Os “cídios” da vida moderna

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                 Homicídios, suicídios, feminicídios, filicídios, parricídios, infanticídios passaram a ser ocorrências regulares anunciadas nos grandes noticiosos locais e nacionais. São comportamentos, em geral criminosos, em que o sufixo “cídio” ou “cida”, de origem latina caedere, significa “matar, imolar, derrubar” e, ao se justapor a cada palavra, especificamente, define o significado de cada uma dessas atitudes.

        Atualmente, raros são os dias em que não se ouve notícias sobre esses acontecimentos. Além do mais, o que mais nos chama atenção é que essas ocorrências são revestidas de muita perversidade, crueldade e impiedade inomináveis.

                 O feminicídio, por exemplo, apesar de ser um crime hediondo e chocante, do ponto de vista humanístico e antropológico-social, está entre os mais comumente praticados e anunciados nas mídias nacionais. Infelizmente um número grande de mulheres, adolescentes, jovens, adultas e crianças são submetidas a alguma forma de tortura ou violência em nosso país: assédios, exploração sexual, estupro, violência psicológica, agressões sociais ou domésticas praticadas por parceiros ou familiares ou terceiros. A violência de gênero, outro crime recorrente, se perpetua nos espaços públicos e privados, encontrando nos assassinatos a sua expressão maior entre todas essas barbaridades.

                  O documento “Dossiê Feminicídio”, do Instituto Patrícia Galvão, informa que ocorre em nosso país um estupro a cada 11 minutos, que uma mulher é assinada a cada 2 horas, que 503 mulheres são vítimas de agressão a cada horas, que 5 mulheres são espancadas a cada dois minutos. São números inaceitáveis, que mostram o tamanho e a gravidade desse problema.

         O Brasil é o 5º país no ranking internacional de homicídios de mulheres. Constata-se, ainda, que a violência doméstica fatal é praticada com requintes de crueldade. Homicídios de mulheres negras aumentaram 54% em 10 anos e as mulheres jovens correm mais risco de serem assassinadas.

            As taxas de suicídios, outra ocorrência lamentável entre nós, aumentaram nos últimos anos. São praticados 114 mil suicídios, anualmente, em nosso país. E o mais preocupante é que os maiores índices de suicídio ocorreram entre 14 e 29 anos de idade, mortes essas que ocorreram no apogeu da juventude, da capacidade laborativa e do esplendor da vida. Sobre os homicídios, são também graves e elevadas as taxas em nosso território nacional. Atingiu-se o índice de 20.126 assassinatos, por ano, segundo o Mapa da Violência em 2021.

                  Por serem diferentes tipos de crimes, esses fenômenos, do ponto de vista da justiça, da moral e psicossocial, têm diferentes formas de interpretação e manejo. Por outro lado, sabe-se que se trata, realmente, de comportamentos altamente complexos, desumanos e reprovados em todos os sentidos. São comportamentos e atitudes baseadas em múltiplas causalidades, considerando-se a complexidade e motivacionalidade de cada um deles.

                  O suicídio, o homicídio, feminicídio, etc, não poderiam ser explicados por um único fator, por mais significantes que possam parecer. Da mesma forma, filicídios ou parricídios, todos do ponto de vista fenomenológico, terão ocasionados por múltiplos fatores causais, os quais justapostos, colaborarão para suas expressões finais. A diversidade de fatores causais e a preponderância de cada um é que resultarão na expressão dessas atitudes e conferirão a dimensão ultracomplexa e epifenomênica a esses comportamentos criminosos.

                Na perspectiva dessa complexidade motivacional criminogênica, destacaria como um importante aspecto o transtorno mental, em que fatores psicopatológicos graves podem colaborar para a materialidade desses comportamentos. A crueldade, a perversidade e a brutalidade com que esses crimes ocorrem são chocantes e quando associados à frieza emocional, ao indiferentismo, à ausência de piedade, de culpa ou remorso do praticante, confirmam que os mesmos são, preponderantemente, baseados ou influenciados por fatores associados a transtornos psiquiátricos ou comportamentais, com graus distintos de gravidade psicopatológicas, tão bem descritas pela Psiquiatria Forense.

