Preconceitos, formas veladas de violência

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Cada vez mais a sociedade civil deste país se insurge contra as incongruências e a violência contida nos preconceitos e nos estigmas sociais, relacionados com doentes mentais, seus tratamentos e a família desses enfermos. Esses preconceitos são muito antigos e se verificam em de diferentes situações: contra gays, negros, pobres, prostitutas, nacionalidades e entre esses, os doentes mentais. Nesse particular, estes são muitos profundos e mais antigos ainda, pois desde os primórdios da Psiquiatria que se sabe que eles existem, provocando danos e prejuízos irreparáveis a estes doentes, estigmatizando-os, segregando-os e os isolando do convívio social.

Preconceitos e estigmas são na realidade condições pejorativas desvalorativas dirigidas contra alguém ou contra algo que ocorre na realidade. São conceitos, pré-anunciados, antecipados, em torno de algo, alguém ou acontecimento ou sobre o que de fato ocorre, na realidade. Os preconceitos, estão quase sempre inseridos em um contexto social, psíquico ou cultural ou a condições específicas que fazem parte dos indivíduos e de suas relações. Em geral os preconceitos são estigmatizantes e segregacionistas onde indivíduos, práticas sociais, fatos, acontecimentos, eventos ou mesmo condições psicossociais, são desqualificados, mal vistos e desconsideradas, em razão de uma apreciação destorcida dessas realidades, desses fatos ou dessas pessoas ou desses acontecimentos, os quais são postos à margem da realidade. Em princípio, todos os preconceitos são repletos de violências contra o que, ou a quem se dirige.

Particularmente, sobre preconceitos e doença mental a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, há 08 anos, desenvolveu a campanha “A Sociedade Contra o Preconceito”, lançada durante o XXIX Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Essa campanha ganhou notoriedade, nacional e internacional, de tal forma que culminou com o projeto “Psicofobia é um Crime” que, após várias audiências públicas, apresentou emenda ao projeto de reforma do Código Penal, para criminalizar a segregação de portadores de transtornos mentais.

O programa “Psicofobia é um Crime” da ABP, visa institucionalizar nossa luta de combater os preconceitos e os estigmas que ocorrem na psiquiatria, principalmente contra os enfermos psiquiátricos e seus tratamentos. Trata-se de um manifesto consciente, responsável, humanizador, visando extirpar os tais preconceitos e/ou qualquer outra forma de descriminação que exista sobre os doentes mentais. É uma forma de demonstrar nossa indignação e disposição de lutar contra todo tipo de descriminalização que hala, sobretudo a esses enfermos, aos médicos psiquiatras e a psiquiatria como especialidade médica, por reconhecer-se que são práticas nefastas e não ajudam na recuperação nem na inserção social dessas pessoas.

Através deste Programa “Psicofobia é um Crime”, nós psiquiatras já avançamos muito. Artistas, poetas, políticos e escritores, cientistas e pesquisadores já se apresentaram na abertura dos nossos Congressos de Psiquiatria tratando de tais preconceitos, e muitos deles relatando suas próprias experiências como portadores de alguns transtornos psiquiátricos ou de alguns parentes seus. Além disso, redes de tvs e grandes jornais nacionais atualmente se dirigem á ABP para ouvi-la quando o assunto é sobre doença mental, fatos que nunca houve na história da Psiquiatria desse país.

Entre essas figuras de notoriedade pública destacamos o grande humorista Chico Anízio, o narrador e comentarista esportivo Luciano do Vale, o grande poeta maranhense Ferreira Gullar e tantas outras personalidades públicas, que de forma despretensiosa e com elevado espírito de solidariedade humana se dispuseram a realizar esses autos relatos, sobre suas doenças mentais, para ajudar a Psiquiatria a enfrentar esses enormes preconceitos nessa área.

É bom que se diga, que as doenças mentais obedecem às mesmas regras, leis e princípios que regem as demais doenças humanas, só diferindo quanto a forma de se expressarem clinicamente, e nada mais. São doenças que, como muitas outras, se tiverem precocemente um bom diagnóstico e um tratamento adequado terão um prognóstico favorável e muitos desses enfermos se recuperam inteiramente ao ponto de levarem uma vida absolutamente normal, como qualquer um.

