CARTÃO DE IDOSO

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Estamos num país em que você tem que provar tudo. Desde que você não é bandido até que ainda está vivo. Desde provar que você  já viveu alguns anos até testemunhar que você já viveu o suficiente ou, até, que viveu mais do que o suficiente.

E, para isso, não bastam os atestados que lhe obrigaram a possuir: Carteira de Identidade, C.P.F., Bons Antecedentes, Certidão de Idade, de Casamento e o escambáu. Não bastam ações como pagar imposto de renda, multas de trânsito, etc. Para todos os efeitos, você é um sujeito inexistente quando se trata de usufruir alguma regalia.  (Claro, para pagar, nada precisa provar. Pra isso você poderia até ser um E.T.)

Não é de admirar que anos  atrás tenha surgido a tal PROVA DE VIDA, em que o aposentado precisa provar que está vivo para poder receber a sua aposentadoria. Para isso precisa ir até um caixa do banco (nem que seja arrastado –  se for deficiente), pra espernear, gritar, gemer, chorar, etc.

Não fique confiante, porém, se tiver conseguido a almejada prova. A Prefeitura de São Luis acabou de inventar um tal CARTÃO DE IDOSO, para atestar que você é, de fato,  velho. Isso mesmo! Você resistiu a ser velho a  vida inteira, mas um dia você chegou lá. E, como se não bastassem as agruras que isso lhe trouxe, a partir de agora você está condenado a enfrentar a tradicional burocracia  para poder usufruir das  duas míseras compensações que a velhice lhe trouxe: fila de idoso e estacionamento livre.

Ora, se fila de idoso é melhor nem encarar,  só o que lhe restava de privilégio era o estacionamento preferencial. Só que,  para usufruir disso, agora você tem que ter um Cartão de Idoso. Não bastam carteira de identidade, rugas, dentadura postiça, muleta e R-X da coluna ou do  tórax, tem de ter um Cartão. ( Dias atrás, em fato que ganhou as páginas dos jornais uma senhora teve o carro guinchado em pleno shopping porque não lhe bastou mostrar sua carteira de identidade. Faltava o tal cartão. Dá pra acreditar?)

 

 

Dia virá  que lhe exigirão o CARTÃO DE MORTO, para poder ser enterrado. Dá até pra  imaginar a cena: na porta do cemitério, você dentro de um caixão e o parente, que lhe conduz,  sendo interceptado por um guarda.

– Cadê o cartão de morto dele? Sem isso ele não pode ser enterrado.

– Bem, tá aqui o Atestado de Óbito.

– Não basta! Ele precisa apresentar o seu cartão de morto. Todos sabem disso. Agora é lei.

– Não deu tempo pra isso, ele morreu antes. Como poderia tirar um cartão de morto se ainda não tinha falecido?

– Poderia ter sido previdente e ter se antecipado.

– Como assim? Ele não estava desenganado,  e tinha esperanças, coitado. Queria viver mais um pouco.

– Tirasse então um cartão de QUASE MORTO.

– De quase-morto?

– Sim, de quase morto, ou meio morto, tanto faz. Já colocamos à disposição do público. É só requerer.

– Por favor, desculpe, não sabíamos. Deixe-o passar só esta vez. Como você sabe  ele não terá outra chance.

– Huuuummm! Tá certo. Desta vez pode passar, mas na próxima providencie.

– Na próxima? Só se for o meu,  você quer dizer…

– Não se faça de engraçadinho. Na próxima entrada dele. No céu, no inferno ou no purgatório. Sem cartão não passará por lá também. E agradeça pela paciência!

 

José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas

 

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