                 Ao mesmo tempo, não podemos desconsiderar que outros fatores psicodinâmicos, socioeconômicos e comportamentais, podem, de forma estrutural ou conjuntural, influenciar, decisivamente, a expressão final esses “cídios”.  A pobreza, a falta de emprego, falta de habitação condigna, o acesso precarizado ao ensino e a educação, as restrições alimentares, a fome, a falta de lazer, de ocupação, de atividades sociais e lúdicas, o uso de álcool e de outras drogas, as desigualdades sociais, são todos fatores, absolutamente relevantes que podem estar nas bases desses fenômenos criminogênicos. As questões políticas, as injustiças sociais, as discriminações de raça e gênero, os preconceitos podem também ser fatores relevantes para influenciar, sobremaneira, tais comportamentos abomináveis.

                  Na realidade, vivemos em um momento complicado de nossa história. Paradoxalmente a toda evolução que alcançamos nas últimas décadas, vive-se, predominantemente, sob a égide do ódio, da indiferença aos outros e da insegurança social e pessoal. Esses fatos, justapostos, influenciam negativamente a vida e o bem-estar da população.

                   O ódio é um dos ingredientes altamente presentes nos “cídios” da vida moderna. Discurso de ódio, crime de ódio, reações de ódio, conflitos por ódio, essas são expressões frequentemente anunciadas na grande mídia nacional. São comportamentos ou reações descontroladas e avassaladoras de fúria de muitas pessoas.

             Na realidade, o ódio é um sentimento devastador, uma reação explosiva emocional, e uma das mais repudiadas reações humanas, por isso mesmo, condenada por todos. O ódio causa repulsa, aversão e medo. Do ponto de vista pessoal, moral e social é uma reação abominável. Está intrinsecamente inserido no amplo repertório das reações afetivas humanas, e entre as mais antigas em nosso desenvolvimento filo e ontogenético. Pode-se perceber sua manifestação em todas as etapas do desenvolvimento humano. As manifestações de ódio estão na base da violência social, dos graves conflitos interpessoais, políticos, familiares, no trabalho, nos negócios, nas relações internacionais, podendo favorecer o cometimento de uma variedade enormes de crimes.

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A arrogância, um veneno da alma

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           Nos bate-papos, nas rodas de conversas, em conversas fortuitas quase sempre, se ouve alguém comentar: “fulano é esnobe, pedante ou ainda: fulano é presunçoso, pretencioso, convencido e insolente, para em seguida, explicam porque pensam assim daquela pessoa. Todos esses adjetivos, são sinônimos de arrogância, um dos traços humanos, mais rechaçados e incomodante que alguém pode ter. Humildade, oposto da arrogância é o que não existe nessas pessoas, embora possam simular que a tenham tal virtude.

          Para Johann Wolfgang von Goethe (1749 – 1832) escritor, cientista e filósofo alemão, dizia: Muitos são orgulhosos por causa daquilo que sabem; face ao que não sabem, são arrogantes.

           Para Charles Darwin (1809-1882), naturalista inglês, o pai da “Teoria da Evolução das Espécies”, dizia: O homem, em sua arrogância, pensa de si mesmo como uma grande obra, merecedora da intervenção de uma divindade. Em distintas épocas, pensadores, cientistas e filósofos ao se debruçarem conhecerem melhor esse sentimento de arrogância e manifestavam seus conceitos quase sempre na mesma direção, destacando a arrogância como algo relativa à soberba e a prepotência.

            O arrogante, expressa uma característica marcantes em seu comportamento que que é o culto da superioridade. A rigor, são personalidades prepotentes, convencidas e vaidosas que se sentem melhores em tudo que fazem. À rigor são expertos, hábeis, sedutores e enganadores e isso os fazem sentirem-se melhores em tudo que fazem.

