O consultório psiquiátrico, os preconceitos sociais e a doença mental

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Uma coisa que gosto de fazer e o faço com certa freqüência é pensar e refletir sobre a vida, sobre os meus hábitos e costumes, sobre as relações com os outros, sobre o que é ou não importante, sobre meu papel social como ser humano, sobre meus compromissos e responsabilidades, enfim sobre mim mesmo.  É uma prática que cultivo com muito zelo, pois reconheço que é a forma mais simples que disponho, para que eu possa me aproximar mais de mim mesmo.

Esta peculiaridade eu atribuo à minha condição de ser médico e psiquiatra atividades que exerço há 35 anos. Esta condição me fez aprender muito e a encontrar sentido em muitas coisas em minha vida que não tinham significado algum. Sempre procurei exercê-la com dignidade, competência e ética pela responsabilidade que a mesma me impõe, além do mais a prática do psiquiatra é inspiradora, inquietante e surpreendente, por ser inusitado e inconfundível a lida com estes enfermos.

No consultório as relações são singulares, pois é onde se firma um dos mais importantes compromissos da prática profissional que é a “relação médico-paciente” um dos capítulos mais importantes e mais apaixonantes da prática médica, onde o conhecimento, a dor, a técnica, o sofrimento, a angústia, bem como a alegria, a satisfação dos enfermos, nos ensinam a compartilhar, colaborar, ter esperanças, a compreender mais, ter compaixão e a nos resignarmos ante ao que não se pode mudar.

A prática da psiquiatria em si mesma não é nada diferente das outras práticas médicas, pois as doenças mentais obedecem às mesmas regras e lógicas das outras doenças humanas, sem qualquer diferença, ressalvando-se apenas o fato dos doentes mentais, contrariamente aos outros, apresentarem muita expectativa, incógnitas, e níveis de angústia incomparavelmente superiores a qualquer outro enfermo. Por isto mesmo, se sentem inseguros, desprotegidos e desamparados diante de sua própria enfermidade.

Neste contexto estes doentes sempre foram vítimas de terríveis preconceitos e discriminações, mais do que qualquer outro enfermo, graças a isto foram sempre segregados socialmente e prejudicados tanto em seu tratamento quanto em sua reabilitação social. Esta constatação constrangedora se vê estampada em seus rostos ao manifestarem vergonha de ser taxado de doente mental.

Esta rejeição e discriminação sempre existiram, onde o medo, a desconfiança e a hostilidade sobre os mesmos, caminham juntas. A ignorância médica, a negligências do poder público e o desprezo social a estes pacientes envolto por uma cultura discricionária, forma a base do preconceito histórico, gerando desamparo, desumanidade e violência contra estes enfermos.

Considero particularmente um dos mais importantes compromissos da psiquiatria manter a luta contra estes preconceitos haja vista os profundos prejuízos ocasionados a estes pacientes. Podemos citar como exemplo a iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, criando um movimento nacional contra a discriminação dos doentes mentais, designado de PSICOFOBIA.

Contraditoriamente, a doença mental por ser uma doença da pessoa e não de um órgão, do comportamento e não de um sistema, sua expressão é a mais pessoal e humana. São pessoas que revelam mais afetividade, mais bondade, mais paixão, mais sentimento em suas queixas. Por isto mesmo exigem mais carinho, mais atenção, afeição em seus gestos. Há, portanto, uma enorme discrepância entre o famigerado preconceito que lacera, maltrata e faz sofrer estas pessoas e a singeleza dos seus sintomas incompreensíveis baseadas em suas profundas necessidades.

O mínimo que poderíamos fazer diante de tudo isto para corrigir estas profundas distorções seria garantir acessibilidade digna e plena a estes enfermos através de um sistema de cuidados bem planejado, referente, humanizado, amplo e tecnicamente competente para assegurar sua total recuperação, pois como os outros, os doentes mentais também se recuperam e podem levar uma vida dígna e saudável.

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