A evolução nos critérios de diagnósticos dessas enfermidades, os avanços farmacológicos e outras formas de tratamentos bem como os avanços nos recursos laboratoriais hoje disponíveis são consideradas avanços absolutamente importante no controle clínico e epidemiológico dessas enfermidades. Fatos que vem colaborando sobre maneira para a derrubada dos estigmas aqui encontrados.

De tal forma que essa imagem malévola, demoníaca, amedrontadora, segregacionista bem como de que acreditam que doentes mentais são loucos, violentos, endemoniados, deficiente irrecuperáveis, intratáveis e muitos outros preconceitos é uma tremenda violência praticada contra essas pessoas, pois semelhantemente a muitos outros doentes, esses podem se prevenir, tratar, se recuperar e levar uma vida feliz e tranquila como a de todos. Por extensão, tais preconceitos resvalam para a Psiquiatria, enquanto especialidade médica, para os psiquiatras, para os hospitais psiquiátricos e, sobretudo para os tratamentos aplicados a esses enfermos.

            Para muitos, a Psiquiatria, é uma especialidade que trata de loucos, de malucos, desconhecendo completamente e de forma maldosa o alcance médico, social e humanístico que recaem sobre os ombros desses especialistas. Desconhecendo, o valor e a importância da ciência que há por trás dessa prática médica e desconhecendo, sobretudo o imenso valor social na prática desses médicos.

               Essa uma crença popular antiga, pejorativa, preconceituosa, que até hoje impede de muita gente ir ao psiquiatra para tratar de seus problemas, comportamentais ou emocionais, e deles se livrarem. A doença mental, como outras doenças humanas, quanto mais cedo for diagnóstica e tratada melhor, tanto para os enfermos quanto para seus familiares. Quanto mais tarde, pior. Portanto, lutemos arduamente contra todos esses preconceitos contra os doentes mentais, seus tratamentos e os profissionais que cuidam desses enfermos.

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Internar, um imperativo a favor do paciente.

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Esse é o segundo artigo que trata do assunto, internação em Psiquiatria, embora permaneça sendo amplamente discutido, ainda há uma celeuma, em torno desse assunto. Reconhece-se, que de fato é um tema deveras importante e que devemos realmente discuti-lo, abundantemente, para melhor entender como funciona esse processo.

 Internar alguém por um transtorno médico é um dever profissional e uma prerrogativa ética, moral e legal dos enfermos, em condições especiais no curso de uma doença as quais possam justificar tal indicação. Do ponto de vista médico, nenhum profissional, independente da espacialidade, sugeriria que se hospitalizasse alguém, sem uma base clínica e ética que a justifique. As condições agudas, com risco de morte e comportamentos autodestrutivos ou antissociais (psicóticas) figuram entre as manifestações médicas e psiquiátricas que mais justificam uma internação.

Nessa perspectiva, o uso de álcool e outras drogas representam questões médicas e psicossocial grave, que certamente representa um dos maiores problemas de saúde pública, segurança e bem-estar social, dos últimos anos. Os índices de morbimortalidade devido ao uso de drogas, na prática, superam em muito as estatísticas epidemiológicas de suicídios, homicídios, mortes ocasionadas no transito, canceres, guerras e por muitas outras doenças, que ocupam lugares de destaque nas estatísticas nacionais ou internacionais. Além do mais, a situação se complica, por se saber que o problema não se restringe somente aos usuários, mas às suas famílias, ao trabalho, as escolas e a todos que, de uma forma ou de outa, se relacionam e essas pessoas.

Múltiplos fatores, atualmente, colaboram para o expressivo aumento da demanda por álcool e outras drogas. Questões sociais, psicológicas, questões médicas e psiquiátricas, questões familiares, econômicas, desemprego, conflitos sociais, figuram entre as principais. Destacamos, também o incremento do tráfico ilícito de drogas de dimensão internacional e a inexistência de políticas públicas consistentes, eficiente e arrojadas na área da prevenção e do enfrentamento dessas questões.