          De modo geral, são soberbos, presunçosos e vaidosos, por isso mesmo, socialmente, acabam tendo má reputação. Essas pessoas, quase sempre se sentem no domínio de tudo e de todos, sendo a presunção, nesses casos, também uma marca forte em seu caráter. Se vangloriam e destacam suas qualidades. São insolentes e desprezam, ostensivamente, opiniões e pontos de vista, contrários aos seus.

           No desenvolvimento emocional e cognitivo, dos arrogantes, há fatos que os tornam gulosos, fominhas e insaciáveis. Querem tudo para si, controlam tudo e comandam tudo. Do ponto de vista do seu crescimento emocional são “crianças grandes, ou adultos que não cresceram, são carentes de si mesmos”. Apresentam, uma necessidade incomum dese sentirem paparicados, bajulados, elogiados e, nessas condições exibem seus dotes e habilidades, presumivelmente, melhores que as dos outros, sobre os quais se se sentem superiores. Sua autoimagem e opiniões que tem sobre si mesmo, são excessivamente boas, e se sentem muito bem com quem as reconheçam.

           Esses traços, descritos acima, já são vistos desde cedo, na infância e prosseguem na adolescência, na vida adulta e daí por diante. Essas características se incorporam em seu ego e se consolidam como algo próprio, levando-os a serem identificados como tal, no convivo social ou familiar. “Fulano, sempre foi assim, desde criança”.

         Os arrogantes, por suas crenças de superioridades, apresentam diferentes graus de dificuldades em seus relacionamentos. Essas dificuldades se revelam de forma notória, quando alguém ameaça a sua supremacia, tornando-os enfurecidos. Essas dificuldades, impõe aos mesmos, preferências nos relacionamentos ou amizades com pessoas com as quais possam empreender seu domínio. A arrogância está no “endos” dessas pessoas e se revelam nas circunstâncias. Esses, quase sempre, buscam posições de mando, ou de liderança, para se firmarem como tal.

          Gostam de ser elogiados, embora digam que não. Suas opiniões deverão sempre prevalecer e serem aceitas e seguidas e não podem ser desprezadas e/ou desconsideradas, pois entendem isso como uma ousadia, desrespeito e desacato a si mesmo.

          Os arrogantes, são ávidos por poder. Essas posições reforçam seu ego inflado e hipertrófico. Essas figuras, ao exercerem funções importantes em qualquer área que atuam, querem mandar. Quando confrontado, (o que é sempre muito difícil pois não deixam que isso ocorra) ou mesmo, diante de outra ameaças se desesperam, se irritam e se desestabilizam, tornando-se agressivos e furiosos como uma criança que perdeu a chupeta.

                 Sua autoestima é sempre elevada, sobretudo, pela vaidade. São eloquentes, pensam rápido e tem resposta para tudo, e se sentem cheio de razão no que fazem. São carentes de si mesmos e extremamente inseguros. Em geral. São inteligentes e percebem as coisas com muita facilidade. A maior dificuldade dessas pessoas é lidar com seu ego frágil e inflado e, às vezes, para compensar essa limitação, costumam, tomar como verdade, uma suposição, algo que ainda não foi confirmado ou comprovado, mas que para esses, não é considerado especulação.

               Do ponto de vista psicopatológico, há relatos de comportamentos arrogantes em alguns grupos de pessoas portadores de Transtornos de Personalidades do tipo Narcísista, um dos 10 tipos referenciados na Classificação Internacional das doenças – CID-10. Nesses, a arrogância, é um traço predominantes em sua personalidade, que está presente com diferentes níveis de intensidade. Em personalidades histriônicas, infantis e portadores de Transtornos de Humor (hipomania e mania franca), é comum observarmos, na vigência desses transtornos, comportamentos arrogantes.

       Por último, cito um relato de um colega, Psiquiatra de Dr. Régis Eric Maia Barros, Mestre e Doutor em Saúde Mental pela FMRP – USP, que em uma de suas publicações, relata a definição que um de seus pacientes dissera, sobre os arrogantes: segundo ele “o arrogante é um pobre que se vê rico, um fraco que precisa se vê forte, um ignorante que se acha culto e um ser que não se admira e que precisa forçar a admiração dos outros”.

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