chile (em cujo livro de visitas deixei uma mensagem), a de Santo Antônio, em Pádua (para visitá-la, exigimos o desvio de roteiro do ônibus em que excursionávamos pelo Velho Mundo), sem falar na igreja do Vaticano, um exagero de luxo, e no Templo de Salomão, da Igreja Universal, em São Paulo, outro símbolo de riqueza e ostentação.

Em contraste com essas suntuosidades, apreciei uma igrejinha humilde, sem ninguém, numa praça erma de Veneza, onde um velhinho simpático tocava um realejo para obter uns trocados. Em todas me sinto em paz, em harmonia, não por afeição às liturgias, mas, possivelmente, pelas saudáveis egrégoras emanadas pelas pessoas que frequentam esses ambientes teístas.

Assim, eu me apego aos vetustos templos de qualquer parte, abadias e mosteiros, como uma pequena e velhíssima igreja, localizada numa rua movimentada de Recife, desprovida de fiéis, em que ouvi, sozinho e na penumbra, em plena manhã de uma segunda-feira, um jovem frade, num órgão quase medieval, executar um cantochão gregoriano.

Quando vou ao interior, na cidade em que nasci, entro na igreja de minha infância, em hora vazia, e contemplo, no hierático silêncio, a bissecular imagem, esculpida em Portugal, de Bom Jesus dos Passos, por cá identificada como Bom Jesus dos Aflitos. Só lamento não mais encontrar – porque fora demolida – a velha igreja evangélica da Assembleia de Deus, defronte à minha casa, que o bom pastor Moisés, nos anos de 1940, construiu sozinho, tijolo por tijolo, mesmo sem ser pedreiro.

Frequento, portanto, sem discriminação, templos, igrejas e centros, tal como o Templo Esotérico da Comunhão do Pensamento, em São Paulo, onde se ouve palestras, se ora e se medita, o Vale do Amanhecer, em Brasília, ambos de viés espiritual e, se tempo e saúde tiver, visitarei templos budistas, nos plainos do Himalaia.

Certa vez li, num livro de preceitos transcendentais, que cada um de nós, se quisermos e nos sentirmos capacitados, podemos construir, sem nenhum dispêndio, os nossos próprios templos: o nosso templo interno, que se pode obter por meio do raciocínio (espécie de exercício de nossa alma em sintonia com os poderes que existem, ocultos, nas profundezas do nosso ser), e, mentalmente, também construir o nosso templo externo, esplendorosamente imaginado como um templo físico, normal, onde quisermos, que será o nosso sacrário, com paredes, instalações e móveis, tudo de acordo com o nosso desejo.

Mediante esses ensinamentos do livro, venho desenvolvendo uma técnica simples, para edificar o meu Templo particular: no alto de uma montanha – exatamente a serra Negra, localizada na solidão do agreste, serra com quem tenho uma mística ligação (dela emanam as águas donde nasce o rio em cuja beira nasci), concebo e erijo o meu templo individual. Delineei-o na mente, paulatinamente, a meu modo, gosto e prazer, com todas as minúcias imagináveis; ainda não está totalmente pronto, mas já posso desfrutá-lo.

É a esse Templo maravilhoso, implantado no píncaro daquela serra, que me faço transportar, pelo místico poder mental, e faço as minhas meditações, em plena quietude eremítica, iniciando-as, a título de preparação, com esta resumida prece: “Abro toda a minha natureza a ti, Espírito Universal, para que eu possa receber tua sagrada influência”. Procurando me revestir da maior serenidade possível, esvazio o meu pensamento para que ele voe pelo cosmo, e, desse modo, tento e, paulatinamente, passo a me relacionar com os poderes que regem a vida.

Bem-aventurados os atributos do pensamento!

Esta epifania é uma deferência que faço a você, leitor/leitora. Não é uma fatuidade, uma incongruente lucubração, uma fantasia vulgar. É um extravasamento sincero, uma voluntária manifestação da minha individualidade, mostrando como, sem sair de casa, podemos nos conectar com um Mundo Maior, sobretudo se estivermos envolvidos e estimulados, nas nossas introspecções, por uma afortunada ambiência, como a que oferece uma serra perdida na distância, em meio de um exuberante agreste.

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