A sociedade parece parcialmente imobilizada sem saber nem por onde começar para participar adequadamente desta questão, pois como as medidas públicas são insuficientes e fragmentadas isto favorece a desmobilização social para o enfrentamento da situação, adotando conduta meramente contemplativa.  Apesar do tamanho do problema e da imobilização social há atualmente setores da sociedade que se encontram bem engajados nesta luta. Entidades públicas, filantrópicas, privadas, religiosas, comunitárias, empresariais que, congregando pessoas preparadas, fornecem aconselhamento, permitem a troca de experiências e proporcionam tratamento e assistência aos dependentes químicos.

Talvez seja a família, um dos segmentos sociais mais afetadas, pois as mães e pais desesperados batem às portas das instituições públicas, relatando que já perderam tudo: a paz, o sono, a saúde, o patrimônio. Agora, estão prestes a perder a esperança e a vida, devido o comportamento suicida, agressivo, psicótico de um filho (a) ou familiar que adentrou ao uso de drogas e não tem condições para sair sem o devido apoio profissional.

As opiniões sobre a melhor forma de tratar dependente de drogas álcool, são divergentes, embora todas elas possam dá suas contribuições. A dependência química é um transtorno grave que exige tratamento imediato, mesmo à revelia dos enfermos. O sucesso desta iniciativa, como qualquer intervenção médica responsável, depende do acerto entre a medida indicada e as necessidades do paciente. Qualquer atividade de atenção e assistência a esses enfermos devem estar em consonância com os princípios médicos é ticos e legais, é o que estabelece a Lei 11.343/06.

São raros os casos de dependentes de drogas e de álcool, que se recuperam sem o auxílio da família, dos profissionais ou de terceiros, nesse sentido de apoiar esses enfermos. Uma pesquisa americana revelou que 50% dos dependentes químicos apresentam algum tipo de transtorno mental, sendo o mais comum deles a depressão, transtorno de personalidade e outros transtornos mentais. Muitos são inaptos para avaliara a própria doença e a nocividade do seu comportamento, por isto mesmo, não aceitam qualquer tipo de ajuda.  

A Lei Federal, acima citada, busca apoia-lo, protege-lo e dar-lhe seu direitos e garantias e total apoio a suas demandas, médico, sociais e de direito a ele e a suas famílias, procurando garantir-lhe o melhor de uma assistência, ambulatorial ou hospitalar.   

Estudos recentes mostram que o fato de alguém se internar em um hospital para se tratar involuntariamente, voluntariamente ou de forma compulsória não macula o resultado destes tratamentos através dessas modalidades de internação, pois os pacientes podem se beneficiar do que lhe é oferecido através das mesmas. O que não se concebe mais nos dias atuais é esperar que um doente mental grave como são os dependentes de álcool e outras drogas decidam, tão somente, se querem ou não se tratar já que lhes faltam estas prerrogativas em razão de suas doenças.

A dependência química é uma condição médica e psicossocial grave que impõe a esses enfermos, a seus familiares e a sociedade em geral, alterações profundas em seu comportamento pessoal e social. A consciência, a cognição, os afetos, as emoções e o desses enfermos estão comprometidas profundamente, altercando-lhes, por conseguinte sua autocrítica, sua auto avaliação e as capacidade de só se recuperar, havendo, por conseguinte uma necessidade imperiosa de se tratar e muitas das vezes, pelas razões acima, em um ambiente hospitalar.

Em havendo indicação médica especifica, suporte, apoio e autorização familiar para proceder uma internação involuntária que será para proteger esses enfermos de cometerem atos contra si e contra os outros, ameaçando-lhes a própria vida. De tal forma, que não é maldade, violência, ou restrição de direitos humanos nessas internações, involuntárias ou compulsórias (judiciais), pelo contrário, todas estão a serviço da família e dos enfermos.

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